Algumas pessoas argumentam que, cientificamente
falando, não se pode dizer que a dor de Cristo foi a maior dor que já existiu,
uma vez que existem gêneros muito piores de morte que a crucificação, como
pessoas que morrem lentamente, corroídas por ácidos etc. Mas, em que sentido se
pode entender essa afirmação da Igreja, contida inclusive na doutrina de Santo
Tomás de Aquino?
É o próprio Doutor Angélico que o responde, em sua
Summa Theologiae:
“Ao
tratarmos das deficiências assumidas por Cristo, deve-se dizer que ele suportou
uma autêntica dor; tanto sensível, causada por algo que fere o corpo, como
interior, causada pela percepção do que é nocivo e que é chamada de tristeza.
Ambas foram em Cristo as maiores dores na presente vida. E assim foi por quatro
motivos.”
“Primeiro,
pelas causas da dor. Pois a causa da dor sensível foi a lesão corporal, que se
tornou pungente não só pela extensão do sofrimento, da qual se falou, mas
também pelo gênero de sofrimento. É que a morte dos crucificados é muitíssimo
cruel, pois são transfixados em locais de nervos muito sensíveis, ou seja, nas
mãos e nos pés; o próprio peso do corpo suspenso aumenta continuamente a dor; e
é uma dor que perdura, uma vez que o crucificado não morre logo, como os que
são mortos a espada. – Já a causa da dor interior foi, em primeiro lugar, todos
os pecados do gênero humano, pelos quais, sofrendo, Cristo dava satisfação, a
ponto de, por assim dizer, assumi-los para si, como declara o Salmo: ‘As
palavras das minhas faltas’ (21, 2). Em segundo lugar, especialmente a culpa
dos judeus e dos demais que tramaram sua morte, mas de modo participar dos
discípulos, que se escandalizaram com a paixão de Cristo. Em terceiro lugar, a
perda da vida corporal, que por natureza é horrível à condição humana.”
“Segundo,
a extensão do sofrimento pode ser considerada pela sensibilidade do paciente.
Ora, ele tinha uma ótima compleição física, pois seu corpo fora formado de modo
miraculoso pela ação do Espírito Santo; aliás, tudo o que foi realizado por um
milagre era melhor que o resto, como diz Crisóstomo a respeito do vinho em que,
na festa de núpcias, Cristo transformara a água. Assim, era agutíssimo nele o
sentido do tato, com o qual se percebe a dor. – Igualmente, a alma, com suas
forças interiores, captava de modo intenso todas as causas de tristeza.”
“Terceiro,
a grandeza da dor de Cristo ao sofrer pode ser estimada pela pureza dessa dor.
Nos demais pacientes, com efeito, mitiga-se a tristeza interior e mesmo a dor
externa com alguma consideração da razão, por alguma derivação ou redundância
das forças superiores para as inferiores. Mas isso não aconteceu com Cristo em
sua paixão, pois, como diz Damasceno, ‘ele permitiu que cada uma de suas
potências exercesse a função que lhe era própria’.”
“Quarto,
a extensão da dor de Cristo em sua paixão pode ser estimada pelo fato de seu
sofrimento e dor terem sido assumidos voluntariamente, com o objetivo de
libertar os homens do pecado. Assim, ele assumiu a intensidade da dor
proporcional à grandeza do fruto que dela se seguiria.”
“De
todas essas causas consideradas em seu conjunto, fica evidente que a dor de
Cristo foi a maior.” [1]