COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
A ESPERANÇA DA SALVAÇÃO PARA AS CRIANÇAS
QUE MORREM SEM BATISMO
SUMÁRIO
Nota preliminar
Introdução
1. Historia quaestionis. História e hermenêutica do
ensinamento católico
1.1. Fundamentos bíblicos
1.2. Os Padres gregos
1.3. Os Padres latinos
1.4. A Escolástica medieval
1.5. A era moderna pós-tridentina
1.6. Do Concílio Vaticano I ao Concílio Vaticano II
1.7. Problemas de natureza hermenêutica
2. Inquirire vias Domine: Indagar os caminhos de
Deus. Princípios teológicos
2.1. A vontade salvífica universal de Deus
realizada através da única mediação de Jesus Cristo no Espírito Santo
2.2. A universalidade do pecado e a necessidade
universal da salvação
2.3. A necessidade da Igreja
2.4. A necessidade do Batismo sacramental
2.5. Esperança e oração pela salvação universal
3. Spes orans. Razões de esperança
3.1. O novo contexto
3.2. A filantropia misericordiosa de Deus
3.3. Solidariedade com Cristo
3.4. A Igreja e a comunhão dos santos
3.5. Lexorandi, lex credendi
3.6. Esperança
A esperança da salvação para as crianças que morrem
sem Batismo
Nota preliminar
O tema da sorte das crianças que morrem sem ter
recebido o Batismo foi abordado levando em conta o princípio da hierarquia da
verdade, no contexto do desígnio salvífico universal de Deus, da unicidade e da
inseparabilidade da mediação de Cristo, da sacramentalidade da Igreja em ordem
à salvação e da realidade do pecado original. No estágio atual de relativismo
cultural e de pluralismo religioso, o número de crianças não-batizadas aumenta
consideravelmente. Em tal situação, aparece mais urgente a reflexão sobre a
possibilidade de salvação também para estas crianças. A Igreja tem consciência
que ela é unicamente atingível em Cristo por meio do Espírito. Mas ela não pode
renunciar a refletir, enquanto mãe e mestra, sobre a sorte de todos os seres
humanos criados à imagem de Deus, e, particularmente, dos mais fracos e
daqueles que ainda não estão em posse do uso da razão e da liberdade.
É conhecido que o ensinamento tradicional recorria
à teoria do limbo, entendido como estado no qual as almas das crianças que
morrem sem Batismo não mereciam o prêmio da visão beatífica, por causa do
pecado original, mas não sofriam nenhuma punição, dado que não tinham cometido
pecados pessoais. Essa teoria, elaborada por teólogos a partir da Idade Média,
nunca entrou nas definições dogmáticas do Magistério, mesmo que o próprio
Magistério a mencionasse no seu ensinamento até o Concílio Vaticano II. Esta permanece,
portanto, uma hipótese teológica possível. Contudo, no Catecismo da Igreja
Católica (1992) a teoria do limbo não é mencionada e, ao contrário, tem
ensinado que, quanto às crianças mortas sem o Batismo, a Igreja só pode
confiá-las à misericórdia de Deus, como, exatamente, faz no rito específico dos
funerais para elas. O princípio de que Deus quer a salvação de todos os seres
humanos permite esperar que exista uma via de salvação para as crianças mortas
sem Batismo (cf. Catecismo, 1261). Tal afirmação convida a reflexão teológica a
encontrar uma conexão teológica e coerente entre os diversos enunciados da fé
católica: a vontade salvífica universal de Deus, a unicidade da mediação de
Cristo, a necessidade do Batismo para a salvação, a ação universal da graça em
relação aos sacramentos, a relação entre pecado original e privação da visão
beatífica e a criação do ser humano “em Cristo”.
A conclusão do estudo é que existem razões
teológicas e litúrgicas para motivar a esperança de que as crianças que morrem
sem Batismo possam ser salvas e introduzidas na bem-aventurança eterna, embora
não exista um ensinamento explícito da Revelação sobre este problema. Nenhuma
das considerações que o texto propõe para motivar uma nova abordagem da questão
pode ser adotada para negar a necessidade do Batismo nem para retardar o rito
da sua administração. Ou melhor, existem mais razões para esperar que Deus
salve estas crianças, dado que não se conseguiu fazer o que se desejaria fazer
por elas, isto é, batizá-las na fé da Igreja e inseri-las visivelmente no Corpo
de Cristo.
Enfim, uma observação de caráter metodológico. A
maneira de abordar este tema se justifica bem dentro daquele desenvolvimento da
história da inteligência da fé, da qual fala a Dei Verbum (n. 8), e cujos fatores
são a reflexão e o estudo dos crentes, a experiência dos bens espirituais e a
pregação do Magistério. Quando, na história do pensamento cristão, se começou a
perceber a pergunta pela sorte das crianças que morrem sem Batismo, talvez não
se conhecesse exatamente a natureza e todo o alcance doutrinal implícito nesta
pergunta. Somente no desenvolvimento histórico e teológico havido no decorrer
dos séculos e até o Concílio Vaticano II nos damos conta que tal pergunta
específica merecia ser considerada em um horizonte sempre mais amplo das
doutrinas de fé, e que o problema pode ser repensado, colocando o ponto em
questão em relação explícita com o contexto global da fé católica e observando
o princípio da hierarquia das verdades, mencionado no decreto do Concílio
Vaticano II Unitatis Redintegratio. O Documento, seja do ponto de vista
teológico especulativo, seja do ponto de vista prático-espiritual, constitui um
instrumento explícito útil e eficaz para a compreensão e o aprofundamento desta
problemática, que não é somente doutrinal, mas se depara com urgências
pastorais de não pouca relevância.
* * *
O tema da “A esperança da salvação para as crianças
que morrem sem Batismo” foi submetido ao estudo da Comissão Teológica
Internacional. Para preparar este estudo, foi formada uma Subcomissão, composta
por Dom Ignazio Sanna e Dom Basil Kyu-Man Cho, pelos reverendíssimos.
professores Peter Damian Akpunonu, Adalbert Denaux, Gilles Emery O.P., Mons.
Ricardo Ferrara, István Ivancsó, Paul McPartlan, Dominic Veliath S.D.B.
(presidente da Subcomissão) e da professora irmã Sara Butler M.S.B.T., com a
colaboração do Pe. Luis Ladaria S.J., secretário geral, e do Mons. Guido Pozzo,
secretário adjunto da supracitada Comissão Teológica, e também com os
contributos de seus outros membros. A discussão geral se desenvolveu por
ocasião da Sessão Plenária da mesma Comissão Teológica Internacional,
acontecida em Roma em dezembro de 2005 e outubro de 2006. O presente texto foi
aprovado de forma específica pela Comissão, e, posteriormente, submetida ao seu
presidente, Cardeal William J. Levada, o qual, recebido o consentimento do
Santo Padre na Audiência concedida a 19 de janeiro de 2007, deu a sua aprovação
para a publicação.