No próximo
dia 24 de abril, o mundo recordará os 100 anos do início do genocídio armênio,
episódio espantoso em que morreu, vítima de um plano de aniquilação sistemática
de todo um povo, um milhão e meio de homens, mulheres e crianças indefesas.
O papa
Francisco celebrou no último domingo, 12 de abril, na Basílica de São Pedro,
uma missa em memória de todas as vítimas, muitas das quais morreram confessando
o nome de Jesus, como mártires cristãos dos tempos modernos. Cem anos depois
daqueles acontecimentos trágicos, a verdade histórica do genocídio armênio
ainda é controversa, quando não negada com obstinação. Através das vozes de
pessoas que sofreram a ferocidade das perseguições, o livro “A marcha sem
retorno - o genocídio armênio”, da jornalista italiana Franca Giansoldati,
procura reconstruir a história.
Como você
aborda a questão armênia no livro?
Franca
Giansoldati: Eu sou repórter, não historiadora. Meu interesse pelo tema vem
dos primeiros passos como jornalista na agência AdnKronos, quando me envolvi
com a iniciativa do [político italiano] Giancarlo Pagliarini, que, em 1998,
apresentou uma moção assinada por 165 deputados de diferentes partidos para que
o parlamento italiano reconhecesse formalmente o genocídio armênio. A resolução
foi aprovada em 2000, seguindo a que tinha sido aprovada pelo Parlamento
Europeu. Depois, como vaticanista, eu acompanhei a preparação da visita de João
Paulo II ao patriarca Karekin II, na Armênia, que foi fortemente obstaculizada
pela Turquia. As palavras "genocídio" e "extermínio", que
entraram na declaração conjunta pelos 1.700 anos da proclamação do cristianismo
no país, puderam ser usadas depois de uma longa discussão da comitiva papal. Eu
percebi, com o tempo, que a questão do genocídio armênio é desconhecida para a
maioria das pessoas, mesmo para as pessoas com bom conhecimento cultural. O meu
livro tem um propósito informativo: resumir a questão para quem não a conhece
ou conhece pouco. E deixar as testemunhas falarem. As estatísticas, o milhão e
meio de mortes causadas pela tentativa sistemática do Império Otomano de
exterminar os armênios, não atinge as consciências. A extensão do horror é mais
fácil de ser entendida por meio da voz de quem a viveu.
Por que o
genocídio armênio é negado até hoje?
Franca
Giansoldati: Existem razões históricas. O extermínio ocorreu nos anos da
Primeira Guerra Mundial, quando a atenção das grandes potências europeias
estava em outros lugares. Também há razões diplomáticas: nos tratados
posteriores à guerra, a influência do líder turco Ataturk foi grande o
suficiente para tirar a "questão armênia" da berlinda, apesar de que
um tribunal da própria Turquia tivesse condenado em 1920 alguns dos
responsáveis pelos massacres. Existem também razões de ordem prática: não é
secundário, hoje, na atitude revisionista da Turquia, o medo dos eventuais
ressarcimentos que poderiam ser reclamados pelos descendentes dos armênios
trucidados, que, pelo menos nas cidades do Império Otomano, representavam a
elite econômica e financeira. Tudo isso fez com que se desviasse o olhar do que
aconteceu e criou uma espécie de buraco na memória coletiva, que eu acredito
que influenciou a história europeia do século XX até os dias atuais: inclusive
no fenômeno do auto-intitulado Estado Islâmico.