segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Homilética: 26º Domingo do Tempo Comum - Ano C: "Coitado, só tem dinheiro!"



As leituras do 26º domingo comum dificilmente deixarão insensível o coração do verdadeiro cristão. Trazem uma contundente crítica à ganância, que, esta sim, torna insensíveis as pessoas.



O Evangelho (Lc 16, 19-31) descreve-nos um homem que não soube tirar o proveito dos seus bens. Ao invés de ganhar com eles o Céu, perdeu-o para sempre. Trata-se de um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho, e que todos os dias fazia festas esplêndidas; muito perto dele, à sua porta, estava deitado um mendigo chamado Lázaro, todo coberto de chagas, que desejava saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico. E até os cães lambiam as suas feridas.

A descrição que o Senhor nos faz nesta parábola tem fortes contrastes: grande abundância num, extrema necessidade no outro. O homem rico vive para si, como se Deus não existisse. Esqueceu uma coisa que o Senhor recorda com muita freqüência: não somos donos dos bens materiais, mas administradores.

O homem rico não está contra Deus nem oprime o pobre! Apenas está cego para as necessidades alheias. O seu pecado foi não ter visto Lázaro, a quem poderia ter feito feliz com um pouco menos de egoísmo e um pouco mais de despreocupação pelas suas próprias coisas. Não utilizou os bens conforme o querer de Deus. Não soube compartilhar. Santo Agostinho comenta: “Não foi a pobreza que conduziu Lázaro ao Céu, mas a sua humildade; nem foram as riquezas que impediram o rico de entrar no descanso eterno, mas o seu egoísmo e a sua infidelidade.”

Do uso que façamos dos bens que Deus depositou nas nossas mãos depende a vida eterna. Estamos num tempo de merecer! Por isso, o Senhor nos dirá: “É melhor dar do que receber” (At 20, 25). Ganhamos mais dando do que recebendo: ganhamos o Céu! A caridade é sempre realização do Reino dos Céus e é a única bagagem que restará neste mundo que passa. E devemos estar atentos, pois Lázaro pode estar no nosso próprio lar, no escritório ou na oficina em que trabalhamos.

A parábola ensina a sobrevivência da alma após a morte e que, imediatamente depois da morte a alma é julgada por Deus de todos os seus atos – juízo particular –, recebendo o prêmio ou o castigo merecidos; que a Revelação divina é, de per si, suficiente para que os homens creiam no mais além.

Também ensina que quem morre não volta mais! Que não existe reencarnação! Quem salva o homem é Jesus Cristo, não o próprio homem que vai pagando as suas faltas, cada vez que reencarna. Quem tem fé em Cristo e o aceita como salvador rejeita o espiritismo e a sua doutrina, a reencarnação. Em Hb 9, 27, diz o Senhor: “está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo.”

“Entre vós e nós existe um abismo”, disse Abraão ao rico, manifestando que depois da morte e ressurreição não haverá lugar para penitência alguma. Nem os ímpios se arrependerão e entrarão no Reino, nem os justos pecarão e descerão para o inferno. Este é um abismo intransponível. Por isso se compreendem as palavras de São João Crisóstomo: “Rogo-vos e peço-vos e, abraçado aos vossos pés, suplico-vos que, enquanto gozemos desta pequena respiração da vida, nos arrependamos, nos convertamos, no tornemos melhores, para que não nos lamentemos inutilmente como aquele rico quando morrermos e o pranto não nos traga remédio algum. Porque ainda que tenhas um pai ou um filho ou um amigo ou qualquer outro que tenha influência diante de Deus, todavia, ninguém te livrará, sendo como são os teus próprios fatos (atos) que te condenam.”

Exorta São Paulo em 1 Tm 6, 10: “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro e que muitos perderam a fé por causa disso.” O mesmo S. Paulo nos convida: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para qual foste chamado…” (1 Tm 6, 12).

Nós fomos eleitos para ser fermento que transforma e santifica as realidades terrenas. A sobriedade, a temperança, o despreendimento hão de levar-nos ao mesmo tempo a sermos generosos: ajudando os mais necessitados, levando adiante – com o nosso tempo, com os talentos que recebemos de Deus, com os bens materiais na medida das nossas possibilidades – obras boas, que elevem o nível de formação, de cultura, de atendimento aos doentes… Ou seja, com o coração em Deus e voltado para o próximo.

Não vos conformeis com este mundo…” (Rm 12, 2). Quando se vive com o coração posto nos bens materiais, as necessidades dos outros escapam-nos; é como se não existissem. O rico da parábola “foi condenado porque nem sequer percebeu a presença de Lázaro, da pessoa que se sentava à sua porta e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da sua mesa” ( Sto. Agostinho).

Façamos bom uso dos bens materiais. Jesus vê na riqueza o perigo mais grave de auto-suficiência, de afastamento de Deus e de insensibilidade para com o próximo.

Papa a bispos: “O mundo está cansado de mentirosos, de padres da moda, de arautos de cruzadas”.


Aos novos bispos do curso anual de formação, o papa afirma que fazer pastoral da misericórdia não é fazer liquidação de pérolas. “Não poupem esforços para ir ao encontro do povo de Deus, estejam perto das famílias com fragilidade. Nos seminários, apontem para a qualidade, não para a quantidade. Desconfiem dos seminaristas que se refugiam na rigidez.”

“O mundo está cansado de encantadores mentirosos… e, eu me permito dizer, de padres ou bispos na moda. As pessoas ‘farejam’ e se afastam quando reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os defensores das causas próprias, os arautos de cruzadas vãs.”

O Papa Francisco dirigiu um longo discurso aos bispos recém-nomeados, em Roma, para um curso de formação, tocando diversas questões do seu ministério, a partir da necessidade de tornar pastoral – “isto é, acessível, tangível, encontrável” – a misericórdia, que é o “resumo daquilo que Deus oferece ao mundo”.

Os bispos, disse Jorge Mario Bergoglio, devem ser capazes de encantar e de atrair os homens e as mulheres do nosso tempo a Deus, sem “lamentações”, sem “deixar nada de não tentado a fim de alcançá-los” ou “recuperá-los”, e graças aos percursos de iniciação (“Hoje, pedem-se frutos demais de árvores que não foram cultivadas o suficiente”).

Além disso, é necessário vigiar a formação dos futuros sacerdotes, apontando para a “qualidade do discipulado”, e não para a “quantidade” de seminaristas, e usando “cautela e responsabilidade” ao acolher sacerdotes na diocese. Francisco também convidou os novos bispos a estarem perto do seu clero, àqueles que Deus coloca “por acaso” no seu caminho e às famílias com as suas “fragilidades”.

“Perguntem a Deus, que é rico em misericórdia – disse o papa aos 154 novos bispos (16 dos territórios de missão) que participaram do curso anual de formação promovido conjuntamente pela Congregação para os Bispos e pela Congregação para as Igrejas Orientais – o segredo para tornar pastoral a Sua misericórdia nas suas dioceses. De fato, é preciso que a misericórdia forme e informe as estruturas pastorais das nossas Igrejas. Não se trata de rebaixar as exigências ou vender barato as nossas pérolas. Ou, melhor, a única condição que a pérola preciosa dá àqueles que a encontram é a de não poder reivindicar menos do que tudo. Não tenham medo de propor a Misericórdia como resumo daquilo que Deus oferece ao mundo, porque o coração do homem não pode aspirar a nada maior”, disse Francisco, que, sobre a misericórdia como “limite para o mal”, citou Bento XVI, acrescentando duas perguntas retóricas: “Por acaso, as nossas inseguranças e desconfianças são capazes de suscitar doçura e consolação na solidão e no abandono?”.

Para tornar a misericórdia “acessível, tangível, encontrável”, acima de tudo, o papa recordou que “um Deus distante e indiferente pode ser ignorado, mas não resistimos facilmente a um Deus tão próximo e, além disso, ferido por amor. A bondade, a beleza, a verdade, o amor, o bem – eis o que podemos oferecer a este mundo mendicante, ainda que em vasos meio quebrados. No entanto, não se trata de atrair a si mesmos. O mundo – disse Francisco – está cansado de encantadores mentirosos… e, eu me permito dizer, de padres ou bispos na moda. As pessoas ‘farejam’ e se afastam quando reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os defensores de causas próprias, os arautos de cruzadas vãs. Em vez disso, tentem ajudar a Deus, que já Se introduz antes ainda da chegada de vocês”.

Nesse sentido, “Deus não se rende nunca! Somos nós, que, acostumados ao rendimento, muitas vezes nos acomodamos, preferindo nos deixar convencer que realmente puderam eliminá-Lo e inventamos discursos amargos para justificar a preguiça que nos bloqueia no som imóvel das lamentações vãs: as lamentações de um bispo são coisas feias”. 

Insiste oportuna e importunamente


Não reconduzis as ovelhas que se desgarraram, não procurais as que andam perdidas. Encontramo-nos neste mundo entre as mãos de ladrões e os dentes de lobos furiosos; por isso, ante estes perigos vos pedimos que não deixeis de orar. Além disso, há ovelhas que são rebeldes. Se procuramos os que se extraviaram por sua culpa e para sua perdição, dizem que nada temos com isso e respondem-nos: «Que quereis de nós? Porque nos procurais?». E não compreendem que a razão por que os procuramos e queremos salvar é precisamente o facto de andarem errantes e perdidos. «Se estou no erro dizem-nos – se me perco, que te importa a ti; porque me procuras?». Justamente porque estás no erro, quero levar-te ao bom caminho; porque andas perdido, quero encontrar-te.
 
«Eu quero andar assim errante – replicam – quero andar assim perdido». Queres andar assim errante, queres andar assim perdido? Mas, com mais força ainda, não o quero eu. Digo-te claramente: quero ser importuno. Porque ressoam aos meus ouvidos as palavras do Apóstolo: Prega a palavra, insiste oportuna e importunamente. Oportunamente para quem? Importunamente para quem? Oportunamente para quem quer ouvir, importunamente para quem não quer ouvir. Porque quero ser importuno, não hesito em dizer-te: «Tu queres errar, tu queres perder-te, mas não o quero eu. Não o quer principalmente Aquele que me faz tremer. Se eu quisesse também o teu erro e perdição, repara no que Ele diz, ouve como Ele me adverte: Não reconduzis as ovelhas que se desgarraram, não procurais as que andam perdidas. Hei-de ter mais medo de ti do que d’Ele? Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo.
 
Hei-de reconduzir quem se extravia, hei-de procurar quem anda perdido. Quer queiras quer não, é isso o que farei. E ainda que, ao procurar-te, os espinhos das silvas me rasguem a pele, passarei pelas veredas mais estreitas, saltarei todas as sebes e correrei por toda a parte, enquanto me der forças o Senhor que me faz tremer. Hei-de reconduzir quem se extravia, hei-de procurar quem anda perdido. Se não queres que eu sofra, não te extravies, não andes perdido. E não basta quanto sofro ao ver-te errante e perdido. Muito temo que chegue a matar as ovelhas fortes e sadias, se te abandono a ti. Repara no que se segue: E matais as ovelhas fortes e sadias. Se eu for negligente em procurar o que se extravia e se perde, também o que é forte e sadio sentirá a tentação de se extraviar e perder».



Do Sermão de Santo Agostinho, bispo, sobre os Pastores
(Sermo 46, 14-15: CCL 41, 541-542) (Sec. V)

Como se explica que a culpa original passe para todo homem?


- "Como se explica que a culpa original passe para todo homem?" 
(Guimarães - Altinópolis - SP).

Todo homem experimenta numerosas misérias físicas a acometê-lo: a morte com seus precursores (a doença, a fome, o frio...). Mais importantes ainda são os achaques espirituais: a concupiscência desregrada, a acentuada capacidade de errar na procura da verdade, a debilidade do querer etc. E, fora do homem, o que se verifica? A natureza não raro parece revoltada; em vez de servir ao seu senhor, esmaga-o pelos flagelos (secas e enchentes, terremotos etc.).

1) Será que esta ordem de coisas é ordinária, obra do Autor mesmo da natureza? Bem se poderia crer que não, dado o avultado número de males que afetam as criaturas (até certo grau, as falhas e os desequilíbrios não chamariam a atenção do filósofo, pois são por si inerentes à condição falível de qualquer criatura). Aliás, os povos primitivos ainda hoje existentes costumam, em suas narrativas tradicionais, atribuir a morte e as desgraças a uma violação do bem-estar inicial; os primeiros indivíduos teriam desobedecido a Deus, acarretando sobre si a triste sorte que o gênero humano padece (vejam-se tais narrativas no livro de Estêvão Bettencourt, "Ciência e Fé na História dos Primórdios", Agir, 3ª ed., pp.178-184).

Ora, a fé cristã elucida ulteriormente estas observações: ensina que o primeiro homem, Adão, de fato pecou e que a sua culpa repercutiu em seus descendentes, assim como em toda a natureza material, causando desordem.

O documento mais explícito a este propósito é o texto de São Paulo, Romanos 5,12: o Apóstolo afirma que, por obra de um homem (o primeiro Adão), o pecado (o Pecado personificado, o Pecado enquanto é um estado que afeta o gênero humano inteiro) entrou no mundo. Como sanção do pecado, entrou a morte, a qual também é universal, acometendo a todos indistintamente, "pois que - diz São Paulo - todos pecaram". Ora, já que todos morrem, mas nem todos cometem pecado pessoal (tenham-se em vista as criancinhas), a razão pela qual lhes é imposta tal sanção há de ser o pecado de Adão transmitido a seus descendentes juntamente com a natureza humana.

O Apóstolo reafirma seu pensamento no versículo 19:

- "Como pela desobediência de um só homem (Adão), a multidão (do gênero humano) foi constituída pecadora, assim pela obediência de um só (Cristo) a multidão será justificada".

A ideia de um pecado impregnado na natureza humana desde que esta seja concebida no seio materno, decorre outrossim de Efésios 2,3:

- "Por natureza, éramos filhos da ira".

São Januário (São Gennaro)


Considerado um homem bom, caridoso e zeloso com as coisas da fé, foi eleito Bispo de Benevento, uma cidade situada a setenta quilômetros da sua natalina. Era uma época em os inimigos do Cristianismo submetiam os cristãos a testemunharem sua fé através dos terríveis martírios seguidos de morte. Segundo a tradição Januário foi martirizado na época do Imperador Diocleciano no ano de 304. 

O Bispo Januário foi preso com mais alguns membros do clero, sendo todos julgados e sentenciados à morte num espetáculo público no Circo. Sua execução era mesmo para ser um verdadeiro evento macabro, pois seriam jogados aos leões para que fossem devorados aos olhos do povo chamado para assistir. Porém, as feras tornaram-se mansas e não lhes fizeram mal. O imperador determinou então que fossem todos degolados ali mesmo. 

Segundo antiquíssima tradição, alguns cristãos piedosamente recolheram em ampolas o sangue do Bispo Januário e o guardaram como a preciosa relíquia que viria a ser um dos mais misteriosos e incríveis milagres da Igreja Católica. 

O sangue do mártir é guardado cuidadosamente na catedral de Nápoles. Durante a sua festa, no dia 19 de setembro, todos os anos sua imagem é exposta à imensa população de fiéis. Por várias vezes, nesta ocasião a relíquia do seu sangue se liquefaz, adquirindo de novo a aparência de recém-derramado e a coloração vermelha. Um mistério que só mesmo a fé consegue entender e explicar. 

Por tudo isto, o povo de Nápoles e todos católicos devotam enorme veneração por São Januário. Até a história dessa linda cidade italiana, cravada ao pé da montanha do Vesúvio, se confunde com a devoção dedicada a ele, que os protege das pestes e das erupções do referido vulcão. 



Deus eterno e todo-poderoso, que a vossos pastores associastes São Januário, a quem destes a graça de lutar pela justiça até a morte, concedei-nos, por sua intercessão, suportar por vosso amor as adversidades, e correr ao encontro de vós que sois a nossa vida. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

domingo, 18 de setembro de 2016

O lado bom de não saber


“Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa” (Sócrates).

Uma das coisas mais inteligentes que um homem e uma mulher podem saber é Saber que não sabem. Aliás, só é possível caminhar em direção à excelência se você souber que não sabe algumas coisas. Porque há pessoas que, em vez de ter humildade para saber que não sabem, fingem que sabem. Pior do que não saber é fingir que sabe. Quando você finge que sabe, impede um planejamento adequado, impede uma ação coletiva eficaz. Por isso, a expressão “não sei” é um sinal de absoluta inteligência.

Essa é uma regra básica da vida: quando você está no fundo do poço, a primeira coisa que precisa para sair de lá é parar de cavar. E a pá que continua cavando é, ao não saber, fingir que sei. Fingir para quem? Não existe autoengano. Isso significa que quando alguém diz “não sei”, é um sinal de inteligência. Aliás, a pessoa humilde é capaz de ter dúvida, e isso é motor de mudança. Cuidado com gente que não tem dúvida; Gente que não tem dúvida não é capaz de inovar, de reinventar, não é capaz de fazer de outro modo. Gente que não tem dúvida só é capaz de repetir. Cuidado com gente cheia de certeza. Num mundo de velocidade e mudança, imagine se você ou eu somos cheios de certeza a dificuldade que isso nos carrega. Claro, você não pode ser alguém que só tem dúvida, mas não tê-las é sinal de tolice. “Será que estou fazendo do melhor modo? Da maneira mais correta? Será que estou fazendo aquilo que deve e pode ser feito?”

Só seres que arriscam erram. Não confunda erro com negligência, desatenção e descuido. Ser capaz de arriscar é uma das coisas mais inteligentes para mudar. Você não tem de temer o erro. Tem que temer a negligência, a desatenção e o descuido. Erro é para ser corrigido, não para ser punido. O que se pune é negligência, desatenção e descuido. Quem inventou a lâmpada elétrica de corrente contínua foi Thomas Edison, sabemos. O que nem sempre se tem ideia é que ele fez 1430 experiências antes de chegar à lâmpada que deram errado. Ele inclusive registrou: inventei 1430 modos de não fazer a lâmpada. Porque é muito importante também saber o que não fazer. Ele aprendeu que o fracasso não acontece quando se erra, mas quando se desiste face ao erro.

Nenhum e nenhuma de nós é capaz de fazer tudo certo o tempo todo de todos os modos. Por isso, você só conhece alguém quando sabe que ele erra, e quando ele erra e não desiste. E dizem: ah, é por isso que a gente aprende com os erros? Não, a gente não aprende com os erros. A gente aprende com a correção dos erros. Se a gente aprendesse com os erros, o melhor método pedagógico seria errar bastante. (É bom lembrar que todo cogumelo é comestível. Alguns apenas uma vez). 

Os cristãos enfermos


 
Ao enfermo, diz o Senhor, não fortificastes (Ez 34,4). Diz aos maus pastores, aos pastores falsos, que buscam seu interesse, não o de Jesus Cristo. Aos que se alegram com as dádivas do leite e da lã, mas descuram totalmente as ovelhas e não cuidam das doentes. Parece-me haver diferença entre enfermo e doente – pois costuma-se chamar de enfermos os doentes; enfermo quer dizer não firme, e doente o que se sente mal.  

Na verdade, irmãos, esforçamo-nos de algum modo por distinguir estas coisas, mas talvez com maior aplicação poderíamos nós ou outro mais entendido e com o coração mais cheio de luz discernir melhor. À espera disto, para que não sejais privados em relação às palavras da Escritura, falo o que penso. É de se temer sobrevenha uma tentação ao enfermo que o debilite. O doente, ao contrário, já adoeceu por alguma ambição e por esta ambição se vê impedido de entrar no caminho de Deus, de submeter-se ao jugo de Cristo.  

Observai esses homens que desejam viver bem, já decididos a viver bem. São, no entanto, menos capazes de suportar os males do que fazer o bem. Pertence à firmeza do cristão não apenas fazer o bem, mas também tolerar os males. Aqueles, pois, que parecem ardentes nas boas obras, mas não querem ou não podem suportar as provações iminentes, estes são enfermos. Por outro lado, aqueles que amam o mundo e por qualquer desejo mau se afastam até das obras boas, jazem gravemente doentes, visto que pela doença, sem forças, nada de bom podem realizar. O paralítico era um destes, na alma. Os que o carregavam, não podendo levá-lo até junto do Senhor, descobriram o teto e fizeram-no descer. É isto que terias de fazer: descobrir o teto e colocar junto do Senhor a alma paralítica, com todos os membros frouxos, e vazia de obras boas, curvada sob o peso dos pecados e doente com o mal de sua cobiça. Portanto, se todos os seus membros estão frouxos e há paralisia interior para levá-la ao médico – talvez o médico esteja escondido no teu interior: seria este um sentido oculto nas Escrituras– se queres descobrir-lhe o que está oculto, descobre o teto e faze descer diante dele o paralítico.

A quem assim não procede e desdenha fazê-lo, ouvistes o que lhe dizem: Aos doentes não fortalecestes, ao fraturado não pensastes (Ez 34,4); já explicamos esta passagem. Estava alquebrado pelo terror das provações. Mas surge algo que restaura a fratura, estas palavras de consolo: Fiel é Deus que não permitirá serdes tentados além do que podeis suportar, mas com a tentação vos dará o meio de sair dela para que a possais suportar (1Cor 10,13).


Do Sermão sobre os pastores, de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 46,13:CCL41,539-540)               (Séc.V)

Predestinação e liberdade


- “Afinal: a doutrina católica admite ou não a predestinação? Em que se distinguiria do fato ou do destino a predestinação?” (Pessimista - Rio de Janeiro-RJ).

Abordamos aqui uma das questões mais elevadas da Fé cristã. Para penetrá-la, o estudioso tem que se resolver a não se deixar levar pelo sentimentalismo nem pelo antropocentrismo, mas estritamente pelos dados da Revelação, que é sobrenatural (não, porém, antinatural) e teocêntrica.

A questão da predestinação se prende à do mal. Tenha-se em vista o que aí se diz:

1) A possibilidade de errar é inerente ao conceito mesmo de criatura; 

2) Esta possibilidade se realizou no mundo quando o primeiro homem cometeu livremente o erro ou o mal moral, o pecado; 

3) Os males físicos (misérias e morte) são consequências do pecado; 

4) A culpa dessas desordens recai, em última análise, sobre o livre arbítrio do homem, não sobre Deus; 

5) Deus se apiedou da criatura, tomando a sua sorte na Encarnação e na morte de cruz, a fim de dar valor salvífico ao sofrimento.

Entremos agora no tema da predestinação.

I. Conceito e existência da predestinação

Por predestinação entende-se em Teologia o desígnio, concebido por Deus, de levar a criatura racional (o homem) ao fim sobrenatural, que é a vida eterna. Note-se logo que este desígnio tem por exclusivo objeto a bem-aventurança celeste; não há predestinação para o mal ou o inferno.

A Sagrada Escritura atesta amplamente a existência de tal desígnio no Criador. De um lado, ela ensina que a Boa Notícia da salvação deve ser anunciada a todos os povos (cf. Mateus 28,19) e que Deus quer «sejam salvos todos os homens e cheguem ao conhecimento da verdade» (cf. 1Timóteo 2,4). De outro lado, ela também diz que há homens que se perdem (cf. João 17,12) e que o Senhor exerce uma providência especial para salvar os que não se perdem:

- “Sabemos que, com aqueles que O amam, Deus colabora em tudo para o bem dos mesmos, daqueles que Ele chamou segundo o seu desígnio. Pois, aqueles que de antemão Ele conheceu, Ele também os predestinou a reproduzir a imagem de seu Filho (...) E, aqueles que Ele predestinou, Ele também os chamou (à fé); os que Ele chamou, Ele também os justificou (mediante o batismo); os que Ele justificou, Ele também os glorificou” (Romanos 8,28-30).

Cf. tb.: Efésios 1,3-6; Romanos 9,14; 11,33; Mateus 20,23; 22,14; 24,22-24; João 6,39; 10,28.

Na base destes textos, não resta dúvida entre os teólogos, desde o início do Cristianismo, sobre o fato da predestinação. Vejamos agora um ponto mais árduo, que é:

II. O modo como Deus predestina