A Palavra de Deus, em Mt 14, 13 – 21, mostra-nos Jesus, ao desembarcar
num lugar deserto, viu-se rodeado de uma grande multidão que O procurava. Jesus
“encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes” (Mt 14, 14).
Curou-os por própria iniciativa, porque, levar os doentes para aquele lugar
isolado, deserto, era já uma bela oração e uma forte expressão de fé.
Os Apóstolos ficam preocupados com a multidão que não tem o que comer
naquela região desértica e manifestam essa preocupação a Jesus. Eram cinco mil
homens, sem contar as mulheres e as crianças; para comer tinham apenas cinco
pães e dois peixes.
Cinco mil homens! Cinco mil homens! E Jesus tem a audácia de pronunciar
aos seus discípulos as seguintes palavras: “Dai-lhe vós mesmo de comer”. Não
eram “caritas”, nem uma ONG, tampouco eram os vicentinos, muito menos uma
filantropia organizada. Eram somente doze homens que seguiam a Jesus e que
compartiam aquilo que conseguiam entre todos. Como alimentar a cinco mil, isso
sem contar as mulheres e as crianças? Gente demais!
Grande desafio à fé pessoal daqueles homens! Trata-se de um dos
impossíveis de Deus, não porque seja impossível para Deus, mas porque nós os
vemos como coisas que superam as nossas capacidades. O mesmo se diga se o
Senhor nos ordenasse a transladar montanhas, a andar sobre as águas, a expulsar
legiões de demônios, a ressuscitar mortos.
Essas coisas são verdadeiramente grandes aos nossos olhos. Mas também é
verdade que com certa frequência nos sentimos desafiados por coisas bem
menores. Quando Deus nos pede que façamos todos os dias um momento de oração na
mesma hora, quando nos mostra que deveríamos fazer alguma penitência ou
mortificação, quando insinua que devemos ir ao encontro de alguém e falar-lhe
claramente que isso ou aquilo não está bem e que deveria mudar tal conduta,
quando nos anima a convidar a um amigo a participar de alguma atividade na
paróquia, quando… Esses são desafios que às vezes podem custar muito, ainda que
sejam pequenos e possíveis aos nossos olhos. Há outros ainda: despertar-se na
hora certa todos os dias, ler a Bíblia diariamente (ainda que sejam somente 5
minutinhos), ir a Missa todos os domingos e festas (sem faltar). Há outros?
Poderíamos continuar enumerando-os, mas já é suficiente.
Em toda essa epopeia cotidiana o mais importante é que percebamos duas
coisas: 1ª) é Jesus quem nos pede, 2ª) podemos oferecer com simplicidade aquilo
que temos, ainda que sejam tão somente cinco pães e dois peixes.
Quando Jesus nos pede algo é preciso confiar que ele nos dará todas as
graças, todo o auxílio e a força necessária para levarmos a bom termo aquilo
que ele nos pede. Com outras palavras: se Deus nos pede alguma coisa é porque é
a sua vontade e, portanto, o primeiro interessado em que isso aconteça é o
mesmo Deus. Confiemos! Saber que estamos procurando fazer a vontade de Deus em
cada momento deve encher-nos de paz e tranquilidade. Conta-se de Santa Bakhita,
aquela escrava no Sudão que se tornou religiosa, que ao receber a visita de um
Prelado, este lhe perguntou: “e o que a senhora faz, irmã?” Respondeu-lhe ela:
“o mesmo que vós, excelência.” O bispo, intrigado, perguntou; “o mesmo que
eu?”. A religiosa respondeu: “sim, o mesmo que vós: cumprir a vontade de Deus.”
Não importa onde estejamos, aí mesmo, nesse lugar concreto, Deus pede que
façamos a sua vontade com uma confiança total nele.
Mais concretamente, podemos e devemos colocar à disposição dos projetos
de Deus para este mundo os cinco pães e dois peixes que temos, a começar pelos
nossos cinco sentidos funcionando sob o impulso das faculdades superiores:
inteligência e vontade. A visão, o tato, o paladar, a audição e o olfato (cinco
pães) quando governados e auxiliados pela inteligência e a vontade (dois
peixes) são “matéria” para que Deus realize verdadeiras obras da graça, algumas
das quais só saberemos na eternidade. O importante é andar pelo mundo fazendo o
bem. Fazendo o que está da nossa parte nem nos preocuparemos muito pelas
estadísticas, teremos como único empenho realizar aquilo que Deus nos pede a
cada momento.
Depois de mandar que se sentassem na relva, Jesus, tomando os cinco pães
e os dois peixes, levantando os olhos ao Céu, pronunciou a bênção e, partindo
os pães os deu aos discípulos e os discípulos às multidões. Todos comeram até
ficarem saciados. O Senhor cuida dos seus, dos que O seguem! Então, Jesus realiza
um gesto que faz pensar no Sacramento da Eucaristia: “Elevando os olhos ao Céu,
abençoou-os. Partindo em seguida os pães, deu-os aos seus discípulos, que os
distribuíram ao povo” ( Mt 14,19 ). O milagre consiste na partilha fraterna de
poucos pães que, confiados ao poder de Deus, não só são suficientes para todos,
mas chegam a sobrar, a ponto de encher doze cestos. O Senhor pede aos
discípulos que distribuam o pão à multidão; deste modo, orienta-os e prepara-os
para a futura missão apostólica: com efeito, deverão levar a todos a
alimentação da Palavra de Vida e do Sacramento.
O relato do Milagre começa com as mesmas palavras e descreve os mesmos
gestos com que os Evangelhos e São Paulo nos transmitem a instituição da
Eucaristia (Mt 26, 26; Mc 14, 22; Lc 22, 19; 1Cor 11, 25). Esse milagre, além
de ser uma manifestação da misericórdia divina de Jesus para com os
necessitados, era figura da Sagrada Eucaristia, da qual o Senhor falaria pouco
depois, na sinagoga de Cafarnaum (Jo 6, 26 – 59). Assim o interpretaram muitos
padres da Igreja. Cristo está atento às necessidades materiais, mas deseja dar
ulteriormente, porque o homem tem sempre “fome de algo mais, precisa de algo
mais. No Pão de Cristo está presente o Amor de Deus; no encontro com Ele, nós
alimentamo-nos, por assim dizer, do próprio Deus vivo, e comemos
verdadeiramente do Pão do Céu” ( Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré, 2007 ).
O milagre daquela tarde junto do lago manifestou o poder e o amor de
Jesus pelos homens. Poder e amor que hão de possibilitar também, ao longo da
história, que o Corpo de Cristo seja encontrado, sob as espécies sacramentais,
pelas multidões dos fiéis que O procurarão famintas e necessitadas de consolo.
Como diz São Tomás de Aquino: “… tomam-no um, tomam-no mil, tomam-no este ou
aquele, mas não se esgota quando O tomam…”.
Ver cristãmente, dar-nos conta de que o mundo necessita dessa visão que
nós podemos oferecer – visão cristã das coisas – e oferecê-la através dos
distintos meios é fazer a vontade a Deus. Viver a temperança, a sobriedade,
aprender a saborear as coisas de Deus são realidades que manifestam que o tato
e o paladar estão postos ao serviço do Reino de Deus. A nossa vida
elegantemente sóbria dará uma imagem cada vez mais perfeita do que significa
ser “uma pessoa que faz a vontade de Deus”. O bom gosto, o ouvido afinado, a
percepção tanto daquilo que cheira bem espiritualmente quanto daquilo que fede
expressarão que conservamos em bom estado tanto a audição quanto o olfato.
Acreditemos: temos muito que contribuir para que aconteçam verdadeiros
prodígios. Basta que ponhamos todo o nosso entendimento, o nosso engenho e as
melhores energias da nossa vontade em encontrar as melhores maneiras de fazer
aquilo que rezamos no Pai-nosso: “seja feita a vossa vontade”.