A partir da canonização de São José de Anchieta, veio mais uma vez à tona a discussão sobre os possíveis danos à cultura indígena provocados pela evangelização. Os defensores dessa tese cultivam a ideia romântica de que os índios seriam uma espécie de “povo intocável”, que não pode entrar em contato com outras culturas e nem ser influenciado por elas, para não se corromper.
Deem só uma olhada no nível dos twits sobre o tema:
Como piada esses comentários até que são úteis (confesso que ri do “espirro tuberculoso”), mas a pretensão de conhecimento de causa desse povinho faz tudo isso ser digno de lástima, assim como a matéria infame que saiu na “Carta Capital”. Eita mainha, quanta opinião ordináaaaaaria!
Ora, as interações culturais entre os povos são comuns em toda a parte. Nessa dinâmica, são absorvidas coisas boas e ruins, mas nenhum povo jamais achou bacana fechar-se numa bolha, de modo a isolar-se do resto do mundo para manter seus costumes eternamente imutáveis. Porém, o mito do bom selvagem, que ganhou força com Rousseau, difundiu entre os ocidentais a ideia de que os índios são ingênuos, puros e vivem em perfeita harmonia, e o contato com a civilização só pode lhes degenerar.
Basta um leve esforço de estudo para descobrir que a história é bem diferente. Canibalismo e guerras entre tribos eram muito comuns, já bem antes de os homens brancos chegarem por essas bandas (Hans Staden que o diga). E muitos índios resolveram abandonar a vida nas aldeias e adotar nomes de brancos, por livre e espontânea vontade, como descreve muito bem o “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” (saiba mais aqui).
Na verdade, nem precisa estudar história para saber que muitos índios desejam absorver a cultura dos brancos; é só olhar as notícias nos jornais. Cada vez mais indígenas cursam escolas e faculdades, têm acesso à internet, buscam assistência médica, jogam futebol, são usuários de telefonia celular e desejam morar em casas com TV e água quente no chuveiro. Ironicamente, quem zela por manter o povo indígena eternamente dependente do cuidado dos brancos e petrificado no tempo das cavernas são os brancos, não os índios.
Nos Estados Unidos, a coisa é bem diferente. Os índios mantêm muitos dos costumes de seus ancestrais, mas estão perfeitamente integrados à sociedade americana. Não são coitadinhos, não precisam que o Estado lhes sirva de babá nem que representantes de ONGs lhes prestem favores ou briguem pro seus direitos. Eles são independentes e, a seu modo, bem-sucedidos (saiba mais aqui).
“Esta ideia de que o guarani tem que ser o mesmo guarani de 1500 é absurda, na medida em que a gente pensa que a gente também não é igual aos nossos avós. Então porque esperar que os guaranis sejam iguais e seus antepassados?” - Letícia Bauer. Diretora do Museu das Missões (São Miguel das Missões-RS)
Voltando à questão histórica. A colonização das Américas e, portanto, o intenso contato entre índios e brancos era inevitável. A cultura indígena sofreria influências dos brancos e também os influenciaria, com ou sem a ação dos jesuítas. Porém, sem os jesuítas, o número de índios mortos e escravizados teria sido imensamente superior.
Os bandeirantes, inicialmente, acharam vantagem em atacar as missões, onde os índios se encontravam reunidos e pacificados. Mas os padres reagiram, não só conseguindo que Portugal reafirmasse com maior vigor a proibição da escravização de índios, como também metendo bala em sujeito folgado. Em 1638, o Padre Montoya foi a Madri, onde conseguiu a autorização do rei para que os índios se defendessem com armas de fogo. E, nas guerras guaraníticas, os jesuítas pegaram em armas para defender os índios contra o poder colonial português e espanhol, provando com sangue seu amor pelo povo indígena (duvido que você tenha aprendido isso na escola).
“O Brasil dos jesuítas era um Brasil onde os indígenas tinham um poder muito grande em comparação com o poder que têm hoje. Onde o idioma dos índios era falado pelas pessoas no cotidiano". - Edgar Leite Castro, professor de história da Uerj
Mas, bem pior do que os não-católicos desinformados acusando a Igreja de destruir a cultura indígena, são os próprios católicos apoiando a ideia herética de que os índios são tão perfeitos que não precisam ser evangelizados. Entretanto, a palavra de Cristo não poderia ser mais clara: "Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo." (Mt 28,19). TODAS AS NAÇÕES, certo? Isso não parece deixar de lado as nações indígenas.