Entrevista com o bispo de Luxor, no Egito: líderes muçulmanos querem obrigar os cristãos a se converter ao islã, sob pena de expulsão do país ou morte |
No Cairo (Egito), em 25 de agosto, foram realizadas as audiências do julgamento dos três líderes da Irmandade Muçulmana, acusados de incitação ao assassinato, e do ex-presidente Hosni Mubarak, libertado com acusações três dias antes e de volta ao banco dos réus para responder às acusações de cumplicidade pela morte de mais de 800 manifestantes durante os protestos de 2011.
Os infortúnios judiciais destes dois velhos inimigos são um sinal de que a luta pela alma da nação passou do campo político ao das prisões e tribunais para onde vão os opositores.
Nas várias guinadas políticas do Egito, a comunidade cristã foi quem pagou o maior preço de sangue. Segundo afirma nesta entrevista Dom Joannes Zakaria, bispo copta-católico de Luxor, os cristãos são muitas vezes alvo de ataques, ora porque são vistos pelos extremistas islâmicos como um perigo para o islã, ora porque são um obstáculo para o plano de islamização dos países do Oriente Médio.
Os cristãos são sempre os primeiros a ser marginalizados e perseguidos. Isso acontece no Egito, Síria, Iraque etc. Por quê?
Acho que são muitos os motivos da marginalização e da perseguição dos cristãos no Oriente Médio. Estes são alguns dos principais:
Em primeiro lugar, em toda a história da Igreja, do século I até hoje, e não só no Oriente Médio, eles foram marginalizados e perseguidos por ser fiéis às suas crenças. Os motivos desta perseguição estão na luta entre o bem e o mal, e no ódio do mundo pela espiritualidade transcendente da doutrina cristã.
Por isso, os muçulmanos se surpreendem com a vida dos cristãos orientais, e observam com simpatia sua simplicidade espiritual, a prática do amor e do perdão em seu comportamento, e sua maneira de viver e agir segundo o Evangelho.
O confronto entre a espiritualidade e a moral cristã e a islâmica, e a vida ideal dos cristãos, faz que os extremistas islâmicos os considerem como um desafio e um perigo para a presença do islã. Têm medo de que alguns muçulmanos se convertam ao cristianismo. E, como pensam que a melhor maneira de defender-se é atacar, eles atacam os cristãos, sua igreja e sua religião.
Em segundo lugar, os cristãos do Oriente Médio conservaram sua fé e suas tradições durante 21 séculos, apesar das ferozes perseguições que sofreram durante a sua história. Muitos deles rejeitaram a conversão forçada ao islã e, apesar de terem conservado seus idiomas originais, aprenderam o árabe, e alguns deles se especializaram nesta língua.
Atualmente, vemos que a maioria dos cristãos do Oriente Médio é bastante culta e instruída, e pertence a certo nível da sociedade. Isso causa inveja e ódio, e gera um conflito entre eles e os extremistas.
Em terceiro lugar, após o êxito da revolução islâmica de Jomeini e a queda do comunismo russo, começou o despertar político islâmico, que pretende restituir o estado islâmico mundial, como ocorria na época dos quatro califas, no início do islã.
Este despertar do islamismo político vê na contínua presença dos cristãos nos países islâmicos um obstáculo para a criação do Estado islâmico mundial. Porque, no âmbito religioso, segundo eles, os cristãos falsificaram seu credo e sua Bíblia, e por isso são considerados infiéis; se quiserem continuar morando nos países islâmicos, devem pagar o tributo, converter-se ao islã (que consideram a única verdadeira religião no mundo) ou deixar o país.
Enquanto isso, no âmbito político e social, infelizmente, muitos seguidores do islã político ignoram que o cristianismo e a Igreja nasceram no Oriente Médio, e que os cristãos orientais são os verdadeiros nativos desses países. Os extremistas islâmicos estão convencidos de que os cristãos orientais são seguidores dos europeus e dos ocidentais e, por isso, são considerados inimigos.
Em quarto lugar, na época da colonização turca, inglesa, francesa e italiana dos países árabes, no início do século passado, as autoridades usaram o sistema da divisão entre as pessoas para poder dominar e governar toda a população. Nos países do Oriente Médio, é fácil dividir os cidadãos no âmbito religioso e nacional.
Depois, este sistema da divisão foi usado e praticado na política de todos os países da região. De fato, os monarcas e governantes dos países do Oriente Médio, para conservar seu poder e seus interesses, ainda usam a política da divisão religiosa entre a maioria muçulmana e a minoria cristã, e a divisão nacional entre as diversas etnias.
O senhor acha que existe um complô para eliminar completamente os cristãos do Oriente Médio?
Alguns líderes islâmicos extremistas querem e trabalham para realizar este plano de esvaziar o Oriente Médio da presença dos cristãos. Mas, antes do plano de esvaziamento, vem o plano de islamização, ou seja, obrigar todos os cristãos do Oriente Médio à conversão ao islã: se não aceitarem, devem abandonar o país ou serão mortos.
Por que o Ocidente não enxerga, ou, de certa forma, fica calado diante do que acontece na Igreja nestas terras?
Infelizmente, os países ocidentais, e muitos outros países do mundo rico, buscam sempre e somente seus interesses. A população pobre, os direitos do homem e sua dignidade, os cristãos e a igreja não têm lugar em seu pensamento e interesse. Os comerciantes e políticos estão mais interessados em não perder uma gota de petróleo, em criar novas guerras e abrir novos conflitos nos países pobres, para abrir novos mercados para a venda de armas.
Nosso mundo atual está sofrendo pelo egoísmo, pelo consumismo e pelo secularismo. A moral, a virtude e a dignidade humana são deixadas de lado e o homem está perdendo sua personalidade. Nosso mundo precisa de pessoas sábias como Gandhi, Martin Luther King e João Paulo II, para ouvir palavras de paz, amor, para ajudá-lo a redescobrir o sentido da humanidade e da fraternidade entre os povos da terra.
Com Mubarak, a situação dos cristãos era melhor que a de hoje? A libertação do ex-rais egípcio terá algum efeito, neste sentido?
Eu vivi na época de Mubarak e, como testemunha, posso dizer que os cristãos do Egito sofriam mais ainda. Mubarak seguia a mesma política de Sadat, e usava uma linha dura contra os cristãos para agradar os muçulmanos; de vez em quando, capturava alguns líderes islâmicos para agradar os cristãos.
Durante o período de Mubarak e de Sadat, muitas vezes foi utilizado o sistema de divisão religiosa entremuçulmanos e cristãos. Para mim, com ou sem Mubarak, é a mesma coisa. Meu sonho é que o Egito se torne um Estado laico, democrático e civilizado.
O senhor poderia explicar um pouco ao Ocidente a situação dos cristãos no Egito e na Síria, e por que estão assim? Em que situação se encontrariam, se a oposição governar a Síria, ou a Irmandade Muçulmana governar o Egito?
Os cristãos do Oriente Médio, particularmente no Iraque, Egito e Síria, sofreram muito, devido aos terroristas e fundamentalistas islâmicos, bem como às próprias autoridades do governo. Nesses países, queimaram suas igrejas, suas casas e seus negócios, mataram famílias inteiras, e muitos se viram obrigados a abandonar seus povoados e seus países.
No Egito, após a amarga experiência durante os regimes de Sadat e Mubarak, os coptas sonham com um Estado laico democrático, e por isso participaram da revolta dos jovens, em 25 de janeiro de 2011. Mas a Irmandade Muçulmana e os salafistas, como estavam bem organizados, roubaram a rebelião dos jovens, ganharam as eleições e se tornaram donos do Egito.
A Irmandade Muçulmana e os salafistas, assim que assumiram o poder do Estado, começaram a realizar seu projeto de islamização do Egito e da criação do Estado islâmico. No começo, prepararam e apresentaram uma Constituição, considerada muito aberta a interpretações islamizadas, e depois colocaram seus fidelíssimos seguidores nos principais cargos estratégicos do Estado.
Durante um ano, em todo o governo de Morsi, o regime da Irmandade Muçulmana e dos salafistas não deu nenhum passo rumo à democratização do Egito. Este governo não enfrentou nenhum dos problemas do povo egípcio, mas ajudou a multiplicar a depressão econômica e social.
Também nesse ano, os coptas sofreram várias formas de marginalização e perseguição, muitas igrejas foram queimadas e muitas pessoas foram assassinadas em vários povoados e aldeias do Egito.
No último dia 30 de junho, os jovens e o movimento de "Tamaruod" voltaram à praça Tahrir para protestar contra o presidente Morsi, a Irmandade Muçulmana e os salafistas, e para pedir a libertação do Egito. Sua primeira petição era criar uma sociedade civil, laica e democrática. Os coptas não hesitaram em seguir este movimento, e saíram às ruas com os jovens, gritando e invocando liberdade, dignidade e paz. Quando os militares apoiaram a petição dos jovens, os coptas deram todo o seu apoio às forças da ordem e ao exército egípcio.
Infelizmente, os políticos ocidentais, que nunca se interessaram pelos sofrimentos nem pela dor dos coptas, sentem falta da Irmandade Muçulmana, e acusam os coptas de apoiar os militares. O verdadeiro motivo da simpatia dos políticos ocidentais pela Irmandade Muçulmana se deve a que estes Irmãos serviam seus interesses políticos e econômicos.
No que diz respeito à Síria, acho que, tendo visto o sofrimento dos cristãos no Iraque, e a dor dos coptas no Egito, os cristãos sírios têm medo de sofrer o mesmo destino, caso os grupos fundamentalistas islâmicos ganhem a guerra contra o regime de Assad.
Eles se encontram em uma situação muito difícil para decidir de que lado ficar. Se apoiarem o regime de Assad, temem a vingança dos grupos fundamentalistas islâmicos; e se apoiarem tais grupos, temem a vingança do regime de Assad. A linha política dos grupos fundamentalistas islâmicos, se ganharem, será muito dura com relação aoscristãos na Síria, e estes pobres cristãos terão um futuro difícil e complicado.
Uma última palavra: os cristãos do Oriente Médio sofreram muito no decorrer da sua longa história. Chegou a hora de realizar a esperança e o sonho de criar nos países do Oriente Médio uma sociedade civil democrática e laica, na qual muçulmanos e cristãos possam viver em liberdade e gozar de verdadeira paz.
Agora, cabe aos homens de boa vontade, particularmente aos políticos ocidentais, ajudar a realizar isso, e a não criar novos conflitos religiosos e nacionais.
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Fonte: Aleteia