Estamos para terminar o Ano da Fé, convocado por Bento XVI e confirmado pelo Papa Francisco, no qual foram assumidas muitas iniciativas em vista de um aprofundamento das verdades que sustentam a vida cristã. Muitas pessoas aprenderam de novo a profissão de fé chamada “niceno-constantinopolitana” que, ao lado do “Símbolo dos Apóstolos” expressa, de forma resumida e precisa, o que nós cristãos acreditamos.
A fé é dom recebido e oferecido, a modo de testemunho e anúncio, a todas as gerações da humanidade, a partir do acontecimento que é Nosso Senhor Jesus Cristo, reconhecido por todos os cristãos como Senhor e Salvador. Sabemos que o Espírito Santo espalha sementes do Verbo de Deus em todos os recantos da humanidade, fazendo com que o anseio pela verdade se encontre no coração dos homens e mulheres de todos os tempos. Entretanto, seríamos os cristãos dignos de dó se não existisse a convicção profunda a respeito do que acreditamos. É inclusive condição indispensável para dialogar com quem pensa diferente de nós o conhecimento e a certeza da fé, com a qual nos dignificamos e somos valorizados. Não oferecemos a fé cristã numa espécie de supermercado de ofertas consideradas “iguaizinhas”, mas a professamos com dignidade, dando testemunho, vivendo com coerência e oferecendo aos outros o anúncio da Boa Nova do Evangelho.
Desde o Antigo Testamento e passando por toda a história da Igreja, há homens e mulheres cuja coerência nos edifica e sustenta: “Com tamanha nuvem de testemunhas em torno de nós, deixemos de lado tudo o que nos atrapalha e o pecado que nos envolve. Corramos com perseverança na competição que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição”(Hb 12,1-2). A conhecida saga dos Macabeus, em tempo de perseguição acirrada, é um dos significativos exemplos. Assim descreve a Escritura: “Sobremaneira admirável e digna de abençoada memória foi a mãe, a qual, vendo morrer seus sete filhos no espaço de um dia, soube portar-se animosamente por causa da esperança que tinha no Senhor. A cada um deles exortava na língua dos seus antepassados, cheia de coragem e animando com força viril a sua ternura feminina. E dizia-lhes: ‘Não sei como viestes a aparecer no meu ventre, nem fui eu quem vos deu o espírito e a vida. Também não fui eu quem deu forma aos membros de cada um de vós. Por isso, o Criador do mundo, que formou o ser humano no seu nascimento e dá origem a todas as coisas, ele, na sua misericórdia, vos restituirá o espírito e a vida. E isto porque, agora, vos sacrificais a vós mesmos, por amor às suas leis’” (Cf. 2 Mac 7, 1-14). E os filhos, quase como em refrão, proclamavam a certeza da ressurreição para a vida eterna, que é dada por Deus!
Jesus, numa discussão com os saduceus, acentua a verdade da Ressurreição dos mortos e a certeza de que Deus é Deus dos vivos (Lc 20, 27-38). E chegamos a um dos pontos cruciais de nossa fé cristã, diante de convicções tantas vezes diferentes com as quais convivemos no dia a dia, a fé na ressurreição dos mortos e na vida eterna. Reafirme-se o respeito às pessoas que pensam de outra forma, mas não é possível, para nós cristãos, omitirmos as razões de nossa esperança.
Acreditamos em Deus, que nos dá uma vida só, a ser entregue em suas mãos, quando terminar o curso de nossa aventura terrena, pois “está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento” (Hb 9, 27). Quem nos salva e nos introduz na vida eterna não são eventuais e sucessivos retornos a esta terra, mas os méritos de Jesus Cristo, Senhor, Salvador e Redentor. Diante dele, cada pessoa se torna responsável pelos seus atos, abrindo-se ao seu amor misericordioso, para poder proclamar com toda certeza: “Pois eu sei que meu redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó; e, depois que tiverem arrancado esta minha pele, em minha carne, verei a Deus. Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão, e não a um estranho” (Jó 19, 25-27).
Consequência de nossa fé na ressurreição da carne será uma grande responsabilidade do cristão diante da vida e pelos seus próprios atos. Não é possível jogar nas mãos dos outros a própria existência. Seremos, sim, irmãos e irmãs, solidários uns com os outros, mas chegará o momento de nossa páscoa pessoal em que, como uma pessoa sozinha no deserto, nua diante do Senhor, encontraremos, na maravilhosa experiência do amor misericordioso, fogo que purga como ao ouro e à prata no cadinho, a verdade definitiva, que se chama salvação eterna! Poderemos dizer nosso sim definitivo a Deus, consequência de nossas escolhas cotidianas.
Homens e mulheres que assim acreditam se tornam semeadores de esperança. Não proclamam condenação diante de quem quer que seja, mas anunciam perdão e vida. Em nome de tais certezas, vão em busca de todos. Recolhem em cada recanto do mundo as pessoas que sofrem, fazendo brilhar diante delas o amor que abre novas estradas. Acreditar na ressurreição da carne faz ainda valorizar a própria vida, a saúde do corpo que é feito templo do Espírito Santo. E diante da vida dos outros, trata-se de admirar o verdadeiro santuário em que Deus quer habitar.
Quem assim acredita acolhe exigências fortes e salutares, como as que se encontram no Livro da Sabedoria (Sb 1, 12-15): “Não procureis a morte com uma vida desregrada, e não provoqueis a ruína com as obras de vossas mãos. Pois Deus não fez a morte, nem se alegra com a perdição dos vivos. Ele criou todas as coisas para existirem, e as criaturas do orbe terrestre são saudáveis: nelas não há nenhum veneno mortal, e não é o mundo dos mortos que reina sobre a terra, pois a justiça é imortal”.
Quem assim professa a fé supera o círculo vicioso de certo eterno retorno! Sim, Deus pode ser e é original. A prova está em cada um de nós! Um dito jocoso afirma com verdade que Deus “jogou a forma fora” quando criou cada homem e cada mulher. E de surpresa em surpresa descobriremos a maravilha que é cada pessoa, destinada à felicidade eterna, pois ele não fez ninguém para a perdição. Todos, sem exceção, são candidatos à felicidade nesta terra e na eternidade, o que não nos permite passar em vão perto das pessoas, mas olhar ao nosso redor para oferecer o que estiver ao nosso alcance, em vista da realização, dignidade e salvação, a partir dos mais pobres e dos pequenos.
Quem assim acredita na vida eterna e na ressurreição da carne encontra desde já o sentido e o rumo de sua existência! Amém!
Dom Alberto Taveira Corrêa,
arcebispo de Belém do Pará