Miqueias,
termo hebraico que pode ser traduzido por “quem como Javé?”, uma espécie de
aclamação litúrgica, nasceu em Morasti – aldeia situada no interior de Judá,
perto da cidade de Gat, a cerca de 30 km a sudoeste da capital Jerusalém –, em
meio à realidade conflitiva e sofrida dos camponeses, vítimas dos grandes
proprietários de terra e do exército.
Ao
abrirmos o livro do profeta Miqueias, deparamo-nos com fortes denúncias e
julgamentos severos contra as autoridades do seu tempo. À luz de seu sofrimento
e de sua mística, o profeta acredita que Javé, o Deus da vida, não compactua
com a realidade de injustiça. No século VIII a.C., Judá passou por momentos
muito difíceis, como guerras constantes, expropriação de produtos e de terras
dos camponeses, recrutamento para os exércitos e para as obras públicas.
A
situação em que vivemos não mudou muito. Os conflitos em torno da posse da
terra continuam e muitas pessoas são assassinadas por defenderem o direito à
terra. Enfrentamos altas tributações no campo e na cidade, e as autoridades
políticas defendem seus próprios interesses. Cresce o desemprego e a violência,
o que faz o medo e a insegurança se tornarem parte do nosso cotidiano. Impera a
lógica do “salve-se quem puder”. Com os pés fincados no século VIII a.C. e em
nossa realidade, queremos reler a profecia de Miqueias, buscando luzes para
iluminar a nossa pastoral.
Como
porta-voz da população camponesa, esmagada pelo sofrimento, Miqueias grita:
Escutem
bem, chefes de Jacó, governantes da casa de Israel! Por acaso, não é obrigação
de vocês conhecer o direito? Inimigos do bem e amantes do mal, vocês arrancam a
pele das pessoas e a carne de seus ossos. Vocês são gente que devora a carne do
meu povo e arranca suas peles; quebra seus ossos e os faz em pedaços, como um
cozido no caldeirão. Depois, vocês gritarão a Javé, mas ele não responderá.
Nesse tempo, ele esconderá o rosto, por causa da maldade que vocês praticaram
(Mq 3,1-4).[1]
Podemos
ouvir a voz do profeta nos capítulos 1-3, oráculos escritos no fim do século
VIII a.C., período no qual a Palestina era dominada pelo império assírio. Com
base nesses capítulos, é possível enxergar a dura realidade do povo, esmagado
pelos tributos entregues ao império e aos dirigentes de Judá. Além disso, o
povo era explorado pelos fazendeiros, militares e comerciantes, com a sucessiva
perda de seus próprios direitos: família, casa e terra (2,1-11). O profeta
denuncia a absoluta miséria e a opressão de seus irmãos, que carinhosamente
chama de “meu povo” e também “meus ossos”.