terça-feira, 22 de março de 2016

Via-Sacra: 10ª Estação: “Jesus é despido de suas vestes” (S. Mateus 27,33-36).



  
«Não a rasguemos; tiremo-la a sorte, para ver de quem será».

Jesus fica nu. A imagem de Jesus despojado das vestes é rica de ressonâncias bíblicas: leva-nos até à nudez inocente das origens e à vergonha da queda. Na inocência original, a nudez era a veste gloriosa do homem: a sua amizade cristalina e bela com Deus. Com a queda, a harmonia de tal relação rompe-se, a nudez causa vergonha e traz consigo a lembrança dramática daquela perda. Nudez é sinônimo de verdade do ser. Despojado das suas vetes, Jesus tece, a partir da Cruz, o vestido novo da dignidade filial do homem. Aquela túnica sem costuras permanece ali, íntegra, para nós: a veste da sua filiação divina não se rompeu, mas é-nos dada do alto da Cruz.

O Pecado nos despiu de nossa dignidade de filho de Deus, nos deixa envergonhado e tira toda a nossa esperança em Deus e em nós mesmos. Quantas vezes no sentimos assim completamente despidos de nossos direitos e daquilo que é mais precioso ao coração: o amor e a paz. Jesus se despojou de suas vestes para nos dar definitivamente a veste nova de Filhos de Deus, em Cristo somos revestidos do Homem novo.

Repartiram entre si as suas vestes

Jesus é despojado das suas vestes. A roupa confere ao homem a sua posição social; dá-lhe o seu lugar na sociedade, fazer sentir-se alguém. Ser despojado em público significa que Jesus já não é ninguém, nada mais é que um marginalizado, desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos também a expulsão do paraíso: ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume mais uma vez a situação do homem caído. Jesus despojado recorda-nos o fato de que todos nós perdemos a «primeira veste», isto é, o esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres, as suas vestes. Os evangelistas narram isto com palavras tiradas do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há de dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu «conforme as Escrituras». Não se trata aqui de pura coincidência, tudo o que acontece está contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus da perdição dos homens, e cada um destes degraus é, com toda a sua amargura, um passo da redenção: é precisamente assim que Ele traz de volta para casa a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz S. João, o objeto do sorteio era a túnica de Jesus, a qual, «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma alusão à veste do sumo sacerdote, que era «tecida como um todo», sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente o verdadeiro sumo sacerdote.

Senhor Jesus, fostes despojado das vossas vestes, exposto à desonra, expulso da sociedade. Assumistes sobre Vós a desonra de Adão, sanando-a. Assumistes os sofrimentos e as necessidades dos pobres, daqueles que são expulsos do mundo. Deste modo é que realizais a palavra dos profetas. É precisamente assim que dais significado àquilo que não tem significado. Assim mesmo nos dais a conhecer que nas mãos do vosso Pai estais Vós, nós e o mundo.  Concedei-nos um respeito profundo pelo homem em todas as fases da sua existência e em todas as situações onde o encontrarmos. Dai-nos a veste luminosa da vossa graça.

Ao chegar o Senhor ao Calvário, dão-Lhe de beber um pouco de vinho misturado com fel, uma espécie de narcótico que diminui um pouco a dor da crucifixão. Mas Jesus, tendo provado para agradecer esse piedoso obséquio, não quis beber (cfr. Mt XXVII, 34). Entrega-se à morte com a plena liberdade do Amor.

Depois, os soldados despojam Cristo das Suas vestes.

Da planta dos pés à cabeça, não há n'Ele nada são. Feridas, inchaços, chagas apodrecidas, não curadas, nem ligadas, nem suavizadas com óleo (Is I, 6).

Os verdugos tomam as Suas vestes e dividem-nas em quatro partes. Mas a túnica é sem costura, pelo que dizem:

- Não a rasguemos; deitemos antes sortes para ver de quem será (Jo XIX, 24).

Deste modo se voltou a cumprir a Escritura: repartiram entre si as Minhas vestes e deitaram sortes sobre a Minha túnica (SI XXI, 19).

É o espólio, o despojo, a pobreza mais absoluta. Nada ficou ao Senhor a não ser um madeiro.

Para chegar a Deus, Cristo é o caminho; mas Cristo está na Cruz, e, para subir à Cruz, é preciso ter o coração livre, desprendido das coisas da terra. 

Do pretório ao Calvário, choveram sobre Jesus os insultos da plebe enlouquecida...

O rigor dos soldados, as troças do sinédrio... Escárnios e blasfémias... Nem uma queixa, nem uma palavra de protesto. Tão pouco quando, sem contemplações, arrancam da Sua pele as vestes.

Aqui vejo a minha insensatez em desculpar-me e em tantas palavras vãs. Propósito firme: trabalhar e sofrer pelo meu Senhor, em silêncio.

O corpo chagado de Jesus é um autêntico retábulo de dores...

Por contraste, vêm à memória tanto comodismo, tanto capricho, tanta negligência, tanta mesquinhez... E essa falsa compaixão com que trato a minha carne.

Senhor!, pela Tua Paixão e pela Tua Cruz, dá-me forças para viver a mortificação dos sentidos e arrancar tudo o que me afaste de Ti.

A ti, que desmoralizas, repetir-te-ei uma coisa muito consoladora

A quem faz o que pode, Deus não lhe nega a Sua graça. Nosso Senhor é Pai, e se um filho lhe diz na quietude do seu coração: Meu Pai do Céu, aqui estou, ajuda-me... Se recorre à Mãe de Deus, que é Mãe nossa, vai para a frente.

Mas Deus é exigente. Pede amor de verdade; não quer traidores. É preciso ser fiel a essa luta sobrenatural, que é ser feliz na terra à força de sacrifício.

Os verdadeiros obstáculos que te separam de Cristo - a soberba, a sensualidade... - superam-se com oração e penitência.

E rezar e mortificar-se é também ocupar-se dos outros e esquecer-se de si próprio. Se viveres assim, verás como a maior parte dos contratempos que tens, desaparecem.

Quando lutamos por ser verdadeiramente ipse Christus, o próprio Cristo, então o humano e o divino entrelaçam-se na nossa vida.

Todos os nossos esforços - mesmo os mais insignificantes - adquirem um alcance eterno, porque vão unidos ao sacrifício de Jesus na Cruz.


Oh! meu Bom Jesus, pelo mérito da Vossa Dolorosa Paixão quando Vos despiram publicamente e pelos merecimentos de Vossa Mãe Santíssima e das almas reparadoras, peço-Vos a conversão dos pecadores, a salvação dos moribundos e o alívio das Almas do Purgatório.

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