A SÓBRIA EMBRIAGUEZ DO ESPÍRITO
1. Dois tipos de embriaguez
Na segunda-feira depois de Pentecostes de 1975, no encerramento
do Primeiro Congresso Mundial da Renovação Carismática Católica, o Beato Paulo
VI dirigiu, aos dez mil participantes reunidos na Basílica de São Pedro, umas
palavras, na quais definiu a Renovação Carismática como "uma oportunidade
para a Igreja". Após ter lido o seu discurso oficial, o Papa acrescentou,
improvisando, estas palavras:
"No
hino que lemos esta manhã no breviário e que remonta a Santo Ambrosio, no
século IV, há esta frase difícil de traduzir, embora muito simples: Laeti, que
significa com alegria; bibamus, que significa bebamos; sobriam, que significa
bem definida e moderada; profusionem Spiritus, ou seja a abundância do
Espírito. ‘Laeti bibamus sobriam profusionem Spiritus’. Poderia ser o lema
impresso em seu movimento: um programa e um reconhecimento do próprio
movimento".
O mais importante, que deve ser notado de imediato, é que essas
palavras do hino certamente não foram escritas originalmente para a Renovação
Carismática. Elas sempre fizeram parte, sempre, da Liturgia das Horas da Igreja
universal; são, portanto, uma exortação dirigida a todos os cristãos e, como
tal, eu gostaria de apresentá-las de novo, nestas meditações dedicadas à
presença do Espírito Santo na vida da Igreja.
De fato, no texto original de Santo Ambrósio, no lugar de
"profusionem Spiritus", abundância do Espírito, há "ebrietatem
Spiritus, ou seja, a embriaguez do Espírito[1]. A tradição, mais tarde, tinha
considerado esta última expressão demasiado ousada e a havia substituído por
uma mais branda e aceitável. No entanto, desta forma, perdia-se o sentido de uma
metáfora tão antiga quanto o próprio cristianismo. Precisamente por isso, na
tradução italiana do Breviário, retomou-se o texto original do verso
Ambrosiano. Uma estrofe do hino das Laudes da Quarta Semana do saltério, em
língua italiana, de fato, diz:
Seja Cristo o nosso alimento,
seja Cristo a água viva:
nele provamos sóbrios
a embriaguez do Espírito.
O que levou os padres a retomar o tema da “sóbria embriaguez”,
já desenvolvido por Filon de Alexandria[2], foi o texto no qual o Apóstolo
exorta os cristãos de Éfeso, dizendo:
"E
não vos embriagueis com vinho, que é porta para a devassidão, mas buscai a plenitude
do Espírito. Falai uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais,
cantando e louvando ao Senhor em vosso coração” (Ef 5,18-19).
A partir de Orígenes, são incontáveis os textos dos Padres que
ilustram este tema, ora utilizando a analogia, ora o contraste entre embriaguez
material e embriaguez espiritual. A analogia consiste no fato de que os dois
tipos de embriaguez infundem alegria, fazem esquecer as preocupações e fazem
sair de si mesmos. O contraste consiste no fato de que enquanto a embriaguez
material (de álcool, de drogas, de sexo, de sucesso) causa instabilidade e
insegurança, aquela espiritual causa estabilidade no bem; a primeira faz sair
de si mesmos para viver além do próprio nível racional, a segunda faz sair de
si mesmos, mas para viver além da própria razão. Para ambas usa-se a palavra
“êxtase” (o nome dado recentemente a uma droga mortal!), Mas um é um êxtase
para baixo, o outro um êxtase para o alto.
Aqueles que pensaram no dia de Pentecostes que os Apóstolos
estavam embriagados tinham razão, escreve São Cirilo de Jerusalém; o único erro
deles foi atribuir a causa da embriaguez ao vinho ordinário, enquanto que nesse
caso se tratava do “vinho novo”, espremido da “videira verdadeira” que é
Cristo; os apóstolos estavam, sim, embriagados, mas daquela embriaguez que mata
o pecado e dá vida ao coração[3].
Aproveitando a deixa do episódio da água que jorrou da rocha no
deserto (Ex 17, 1-7), e do comentário sobre isso que faz São Paulo na sua Carta
aos Coríntios ("Todos beberam da mesma bebida espiritual... Todos nós
bebemos de um só Espírito") (1 Cor 10,4; 12,13), o próprio Santo Ambrósio
escrevia:
"O Senhor Jesus fez derramar água da rocha e todos beberam
dela. Aqueles que dessa água beberam na figura, foram saciados; aqueles que
beberam dela na verdade, ficaram até mesmo embriagados. Boa é a embriaguez que
infunde alegria. Boa é a embriaguez que fortalece os passos da mente sóbria...
Beba Cristo que é a videira; beba Cristo que é a rocha da qual jorrou a água;
beba Cristo para beber o seu discurso... A Escritura divina se bebe, a
Escritura divina se devora quando o suco da palavra eterna desce para as veias
da mente e para a energia da alma[4]”.