A verdadeira justiça:
eis o tema que perpassa as leituras deste domingo. Tornamo-nos justos se
seguirmos a Palavra normativa de Deus. Tornar-se justo não consiste em mérito
pessoal, mas do Pai. Deus nos justifica se seguirmos sua vontade!
Este domingo das bem-aventuranças nos recorda que somos
felizes por depositar nossa confiança em Deus e nossa esperança na pessoa de
Jesus.
Na primeira leitura (Jr 17, 5-8), diz o Senhor: “Maldito o
homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana, enquanto o
seu coração se afasta do Senhor; bendito o homem que confia no Senhor, cuja
esperança é o Senhor.” No Evangelho ( Lc 6, 17. 20-26 ): Bem-aventurados vós,
os pobres (….); mas ai de vós ricos.
Sede para mim a rocha do meu refúgio, Senhor: a humildade
pessoal e a confiança em Deus caminham sempre juntas. Só o humilde procura a
sua felicidade e a sua fortaleza no Senhor. Um dos motivos pelos quais os
soberbos andam à cata de louvores e se sentem feridos por qualquer coisa que
possa rebaixá-los na sua própria estima ou na dos outros, é a falta de firmeza
interior; o seu único ponto de apoio e de esperança são eles próprios.
Não é outra a razão por que, com muita frequência, se
mostram tão sensíveis à menor crítica, tão insistentes em sair-se com a sua,
tão desejosos de ser conhecidos, tão ávidos de consideração. Agarram-se a si
próprios como o náufrago se agarra a uma pequena tábua que não pode mantê-lo à
superfície. E seja o que for que tenham conseguido na vida, sempre estão
inseguros, insatisfeitos, sem paz. Um homem assim, sem humildade, que não
confia nesse Deus que, como Pai que é, lhe estende continuamente os braços,
habitará na aridez do deserto, em região salobra e desabitada ( Jr 17,6 ).
O cristão tem toda a sua esperança posta em Deus e, porque
conhece e aceita a sua fraqueza, não se fia muito de si próprio.
A humildade não consiste tanto no desprezo próprio – porque
Deus não nos despreza, somos obra saída das suas mãos –, mas no esquecimento de
nós mesmos e na abertura total para Deus: “Quando pensamos que tudo se afunda
sob os nossos olhos, nada se afunda, porque Tu és, Senhor, a minha fortaleza
(Sl 42, 2 ). Se Deus mora na nossa alma, tudo o resto, por mais importante que
pareça, é acidental, transitório. Em contrapartida, nós, em Deus, somos o
permanente” ( São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, 92 ).
Os maiores obstáculos que o homem encontra para caminhar em
seguimento de Cristo têm a sua origem no amor desordenado de si próprio, que o
leva umas vezes a supervalorizar as suas forças e, outras, a cair no desânimo e
no desalento. É uma atitude permanente de monólogo interior, em que os
interesses próprios se agigantam ou se exorbitam e o eu sai sempre enaltecido.
Quem está cheio de orgulho exagera as suas qualidades,
enquanto fecha os olhos para não ver os seus defeitos, e acaba por considerar
como uma grande qualidade o que na realidade é um desvio do bom critério;
persuade-se, por exemplo, de que tem um espírito magnânimo e generoso porque
faz pouco caso das pequenas obrigações de cada dia, esquecendo que, para ser
fiel no muito, tem de sê-lo no pouco. E por esse caminho chega a julgar-se
superior, rebaixando injustamente as qualidades de outros que o superam em
muitas virtudes.
Na
segunda leitura, Paulo trata da “sabedoria misteriosa de Deus”. Esta somente
os “perfeitos” conhecem. Na linguagem de Paulo, os “perfeitos” são
os amadurecidos na fé. Os maduros na fé, por sua vez, são aqueles que,
alicerçados na Palavra do Senhor, abrem-se ao Espírito Santo para, iluminados
por ele, compreender o Projeto de Salvação do Pai, expresso na cruz de Jesus
Cristo.
No
evangelho, Jesus reinterpreta o Decálogo. Ele apresenta-se como a plenitude da
Lei de Deus. “Não vim abolir a Lei, mas dar pleno cumprimento” (v. 17). Jesus é
a expressão do espírito da lei: ele é a sua hermenêutica! Ser discípulo de
Jesus Cristo consiste em vivenciar o espírito da Palavra normativa do Pai! Sua
Igreja (Povo de Deus), como germe do Reino de Deus, deve ser a hermenêutica dos
mandamentos divinos.