Permitam-me começar este breve artigo
confessando algo surpreendente: não sou católico e nem mesmo cristão. Em
verdade sou um muçulmano secular e ávido leitor de filosofia e história, tendo
um firme compromisso com a verdade sem mitigações, não importa onde ela esteja,
e mais ainda se ela vai contra as crenças comuns.
Passei os últimos recentes anos
pesquisando a história do Cristianismo, especialmente a Igreja Católica durante
o Medievo, e fiquei chocado ao descobrir que praticamente tudo que eu tinha aprendido
sobre o Catolicismo estava errado além de, aparentemente, contaminado por
preconceitos. Contrariando o pensamento da maioria das pessoas no Ocidente e no
Meio Oriente, a Igreja Católica e os Padres da Igreja não suprimiram a ciência,
a razão e o conhecimento. Muito pelo contrário, em muitos casos eles mesmos
encorajaram o avanço no estudo de matérias não religiosas e o desenvolvimento
científico, estimando com generosidade a capacidade de compreensão da razão
humana. Também fiquei pasmo ao descobrir que a “obscura” Idade Média não foi de
modo nenhum um período intelectualmente estéril, nem uma era de profunda
estagnação, superstição ou mesmo perseguição sistemática dos filósofos
naturais. De fato, as universidades – sedes de debates intelectuais cultos num
clima de ampla liberdade de expressão – foram fundadas na Europa durante a
assim chamada Alta Idade Média. Além disso, foram cientistas católicos dos
séculos XII e XIII, comprometidos com sua fé e o método empírico, que lançaram
os fundamentos da Revolução Científica. Torna-se cada vez mais evidente que
esta revolução, iniciada com a publicação dos livros de Copérnico, “Da
Revolução dos Orbes Celestes”, e de André Vesálio, “Da Organização do Corpo
Humano”, não foi uma súbita explosão de criatividade, mas a continuação de uma
marcha de progresso intelectual que já vinha sendo percorrida desde o século
XI. Também é igualmente causa de estupefação a importância que os teólogos e
filósofos católicos medievais atribuíam às capacidades intelectuais humanas, e
seu infatigável trabalho para criar uma síntese entre a fé e a razão. Em poucas
palavras, anos de intense pesquisa me fizeram respeitar e mesmo admirar a
Igreja Católica, muito embora, como já expliquei antes, eu descenda de uma
família árabe secular que me ensinou a investigar todas as questões sem
dogmatismos e a aceitar a verdade mesmo quando incongruente com o credo da
maioria das pessoas.
Tenho grande respeito pelo trabalho dos
monges católicos e seus mosteiros na Idade Média. Suas atividades intelectuais
situam-se entre os capítulos mais luminosos na história da Igreja. Os mosteiros
desempenharam um papel positivo como centros de ensino, aprendizado e cultura,
e eles podem ser descritos de modo bastante exato como “proto-universidades”
(Trombley, 58), transmitindo conhecimentos de gramática, lógica, retórica e,
posteriormente, matemática, música e astronomia, e situando-se “entre as mais
importantes bibliotecas na história do pensamento ocidental” pelos trabalhos de
cópia, transcrição e armazenamento de textos de alto valor (58). Enquanto a
Igreja Católica é constantemente acusada de destruir a cultura clássica ou
greco-romana, o fato é que os mosteiros merecem todo o crédito pela “cuidadosa
preservação dos trabalhos do mundo clássico e dos Padres da Igreja, ambos
centrais para a civilização do Ocidente” (Woods 42).
Por terem emergido em um meio
greco-romano, assimilando em consequência noções filosóficas, tais como as
idéias de logos, sindérese, o conceito de um universo mecânico ordenado
racionalmente por leis estáveis e consistentes, etc, o Cristianismo em geral e
a Igreja Católica em particular não podiam suprimir ou destruir a tradição
clássica, possibilitando um convívio pacífico com a filosofia grega pagã e o
racionalismo – uma realização crucial que o Islam ortodoxo sunita foi incapaz
de emular ao suprimir o pensamento mutazilita (assunto que, decerto, exige um
longo e detalhado estudo).