O ESPÍRITO SANTO NOS INTRODUZ
NO MISTÉRIO DA
DIVINDADE DE CRISTO
1. A fé de Nicéia
Continuamos, nesta meditação, a reflexão sobre o papel do Espírito Santo no
conhecimento de Cristo. A este respeito, não podemos silenciar uma ideia
presente no mundo de hoje. Há muito tempo existe um movimento chamado “Hebreus
messiânicos”, ou seja, Hebreus-cristãos. (“Cristo” e “cristão” são apenas a
tradução grega do hebraico Messias messiânico!). Uma estimativa fala de cerca
de 150 mil membros, divididos em grupos e associações entre eles, espalhados
especialmente nos Estados Unidos, Israel e vários países europeus.
São hebreus que acreditam que Jesus, Yeshua,
é o Messias prometido, o Salvador e o Filho de Deus, mas não querem
absolutamente renunciar de sua identidade e tradição hebraica. Não aderem
oficialmente a nenhuma das Igrejas cristãs tradicionais, porque pretendem
reconectar-se e reviver a Igreja primitiva dos judeu-cristãos, cuja experiência
foi interrompida bruscamente por conhecidos eventos traumáticos.
A Igreja Católica e as outras Igrejas sempre
se abstiveram de promover, ou até mesmo nomear, este movimento por óbvias
razões de diálogo com o hebraísmo oficial. Eu mesmo nunca falei deles. Mas
agora está surgindo a convicção de que não é correto continuar a ignorá-los ou,
pior, pô-los no ostracismo de um lado e do outro. Acaba de surgir na Alemanha
um estudo de vários teólogos sobre o fenômeno 1. Se eu falo nesta sede é por um
motivo específico, pertinente ao tema destas meditações. Em uma pesquisa sobre
os fatores e circunstâncias que estiveram presente na origem da sua fé em
Jesus, mais de 60% das pessoas em causa respondeu: “uma transformação interior
por obra do Espírito Santo”; em segundo lugar é a leitura da Bíblia e em
terceiro os contatos pessoais 2. É uma confirmação da vida que o Espírito Santo
é aquele que dá o verdadeiro e íntimo conhecimento de Cristo.
Retomemos, portanto, o fio das nossas
considerações históricas. Enquanto a fé cristã permaneceu restrita ao âmbito
bíblico e judaico, a proclamação de Jesus como Senhor (“Creio em um só Senhor
Jesus Cristo”), satisfazia todas as exigências da fé cristã e justificava o
culto de Jesus “como Deus”. Senhor, Adonai, era, de fato, para Israel um título
inequívoco; ele pertence somente a Deus. Chamar Jesus Senhor, portanto, é o
mesmo que proclamá-lo Deus. Temos provas irrefutáveis do papel desempenhado
pelo título Kyrios no início da Igreja como expressão de culto divino atribuído
a Cristo. Na sua versão aramaica Maran-atha (O Senhor vem), ou Marana-tha (Vem,
Senhor!), já aparece em São Paulo como fórmula litúrgica (1 Cor 16, 22) e é uma
das poucas palavras preservadas na língua da comunidade primitiva 3.
Mas assim que o cristianismo entrou no mundo
greco-romano ao redor, o título de Senhor, Kyrios, não era suficiente. O mundo
pagão conhecia muitos e diversos “senhores”, em primeiro lugar, é claro, o
imperador romano. Era necessário encontrar uma outra maneira de garantir a
plena fé em Cristo e o seu culto divino. A crise ariana ofereceu uma
oportunidade.
Isso nos leva à segunda parte do artigo sobre Jesus, que foi adicionada ao
símbolo da fé no Concílio de Nicéia, em 325:
“nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial (homoousios)
ao Pai”.
O bispo de Alexandria, Atanásio, indiscutível
paladino da fé de Nicéia, está bem convencido de que não foi ele, nem a Igreja
de seu tempo, que descobriu a divindade de Cristo. Todo o seu trabalho
consistirá, pelo contrário, em mostrar que esta sempre foi a fé da Igreja; que
nova não é a verdade, mas a heresia contrária. A sua convicção sobre este ponto
encontra uma confirmação na carta que Plínio o Jovem, governador da Bitinia,
escreveu ao imperador Traiano por volta do ano 111 d.C. A única informação
confiável que ele diz que tem sobre os cristãos é que “normalmente se reunem
antes do amanhecer, em um dia fixo da semana, e cantam hinos a Cristo como a
Deus” (“Carmenque
Christo quasi Deo dicere 4″).
A crença na divindade de Cristo, portanto, já
existia e é só ignorando completamente a história que alguém poderia afirmar
que a divindade de Cristo é um dogma querido e imposto pelo imperador
Constantino no Concílio de Nicéia. A contribuição dos Padres de Nicéia, e em
particular de Atanásio, foi, antes de mais nada, a de remover os obstáculos que
haviam impedido até então um reconhecimento pleno e sem reticências da
divindade de Cristo nas discussões teológicas.
Um desses obstáculos era o hábito grego de
definir a essência divina com o termo agennetos, ingênito. Como proclamar que o
Verbo é verdadeiro Deus, uma vez que ele é Filho, ou seja, gerado do Pai? Era
fácil para Ario estabelecer a equivalência: gerado, igual feito, ou seja,
passar gennetos a genetos, e concluir com a célebre frase que fez explodir o
caso: “Houve um tempo em que não havia” (en ote ouk en). Isso era equivalente a
fazer de Cristo uma criatura, embora não “como as outras criaturas”. Atanásio
resolve a disputa com uma observação elementar: O termo agenetos foi inventado
pelos gregos porque ainda não conheciam o Filho5″ e defendeu com garra a
expressão “gerado, mas não feito”, genitus non factus, de Nicéia.
Outro obstáculo cultural para o pleno
reconhecimento da divindade de Cristo, no qual Ario podia apoiar a sua tese,
era a doutrina de uma divindade intermediária, o deuteros theos, responsável
pela criação do mundo. De Platão em diante, isso tornou-se um dado comum em
muitos sistemas religiosos e filosóficos da antiguidade. A tentação de
assimilar o Filho, “por meio do qual todas as coisas foram criadas”, a esta
entidade intermediária ficava insinuando-se na especulação cristã (Apologistas,
Orígenes), embora estranha à vida interna da Igreja. O resultado era um esquema
tripartido do ser: no topo, o Pai ingênito; depois dele, o Filho (e mais tarde
também o Espírito Santo); em terceiro lugar, as criaturas.
A definição do “genitus non factus” e do homoousios, remove este obstáculo e
obra a catarse cristã do universo metafísico dos gregos. Com esta definição,
uma única linha de demarcação é desenhada sobre a vertical do ser. Existem
apenas dois modos de ser: o do criador e o das criaturas e o Filho se coloca no
primeiro modo, não no segundo.
Querendo colocar em uma frase o significado
perene da definição de Nicéia, poderíamos formular desta forma: em cada época e
cultura, Cristo deve ser proclamado “Deus”, não em algum significado derivado
ou secundário, mas na acepção mais forte que a palavra “Deus” tem em tal
cultura.
É importante saber o que motiva Atanásio e os
outros teólogos ortodoxos na batalha, ou seja, de onde lhes vêm uma certeza tão
absoluta. Não da especulação, mas da vida; mais precisamente, da reflexão sobre
a experiência que a Igreja, graças à ação do Espírito Santo, faz da salvação em
Cristo Jesus.
O argumento soteriológico não nasce com a
controvérsia ariana; ele está presente em todas as grandes controvérsias
cristológicas antigas, daquela antignóstica àquela antimonotelita. Na sua
formulação clássica soa assim: “O que não é assumido não é salvo” (“Quod non
est assumptum non est sanatum 6”). No uso que lhe dá Atanásio, ele pode ser
entendido da seguinte maneira: “Aquilo que não é assumido por Deus não é
salvo”, onde a força está naquele breve adendo “por Deus”. A salvação exige que
o homem não seja assumido por qualquer intermediário, mas pelo próprio Deus:
“Se o Filho é uma criatura – escreve Atanásio – o homem permaneceria mortal,
não estando unido a Deus”, e ainda: “O homem não seria divinizado, se o Verbo
que se tornou carne não fosse da mesma natureza do Pai 7”.
No entanto, é necessário fazer um
esclarecimento importante. A divindade de Cristo não é um “postulado” prático,
como é, para Kant, a própria existência de Deus8. Não é um postulado, mas a
explicação de um dado de fato. Seria um postulado – e, portanto, uma dedução
teológica humana – se partisse de uma certa ideia de salvação e dessa se
deduzisse a divindade de Cristo como a única capaz de obrar tal salvação; no
entanto, é a explicação de um dado se parte, como faz Atanásio, de uma
experiência de salvação e mostra-se como ela não poderia existir se Cristo não
fosse Deus. Em outras palavras, não é na salvação que se fundamenta a divindade
de Cristo, mas é na divindade de Cristo que se fundamenta a salvação.