Ontem Jesus morreu. Hoje é o dia do “silentium Magnum”, do grande silêncio porque o Rei dorme. Mas o seu dormir não é inatividade: a sua morte e descenso ao lugar dos mortos é a garantia do despertar de todos aqueles justos que estavam à espera do Cristo. Um autor de uma antiga homilia imagina a Jesus encontrando-se com Adão: “O Senhor entrou na região dos mortos com as armas vitoriosas da cruz. Adão, ao ver a Jesus Cristo, assombrado por tão grande acontecimento e dando-se golpes no peito, diz a todos: “o meu Senhor esteja convosco”. Cristo, respondendo, diz a Adão: “e com o teu espírito”. Depois, tomando-o pela mão, o levanta e diz: “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, quem por tua causa fiz-me teu filho; por causa de ti, e por causa daqueles que nasceriam de ti é que eu digo, a todos aqueles que eram escravos, digo-o eu: levantai-vos!”
Sempre há esperança, ainda em meio ao silêncio imposto por forças hostis ao Evangelho: “levantai-vos!”, nos diz o Senhor. Há momentos nos quais também a Igreja parece estar calada. Como no caso do seu Senhor, o silêncio da Igreja não significa inatividade. Ontem fizemos a coleta em favor dos lugares santos. A Terra Santa é um desses lugares onde a Igreja parece estar no sábado santo do grande silêncio. Muitos cristãos viram-se obrigados a emigrar devido ao ambiente de hostilidade que há por lá. Sem dúvida, há situações piores que a de Israel. Mas Cristo passa em meio às dificuldades dos seus seguidores. Ele está presente e está falando às consciências quando tentam calar a voz dos seus discípulos. Nós, ao saber tais noticias, deveríamos sair da tibieza na qual vivemos o nosso discipulado para que o nosso fervor seja uma intercessão poderosa que suba aos céus em favor dos irmãos perseguidos por causa do Nome do Senhor Jesus.
A
Vigília Pascal é a reafirmação comunitária da fé na ressurreição. É a
celebração da vitória da vida sobre a morte. Depois de um dia de silêncio e
meditação sobre a paixão e morte de Jesus, a comunidade cristã exulta de
alegria pela Páscoa da ressurreição do Senhor. A Vigília Pascal baseia-se numa
antiga tradição israelita, conforme se lê no livro do Êxodo: “Esta noite,
durante a qual Iahweh velou para fazer seu povo sair do Egito, deve ser para
todos os israelitas uma vigília para Iahweh, em todas as suas gerações” (Ex
12,42). No evangelho, encontramos o sentido cristão da vigília: “Tende os rins
cingidos e as lâmpadas acesas. Sede semelhantes a pessoas que esperam seu
senhor voltar das núpcias, a fim de lhe abrir, logo que ele vier e bater” (Lc
12,35-36). A liturgia da Palavra, bem como a simbologia desta celebração,
recorda a ação criadora e libertadora de Deus na história humana, culminando
com a ressurreição de Jesus. É o acontecimento central de nossa fé. Quem vive
alicerçado na certeza da ressurreição é nova criatura.
Os
símbolos que fazem parte da celebração da Vigília Pascal são portadores de
sentidos relacionados à vida nova. Os paramentos
brancos anunciam a vitória sobre o mal e a paz que Jesus ressuscitado
nos dá. Apontam para o viver revestido dos mesmos sentimentos de Jesus: “Como
escolhidos de Deus, santos e amados, vistam-se de sentimentos de compaixão,
bondade, humildade, mansidão, paciência…” (Cl 3,12). As vestes brancas
identificam os que são fiéis a Jesus e estão inscritos no livro da vida (Ap
3,4-5).
O fogo purifica,
aquece e ilumina. Na Bíblia, o símbolo do fogo é utilizado para descrever a
identidade e a ação de Deus. Pelo fogo, Deus manifestou-se a Moisés e
revelou-se como libertador do povo escravizado (Ex 3,1-12). De noite, para iluminar
o caminho por onde devia passar o povo rumo à terra prometida, Deus andava à
sua frente, como uma coluna de fogo (Ex 13,21). João Batista anuncia o batismo
de fogo que será realizado pelo Messias (Mt 3,11). Jesus também proclama que
veio trazer fogo à terra e deseja ardentemente que esteja aceso (Lc 12,49). O
Espírito Santo se revela como “línguas de fogo” (At 2,3). O fogo expressa
força, paixão, indignação profética; alastra-se facilmente, como se alastra a
boa notícia da ressurreição.
A luz é
outro símbolo que revela o ser e o agir divinos. Deus separou a luz das trevas;
viu que a luz era muito boa (Gn 1,3-4). Deus é um ser envolto em luz (Sl
104,2); Jesus Cristo é a luz verdadeira que ilumina a humanidade (Jo 1,9), e
quem o segue “não anda nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Ele é o
vencedor das trevas e da morte: nesta noite santa, é representado pelo círio
pascal. Nele acendemos nossas velas, como gesto de compromisso com o seguimento
de Jesus, fonte de vida plena. “Se caminhamos na luz como ele está na luz,
estamos em comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus nos purifica de todo
pecado” (1Jo 1,7).
A água simboliza
a vida, fertiliza a terra, mata a nossa sede, nos limpa… Lembra a imersão
batismal pela qual nos tornamos filhos de Deus. Representa o novo nascimento:
“Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (Jo
3,5). Na celebração eucarística, mistura-se a água (nossa humanidade) com o
vinho (divindade). Do lado aberto de Jesus morto na cruz, traspassado pela
lança, “saiu sangue e água” (Jo 19,34). O círio pascal mergulhado na água é a
íntima união de Cristo com a humanidade. Do interior de quem crê em Jesus morto
e ressuscitado “fluirão rios de água viva” (Jo 7,38).