«Discute-se muito o dever de pagar impostos.
Bons moralistas autorizam a sonegação dos mesmos.
Que há de certo nesses debates?» Jangada (Aparecida).
Os impostos constituem assunto muito melindroso em nossos tempos dando ocasião a que pessoas sensatas proponham sentenças assaz diversas em torno da obrigatoriedade dos mesmos. Isto se entende bem, pois a questão na vida prática se reveste de facetas múltiplas, ricamente matizadas.
Na presente resposta, esforçar-nos-emos por focalizar os grandes princípios a partir dos quais se deverá procurar a solução , dos casos particulares.
Já que dois são os sujeitos interessados na questão dos impostos — o Estado e o cidadão —, compreende-se que o problema apresente dois aspectos principais: «Estado e impostos», «Cidadão e impostos». É a estes dois títulos que vamos agora voltar a nossa atenção, a fim de poder formular algumas conclusões úteis na vida cotidiana.
1. Estado e impostos
1. É fato óbvio que existe, e deve existir, o que se chama «o bem comum». Este consta dos diversos elementos que a sociedade fornece aos seus membros, a fim de que possam exercer os seus legítimos direitos e conseguir o respectivo ideal.
Assim o bem comum compreende, entre outras coisas, ordem e segurança públicas no interior da cidade e do pais (isto só se obtém mediante tropas que defendam a pátria; policia e tribunais que coíbam os malfeitores; corpo de bombeiros...), assistência social para os indigentes, os enfermos, os anciãos (donde hospitais, asilos, orfanatos, creches, lactários...), educação (escolas), cultura (bibliotecas, museus, monumentos de arte), transportes e comunicações (estradas de rodagem, ferrovias, correios, telefones...), serviços de águas e esgotos, serviços de limpeza pública, rede de eletricidade, etc.
Ora esses diversos fatores do bem-estar público não são dados como tais pela natureza, mas têm que ser conquistados pelos esforços e a colaboração dos cidadãos. O órgão coordenador desses esforços é, por definição, o Estado. Sim, às autoridades civis, e somente a estas, compete fixar certos objetivos de interesse comum da sociedade e determinar as partes que cada cidadão ou cada entidade particular deve desenvolver para a consecução dos mesmos. Com efeito, é o Governo que possui as informações e a supervisão necessárias para orientar os esforços dos particulares em demanda do bem comum. Donde se segue que o Estado, na medida em que propugna- os interesses da sociedade, tem o direito de contar com a contribuição de cada cidadão. Esta contribuição há de ser, na sua forma mais óbvia, monetária ou financeira (tributária).
Na antiguidade, a contribuição dos cidadãos para o bem comum era prestada diretamente sob a forma de serviços públicos («leitourgiai», em grego) ou sob a forma de gêneros naturais (gado, trigo, cereais, ...). Hoje em dia, dado o desenvolvimento da técnica e a complexidade dos serviços públicos, é evidentemente mais fácil e manuseável o tributo sob a forma de dinheiro. — É a essa contribuição que se dá o nome de imposto».
Vê-se assim que a cobrança de impostos (ou a cobrança da contribuição de cada cidadão para o bem comum) é direito e dever do Estado. Se não tivessem esse direito, as autoridades civis ficariam de todo impotentes para realizar a sua missão, e o próprio bem comum se ressentiria fatalmente; pode-se dizer que os cidadãos acabariam por perder mesmo a possibilidade de ganhar o seu pão na sociedade.
2. Contudo, ao determinar e exigir os impostos, o Estado deve observar certas normas, a fim de não exorbitar dos seus direitos e merecer o acatamento dos súditos:
a) sejam justas as causas em vista das quais se exigem os tributos. O Governo deverá intencionar realmente o bem comum (tanto do ponto de vista material como do ponto de vista moral) da sociedade; portanto impostos exigidos para festas indignas, campanhas ou guerras iníquas, escolas ímpias, etc. carecem de força obrigatória; cuide o Governo de não dar preferência a interesses de particulares, com detrimento para o bem comum. Mesmo entre as causas de interesse comum, observe a hierarquia dos valores, favorecendo antes do mais os empreendimentos de primeira necessidade (serviços de água, habitação, transportes públicos, etc.);
b) a avaliação dos impostos seja proporcional à posição de cada indivíduo na sociedade. O que quer dizer: cada um contribuirá de acordo com o que possui e o que arrecada como renda. Certos cidadãos e certas instituições que, por seus afazeres mesmos, já contribuem para o bem comum, deverão ser contemplados à parte, podendo mesmo ser dispensados de impostos; seria, sim, contrário à justiça dificultar a existência de pessoas físicas ou morais que se dedicam primariamente ao serviço do próximo;
c) se possível, seja a arrecadação de impostos feita em épocas fixas, devidamente previstas, a fim de não surpreender os contribuintes, causando-lhes incômodos e prejudicando o ritmo normal da vida nos lares e no comércio.
Eis os aspectos principais do problema dos impostos que dizem respeito primariamente ao Estado. Passemos agora ao titulo recíproco.