Esta festa do Senhor é celebrada desde os
começos, nesta mesma data, em muitos lugares do Ocidente e do Oriente. No
século XV, o Papa Calixto lll estendeu-a
a toda a Igreja. O milagre da
Transfiguração é recordado mais de uma vez, durante o ano: no segundo domingo
da Quaresma, para afirmar a divindade de Cristo, pouco antes da Paixão; e hoje,
para festejar a exaltação de Cristo na sua glória. A Transfiguração do Senhor
é, além disso, uma antecipação do que será a glória do Céu, onde veremos a Deus
face a face; em virtude da graça, participamos já nesta terra dessa promessa da
vida eterna.
A caminho de Jerusalém, Jesus faz o primeiro
anúncio da Paixão. Disse que iria sofrer e padecer em Jerusalém, e que morreria
às mãos dos príncipes dos sacerdotes, dos anciãos e dos escribas. Os apóstolos
tinham ficado aflitos e tristes com a notícia. O caminho da salvação esperado
pelos discípulos é bem diferente! Para fortalecer o ânimo profundamente abalado
dos discípulos, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João e leva-os a um lugar à
parte para orar. Aí, no Monte Tabor, revela-lhes a glória da divindade.
“Enquanto orava, o seu rosto transformou-se e as suas vestes tornaram-se
resplandecentes” (Lc 9, 29; Mt 17, 1 – 9 ).
São Leão Magno diz que “a finalidade principal
da Transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz.”
Pela Transfiguração, Deus demonstra que uma
existência feita dom não é fracassada, mesmo quando termina na Cruz. Também nos
revela que Jesus é “o Filho amado do Pai” e nos convida a escutar o que Ele diz.
A Transfiguração do Senhor antecipa a
Ressurreição e anuncia a divinização do homem. Conduz-nos a um alto Monte para
acolher de novo, em Cristo, como filhos do Filho, o dom da Graça de Deus: “Este
é o meu Filho amado: Escutai-O.”
O Senhor, momentaneamente, permitiu que os
três discípulos pudessem entrever a sua divindade, e eles ficaram fora de si,
cheios de uma imensa felicidade. “A Transfiguração revela – lhes um Cristo que
não se mostrava na vida cotidiana. Está diante deles como Alguém no qual se
cumpre a Antiga Aliança, e sobretudo como o Filho eleito do Pai Eterno, a quem é preciso prestar fé absoluta e obediência total” ( São João
Paulo ll, Homilia ), a quem devemos
buscar ao longo da nossa existência aqui na terra.
A Transfiguração foi uma centelha de glória
divina que inundou os apóstolos de uma felicidade tão grande que fez Pedro
exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas…”
(Mt 17, 4). Pedro quer prolongar aquele momento. Mas, Pedro não sabia o que
dizia; pois o que é bom, o que importa, não é estar aqui ou ali, mas estar
sempre com Cristo, em qualquer parte, e vê-lo por trás das circunstâncias em
que nos encontramos. Se estamos com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos
maiores consolos do mundo ou prostrados no leito de um hospital, padecendo
dores terríveis. O que importa é somente isto: vê-lo e viver sempre com Ele!
Esta é a única coisa verdadeiramente boa e importante na vida presente e na
outra. Desejo ver-te, Senhor, e procurarei o teu rosto nas circunstâncias
habituais da minha vida!
A nossa vida é um caminho para o Céu. Mas é
uma via que passa pela Cruz e pelo sacrifício. Até o último momento, teremos
que lutar contra a corrente, e é possível que também passemos pela tentação de
querer tornar compatível a entrega que o Senhor nos pede com uma vida fácil e
talvez aburguesada, como a de tantos que vivem com o pensamento posto
exclusivamente nas coisas materiais. “Não sentimos frequentemente a tentação de
pensar que chegou o momento de converter o cristianismo em algo fácil, de torná
– lo confortável, sem sacrifício algum; de fazê – lo conformar – se com as
maneiras cômodas, elegantes e comuns dos outros e com o modo de vida mundano?
Mas não é assim!… O cristianismo não pode dispensar a Cruz: a vida cristã é
inviável sem o peso forte e grande do dever… Se procurássemos tirá – lo da
nossa vida, criaríamos ilusões e debilitaríamos o cristianismo;
transformaríamos o cristianismo numa interpretação branda e cômoda da vida” (
Beato Paulo Vl ). Não é esse o caminho que o Senhor indicou.
O pensamento da glória que nos espera deve
animar-nos na nossa luta diária. Nada vale tanto como ganhar o Céu. Ensina
Santa Teresa: “E se fordes sempre avante com essa determinação de antes morrer
do que desistir de chegar ao termo da jornada, o Senhor, mesmo que vos mantenha
com alguma sede nesta vida, na outra, que durará para sempre, vos dará de beber
com toda abundância e sem perigo de que vos venha a faltar.”
“Este é o meu Filho amado: ouvi-O”. Deus Pai
fala através de Jesus Cristo a todos os homens, de todos os tempos. Ensina São
João Paulo II: “procura continuamente as vias para tornar próximo do gênero
humano o mistério do seu Mestre e Senhor: próximo dos povos, das nações, das
gerações que se sucedem e de cada um dos homens em particular” (Encíclica
Redemptor Hominis, 7). A sua voz faz-se ouvir em todas as épocas, sobretudo
através dos ensinamentos da Igreja.
O significado concreto de tudo isso, hoje como
então, é este: nossa vida de cristãos está permeada de provações; o sofrimento
nos acompanha. Muitas vezes, é tanta a escuridão que não se consegue mais divisar
o Céu; o horizonte da fé parece desaparecer ao longe. Vemos somente a
realidade presente que se mostra com toda sua aspereza. É nesta hora que a dor nos cerca com seu espetáculo: dor de gerações passadas,
dor atual, dor dos pecadores e dor dos justos…
Aos lábios aflora espontânea a pergunta: Por que tudo isto? Por que se
Deus é bom, se Deus é Pai? São Pedro nos afirma que também alguns dos primeiros
cristãos estavam tentados a dizer: Onde está a promessa de sua vinda? Desde que
nossos pais morreram, tudo continua como desde o princípio do mundo ( 2Pd 3,4).
Nesta prova da fé, brilha o Evangelho da
Transfiguração, como penhor certíssimo de vitória. Toda esta dor irá acabar. Um
dia, cada um de nós, e todo o universo, será transfigurado porque deverá ser
como Jesus, deverá assumir seu modo de ser glorioso e espiritual e formar,
aliás, “um só Espírito” com ele.
Jesus, como fez com Pedro, Tiago e João,
aproxima – se, coloca – nos uma mão sobre o ombro e nos convida a descer do
monte. Convida – nos a segui – Lo a Jerusalém, isto é, nas provas da vida
cotidiana.
Nós devemos encontrar Jesus na nossa vida
corrente, no meio do trabalho, na rua, nos que nos rodeiam, na oração, quando
nos perdoa no Sacramento da Penitência (Confissão), e sobretudo na Eucaristia,
onde se encontra verdadeira, real e substancialmente presente. Devemos aprender
a descobri-Lo nas coisas ordinárias, correntes, fugindo da tentação de desejar
o extraordinário.