1. Um falso evangelho
Existem questões em que não é possível
transigir sem trair a própria consciência, assim como há ensinos que não se
podem tolerar sem sacrificar a integridade da verdade. Para um cristão, o mais
importante, aquilo que está acima de tudo, é a custódia da essência do
Evangelho, pois dele depende a nossa salvação individual e a dos demais seres
humanos.
Era esta clarividência que constrangia São
Paulo a manifestar sem hesitação a sua tempestuosa repreensão à comunidade dos
gálatas: “Admiro-me de que, tão depressa, abandonando aquele que vos chamou na
graça de Cristo, tenhais passado a outro evangelho” (Gl 1,6). Ele acusa aqueles
que tentam “corromper o Evangelho de Cristo” (Gl 1,7) e diz por duas vezes que
quem o fizer, mesmo que seja um anjo do céu, “é anátema” (Gl 1,8), isto é,
excomungado. O Apóstolo chega a repreender São Pedro por sua dissimulação (cf.
Gl 2,11-15) e diz que os gálatas, depois de terem “começado no espírito,
terminam na carne” (Gl 3,6).
Toda a Epístola é uma chuva de repreensões
contra a leviandade de se passar a um outro “evangelho”.
2. Restrição seletiva dos conteúdos do
Evangelho
Nos últimos dias, os cristãos do Brasil mais
uma vez foram provocados através das manifestações blasfemas de uma escola de
samba que usou a imagem Cristo identificando-a com aquilo que os marxistas
chamam de lumpemproletariado, o extrato maltrapilho da sociedade, e tudo
naquele conhecido contexto de sincretismo e sensualidade que caracterizam o
carnaval. Até aqui, sem novidades. Infelizmente, a blasfêmia e o sacrilégio são
bastante habituais nestes ambientes contestatórios das raízes cristãs da
sociedade.
O problema real começa quando vemos pessoas
cristãs que apresentam tais manifestações como expressão da Palavra de Deus, a
tal ponto de atribuir-lhes a alcunha de “O Evangelho da Sapucaí”. Como isso é
possível? Por que estas pessoas não conseguem enxergar que este não é o Cristo
da Revelação? Qual a dificuldade de perceberem que Cristo não foi anunciado,
mas usado para promover ideologias, num caldo de depravação e excessos que,
antes de honrá-lo, o ultrajam, juntamente com todos os seus discípulos?
Deixando de lado a cegueira política de quem
se esqueceu de Deus e o trocou por um partido, precisamos perceber que
restringir o Evangelho a certos conteúdos humanistas, apresentando-os como se
fossem o todo, é o modo mais fácil de pervertê-lo, ainda mais quando, com isto,
se induz as pessoas ao pecado, à transgressão de todos os dez mandamentos. Escolhe-se
dos conteúdos do Evangelho o que mais se adapta à própria ideologia e
silenciam-se os conteúdos incômodos. Mas o problema fica ainda mais nítido
quando nos confrontamos justamente com o todo do Evangelho.