“O que o mundo hoje espera de um católico é que ele respeite todas as religiões, exceto a sua própria.” - G.K. Chesterton
Introduzo esta frase de Chesterton como preâmbulo de um assunto espinhoso.
Está virando moda aderir a um indiferentismo religioso, a pretexto de promover o “diálogo” entre as religiões ou o chamado “ecumenismo”.
Os asseclas dessa modinha estufam o peito, se ufanam e empregam termos bonitinhos, tais como “tolerância”, “alteridade”, “caridade”, “fraternidade”, dentre outros, para atribuir maior quilate àquilo que propalam. E, como não poderia deixar de ser, recorrem-se frequentemente a passagens dos Evangelhos para demonstrar o quanto Jesus era tolerante (os vendilhões do tempo hão-de discordar desta tese!). Ora, Jesus era muito mais do que tolerante. Ele era – e é! – tremendamente, profundamente, ardentemente apaixonado pelos homens – tanto que se fez Um, encarnando-Se no seio virginal de Maria e assemelhando-Se a nós em tudo, exceto no pecado. Ele tanto nos amou que derramou até a última gota do Seu preciosíssimo Sangue para nos salvar.
Sim, sob certo aspecto, Jesus é tolerante. Tão tolerante que mesmo diante das nossas infidelidades, das nossas perfídias, dos nossos insultos, dos nossos inúmeros pecados – que são como novos cravos a perfurar Seu crânio, como cusparadas ou bofetadas na Sua divina face –, mesmo assim, Ele jamais nos retira o Seu amor. Mas o Amor de Jesus não barganha, não faz concessões, não “dialoga” com o erro. Diz-se com muita propriedade que Cristo odeia o pecado, mas ama o pecador. Assim é. Ele ama em plenitude até o mais vil pecador; mas rechaça, execra, abomina o pecado e o erro.
A Igreja Católica, (a única) fundada pelo mesmo Cristo, deve repetir-Lhe o exemplo. Coluna e sustentáculo da Verdade, a Igreja, conquanto precise ser pródiga em amor – tanto para com seus filhos (desde os mais devotos aos mais relapsos), quanto para com aqueles que não estão integrados ao Corpo Místico –, deve ser implacável em seus ensinamentos, porque a Verdade (personificada no próprio Cristo) não pode ser amputada. Se se retiram alguns tijolos da “coluna”, o Templo inteiro pode ruir. Já nos dizia o Padre Garrigou-Lagrange: “A Igreja é intolerante nos princípios porque crê; é tolerante na prática porque ama. Os inimigos da Igreja são tolerantes nos princípios porque não creem e são intolerantes na prática porque não amam.” Há, portanto, uma falsa caridade nos inimigos da Igreja. Porque a verdadeira caridade jamais se dissocia do anúncio da verdade, mesmo quando esta é dolorosa. Aqui evoco as palavras de Santo Agostinho: “Não se imponha a verdade sem caridade, mas não se sacrifique a verdade em nome da caridade.”. Mas eis que vemos a verdade sendo sacrificada, diuturnamente, em nome de uma pretensa caridade. E pasmem: muitos dos inimigos da Igreja… são membros da própria Igreja; alguns, infelizmente, autoridades da alta hierarquia.
A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 nos demonstra claramente este triste fato. Parte do episcopado brasileiro, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), uniu-se a figuras como Romi Bencke, uma pastora protestante, feminista e declaradamente favorável à descriminalização do aborto, para a elaboração do texto-base da Campanha.
O tema da CFE é: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. E o lema, baseado numa citação da Carta de São Paulo aos Efésios (Ef. 2,14): “Cristo é a nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade”. À primeira vista, não parece haver nada de errado com o tema. Afinal de contas, o Cristianismo prega e vive o amor em sua instância máxima: até a morte – e morte de Cruz. Porém, não podemos esquecer aquilo que é o cerne da vida cristã: Cristo morreu para pagar as penas dos nossos pecados e para nos conduzir, já redimidos, à vida da Graça. Mas a vida da Graça é incompatível com a corrupção da verdade e dos ensinamentos cristãos. E basta ter acesso ao texto-base da Campanha para constatarmos que foram ali introduzidos, sub-repticiamente, diversos conteúdos contrários à Fé católica. Há diversas menções em tom simpático à ideologia de gênero e ao movimento LGBT, por exemplo. Sim, é verdade que a Igreja deve amar todas as pessoas, indistintamente, não importando qual seja o sexo, a origem, a cor da pele, a classe social, etc. A Igreja ama a todos: homens ou mulheres, heterossexuais ou não; brancos ou negros; pobres ou ricos. Mas ela ama as PESSOAS, não suas IDEOLOGIAS. Portanto, não deve haver por parte de autoridades ou membros da Igreja qualquer tipo de patrocínio, incentivo, fomento ou tolerância com ideologias e práticas que não se coadunam com o depósito da fé. A Igreja não deve “dialogar” com o mundo, mas iluminá-lo; e o cristão (católico) deve ser como a tocha, que aquece e irradia luz sobre as trevas do mundo.
Existem diálogos que podem ser assaz perniciosos, sedutores… e diabólicos. Não esqueçamos de que Eva, ao dialogar com a Serpente do Éden, deixou-se por ela ludibriar e desobedeceu a Deus, desobediência na qual também incorreu seu marido, por influência sua – porque o pecado não costuma arrastar um só. E o resultado foi a perda do direito ao Paraíso, que só foi restabelecido mediante o sacrifício redentor de Cristo na Cruz. Portanto, dialogar com as realidades do mundo (as tentações, os prazeres, as ideologias) pode ser uma armadilha demoníaca, que nos valerá a perdição eterna. Tenhamos claro que o Diabo é o “pai da mentira” e o homicida desde o princípio. Assim, ele seduz com palavras bonitas e ardilosas para matar as nossas almas. A mentira é o meio; a morte é o fim. Por isso, apenas a verdade é que salva e liberta: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Cristo exige de nós uma adesão plena, radical. Ele nos pede tudo, todo o nosso coração, toda a nossa vida: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). Ele não “negocia” a nossa conversão com o propósito de ter um maior número de “adeptos”. Não! Porque o discípulo de Cristo deve desprezar o que o mundo ama e amar o que o mundo despreza. O discípulo de Cristo deve ter o olhar voltado para o Alto – para o Céu –, não para as realidades do mundo; o discípulo de Cristo, o verdadeiro discípulo, tem visão transcendente, não imanente. E Cristo perscruta os nossos corações e nos pede a renúncia do que muito nos custa. Lembrem-se da passagem do jovem rico (Mc 10, 17-30). Ele era um bom rapaz, piedoso e fiel cumpridor dos mandamentos. Mas Jesus sabia que ele era apegado às coisas da Terra. Por isso, Ele lhe pede mais: o total despojamento dos seus bens para segui-Lo, em troca de um tesouro no Céu. Jesus fixou nele o Seu olhar e o amou – Ele o amou! Mas o jovem foi tomado de tristeza. Era muito para ele o que Cristo lhe pedia. Assim, preferiu manter os bens que possuía em detrimento do tesouro da vida eterna. Eu posso imaginar o quanto aquela atitude do moço entristeceu o coração de Jesus – afinal, Ele o amou!. Mas o que proponho que reflitamos nessa passagem? Eu não pretendo tecer considerações sobre as riquezas materiais, que aqui constituem apenas um ponto de partida para nossa análise. Meu intento é que pensemos na atitude de Jesus. Ele amou aquele jovem. Mas conhecia suas fraquezas. E então, o que Ele faz? Barganha pela sua conversão? Sai correndo atrás do moço que decidiu ir embora? Não. Cristo continuou onde estava, seguiu com Sua pregação. Imagino que Ele deve ter acompanhado aquele jovem com o olhar, vendo-o se afastar, triste… ambos tristes. Mas Jesus não cede na sua exigência. Eis a questão.
Ora, se Jesus não negocia a nossa conversão, deveria a Igreja – emissária dos Seus ensinamentos – fazê-lo? Deveria a Igreja dialogar com os erros do mundo? Evidentemente, não. A Igreja tem a missão de evangelizar. Mas evangelizar é levar Cristo – o Cristo inteiro, não amputado – a todas as pessoas; é anunciar as verdades da Fé, mesmo as que pareçam inconvenientes. O preço? O quinhão da vida eterna. Diante disso, qualquer renúncia, qualquer sacrifício, parece uma bagatela.