“CONVERTEI-VOS E CREDE NO EVANGELHO!”
Primeira Pregação, Quaresma de 2021
Como de costume, dedicamos esta primeira meditação a uma introdução geral ao tempo quaresmal, antes de entrar no tema específico no programa, uma vez concluído o retiro espiritual da Cúria. No Evangelho do primeiro domingo da Quaresma do ano B, ouvimos o anúncio programático com o qual Jesus inicia seu ministério público: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”(Mc 1,15). Vamos meditar sobre este apelo sempre presente de Cristo.
De conversão, fala-se em três momentos ou contextos diversos do Novo Testamento. Cada vez, vem à luz uma sua componente nova. Juntas, as três passagens nos dão uma ideia completa sobre o que é a metanóia evangélica. Não está dito que devemos experimentá-las todas as três juntas, com a intensidade. Há uma conversão para cada estação da vida. O importante é que cada um de nós descubra a que serve para si neste momento.
Convertei-vos, isto é, crede!
A primeira conversão é aquela que ressoa no início da pregação de Jesus e que está resumida nas palavras: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Procuremos entender o que significa aqui a palavra conversão. Antes de Jesus, converter-se significava sempre um “voltar atrás” (o termo hebraico, shub, significa inverter a rota, voltar nos próprios passos). Indicava o ato de quem, a um certo ponto da vida, percebe estar “fora do rumo”. Então se detém, reconsidera; decide voltar à observância da lei e de retornar à aliança com Deus. A conversão, neste caso, tem um significado fundamentalmente moral e sugere a ideia de algo penoso a se cumprir: mudar costumes, deixar de fazer isso ou aquilo...
Nos lábios de Jesus, este significado muda. Não porque ele se divirta em mudar os significados das palavras, mas porque, com sua vinda, mudaram as coisas. “Cumpriu-se o tempo, e está próximo o Reino de Deus!”. Converter-se não significa mais voltar atrás, à antiga aliança e à observância da lei, mas significa mais dar um salto adiante e entrar no Reino, agarrar a salvação que veio aos homens gratuitamente, por livre e soberana iniciativa de Deus.
“Arrependei-vos e crede” não significam duas coisas diversas e sucessivas, mas a mesma ação fundamental: convertei-vos, isto é, crede! «Prima conversio fit per fidem», escreveu S. Tomás de Aquino: a primeira conversão consiste em crer.[1] Tudo isso requer uma verdadeira “conversão”, uma mudança profunda no modo de conceber as nossas relações com Deus. Exige passar da ideia de um Deus que pede, que ordena, que ameaça, à ideia de um Deus que vem com as mãos cheias para se dar todo a nós. É a conversão da “lei” à “graça”, tão querida a São Paulo.
“Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças...”
Escutemos agora a segunda passagem em que, no Evangelho, volta a se falar de conversão:
“Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ‘Quem é o maior no Reino dos Céus?’ Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: ‘Em verdade vos digo, se não vos converterdes e nãos vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus’” (Mt 18,1-3).
Esta vez, sim, que converter-se significa voltar atrás, até mesmo a quando se era criança! O próprio verbo usado, strefo, indica inversão de marcha. Esta é a conversão de quem já entrou no Reino, acreditou no evangelho, já está há tempos no serviço de Cristo. É a nossa conversão!
O que supõe a discussão sobre quem é o maior? Que a preocupação maior não é mais o reino, mas o próprio lugar nele, o próprio eu. Cada um deles tinha algum título para aspirar a ser o maior: Pedro tinha recebido a promessa do primado; Judas, a caixa; Mateus podia dizer que tinha deixado mais do que os outros; André, que tinha sido o primeiro a segui-lo; Tiago e João, que estiveram com ele no Tabor... Os frutos desta situação são evidentes: rivalidades, suspeitas, confrontos, frustração.
Jesus, de imediato, tira o véu. Nem como primeiros, deste modo nem se entra no reino! O remédio? Converter-se, mudar completamente perspectiva e direção. A que Jesus propõe é uma verdadeira revolução copernicana. É preciso “descentralizar-se de si mesmo e recentralizar-se em Cristo”.
Jesus fala mais simplesmente de um tornar-se criança. Tornar-se criança, para os apóstolos, significava voltar a como eram no momento do chamado às margens do lago ou no posto de arrecadação: sem pretensões, sem títulos, sem confrontos entre si, sem invejas, sem rivalidades. Ricos apenas de uma promessa (“Farei de vós pescadores de homens”) e de uma presença, a de Jesus; a quando eram ainda companheiros de aventura, não concorrentes pelo primeiro lugar. Também para nós, tornar-se criança significa voltar ao momento em que descobrimos sermos chamados, ao momento da ordenação sacerdotal, da profissão religiosa, ou do primeiro verdadeiro encontro pessoal com Jesus. Quando dizíamos: “Só Deus basta!”, e acreditávamos.
“Não és frio, nem quente”
O terceiro contexto em que recorre, martelante, o convite à conversão, é dado pelas sete cartas às Igrejas do Apocalipse. As sete cartas são dirigidas a pessoas e comunidades que, como nós, vivem há tempos a vida cristã e, ainda mais, exercem nelas uma papel-guia. São endereçadas ao anjo das diversas Igrejas: “Ao anjo da igreja que está em Éfeso”. Não se explica este título senão em referência, direta ou indireta, ao pastor da comunidade. Não se pode pensar que o Espírito Santo atribua a anjos a responsabilidade das culpas e desvios que são denunciados nas diversas igrejas, muito menos que o convite à conversão seja dirigido a anjos ao invés de homens.
Das sete cartas do Apocalipse, a que deve nos fazer refletir mais do que as outras é a carta à Igreja de Laodiceia. Conhecemos seu tom severo: “Conheço as tuas obras. Não és frio, nem quente... porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca... Sê zeloso, pois, e arrepende-te” (Ap 3,15ss). Aqui, trata-se da conversão da mediocridade e da tibieza.
Na história da santidade cristã, o exemplo mais famoso da primeira conversão, a do pecado à graça, é Santo Agostinho; o exemplo mais instrutivo da segunda conversão, a da tibieza ao fervor, é Santa Teresa d’Ávila. O que ela diz de si em seu Livro da Vida é certamente exagerado e ditado pela delicadeza da sua consciência, mas, em todo caso, pode servir a todos nós para um útil exame de consciência.
“Comecei, pois, assim, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a pôr novamente em risco a minha alma [...]. As coisas de Deus me davam prazer, e eu não sabia desvencilhar-me daquelas do mundo. Queria conciliar estes dois inimigos entre si e tão contrários: a vida do espírito com os justos e os passatempos dos sentidos”.
O resultado deste estado era uma profunda infelicidade:
“Caía e me reerguia, e me reerguia tão mal que voltava a cair. Eu estava tão por baixo em relação à perfeição, que quase não me dava conta dos pecados veniais, e não temia os mortais como deveria, pois não fugia de seus perigos. Posso dizer que a minha vida era das mais penosas que se possam imaginar, pois eu não me deleitava nem com Deus, nem me sentia contente com o mondo. Quando estava nos passatempos mundanos, o pensamento daquilo que eu devia a Deus me fazia transcorrê-los com pena; e quando estava com Deus, vinham-se a distrair os afetos do mundo”[2].
Muitos poderiam descobrir nesta análise o real motivo da própria insatisfação e descontentamento.
Falamos, portanto, de conversão da tibieza. São Paulo exortava os cristãos de Roma com as palavras: “Não sejais lentos na solicitude, sede fervorosos no espírito” (Rm 12,11). Seria de se replicar: “Mas, caro Paulo, justamente aqui está o problema! Como passar da tibieza ao fervor, se alguém fatalmente aí caiu?” Nós podemos, pouco a pouco, escorregar na tibieza, como se cai na areia movediça, mas não podemos sair sozinhos, quase puxando-nos pelos cabelos.
Esta nossa objeção nasce do fato de que negligenciamos ou interpretamos mal o acréscimo “no espírito” (en pneumati), que o Apóstolo põe na exortação: “sede fervorosos”. Em Paulo, a palavra “Espírito” indica, ou inclui, quase sempre uma referência ao Espírito Santo. Jamais se trata exclusivamente do nosso espírito ou da nossa vontade, exceto em 1Ts 5,23, onde indica uma componente do homem, ao lado do corpo e da alma.
Somos herdeiros de uma espiritualidade que concebia o caminho de perfeição segundo as três etapas clássicas: via purgativa, via iluminativa e via unitiva. Em outras palavras, é preciso exercitar-se longamente na renúncia e na mortificação, antes de poder experimentar o fervor. Há uma grande sabedoria e uma experiência secular à base de tudo isso, e ai de se pensar que tudo esteja superado. Não, não está superado, mas não é a única via que segue a graça de Deus. Um esquema assim rígido denota uma lenta e progressiva mudança do acento da graça ao esforço do homem. Segundo o Novo Testamento, há uma circularidade e uma simultaneidade, por isso, se é verdade que a mortificação é necessária para chegar ao fervor do Espírito, é também verdade que o fervor do Espírito é necessário para chegar a praticar a mortificação. Uma ascese assumida sem um forte impulso inicial do Espírito seria um esforço morto, e não produziria nada senão “vaidade da carne”. O Espírito nos é dado para estarmos condições de nos mortificarmos, mais do que como prêmio por termos nos mortificado. “Se, pelo Espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis”, escreve o Apóstolo (Rom 8,13). Esta segunda via que vai do fervor à ascese e à prática das virtudes foi a via que Jesus fez percorrer os seus apóstolos. Escreve o grande teólogo bizantino Cabásilas:
“Os apóstolos e pais da nossa fé tiveram a vantagem de serem instruídos em toda doutrina e, ainda mais, do Salvador em pessoa. [...] Contudo, mesmo tendo conhecido tudo isso, enquanto não foram batizados [em Pentecostes, com o Espírito], não mostraram nada de novo, de nobre, de espiritual, de melhor do que o antigo. Mas quando veio para eles o batismo e o Paráclito irrompeu em suas almas, então se tornaram novos e abraçaram uma vida nova, foram guia para os demais e fizeram arder a chama do amor por Cristo em si nos outros. [...] Do mesmo modo, Deus conduz à perfeição todos os santos vindos depois deles”[3].
Os Padres da Igreja expressavam tudo isso com a sugestiva imagem da “sóbria embriaguez”. O que levou muitos deles a retomar este tema, já desenvolvido por Fílon de Alexandria[4], foram as palavras de Paulo aos Efésios:
“Não vos embriagueis com vinho, que leva ao descontrole, mas enchei-vos do Espírito: entoai juntos salmos, hinos e cânticos espirituais, cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração” (Ef 5,18-19).