Embora a autoridade civil possa “legitimamente propor limitações de cunho sanitário às atividades religiosas”, essas restrições “não podem ser impostas sobre o culto católico de forma unilateral e sem o devido diálogo com a autoridade eclesiástica, nem ter o condão de suprimir total e integralmente a faceta pública do culto sem a concordância e cooperação da autoridade eclesiástica católica, sob pena de violação do direito humano de liberdade religiosa em seu conteúdo essencial e também, no caso católico, do Tratado Internacional conhecido como ‘Acordo Brasil-Santa Sé’”.
A afirmação é da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro, que expressou sua “preocupação” com o impacto que a decisão do Supremo Tribunal Federal de que as Igrejas podem ser fechadas por decretos de governos estaduais e municipais pode ter “sobre as relações de coordenação e cooperação entre Igreja Católica e República Federativa do Brasil”.
Após uma votação no dia 8 de abril, que terminou com um placar de nove a dois, os ministros do Supremo decidiram que a liberdade religiosa, direito fundamental reconhecido pela Constituição Federal, não está sendo violada por decretos que obrigam o fechamento de igrejas e templos por causa da pandemia de Covid-19.
Diante dessa decisão do STF, os juristas católicos do Rio de Janeiro publicaram uma nota em 21 de abril, por meio da qual afirmaram a preocupação com a relação entre Igreja e Estado brasileiro, “tal como pactuadas no Tratado Internacional entre o Brasil e a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano em 13/11/2008 (Acordo Brasil-Santa Sé – Decreto nº 7.107/2010)”.
Em entrevista à ACI Digital, Padre Marcus Vinicius Brito de Macedo, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, observou que a decisão do Supremo “se limitou a analisar os dispositivos constitucionais que tratam da liberdade religiosa, não se debruçando seus ministros na questão específica da Igreja Católica e, por conseguinte, do Acordo Brasil-Santa Sé”.
Em seguida, ressaltou que, “não obstante se reconheça o pluralismo religioso presente no território brasileiro, é lamentável que o Poder Judiciário passe ao largo do Decreto 7107/2010 sobre as peculiaridades que envolvem a fé católica, especialmente, a existência de um Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil através de um Tratado Internacional assinado entre dois sujeitos que devem colaborar entre si sem qualquer imposição de subordinação”.
O sacerdote, que é pós-doutorando em História da Diplomacia na Universidade de Brasília, doutor em Relações Internacionais e Comunicação Social pela Universidade de Navarra (Espanha) e professor do Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro e da PUC-Rio, explicou as peculiaridades deste acordo entre Estado brasileiro e Igreja Católica.
Segundo ele, “diferentemente das demais confissões, a Igreja Católica tem simultaneamente as seguintes características: universalidade (potencial e sociologicamente estende-se às nações de toda terra), regime centralizado (há uma autoridade suprema, cujo sujeito é o Bispo de Roma junto ao Colégio Episcopal) e um órgão de governo do Papa, a Santa Sé”.
Tais características “constituem nas Relações Internacionais uma personalidade jurídica que viabiliza o cumprimento dos deveres e funções do Direito Internacional, sendo os mais clássicos: o direito de legação, o direito concordatário, o direito de mediação, além dos direitos a participar em conferências internacionais ou organizações internacionais”.
Esta realidade, portanto, explica “a possibilidade da Igreja Católica firmar acordos com outras nações, sendo um ente soberano na comunidade internacional”. É o que ocorre no Acordo Brasil-Santa Sé.
Também nessa linha, a União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro pontuou em sua nota que “a Igreja Católica presente no mundo inteiro ostenta seu próprio ordenamento jurídico autônomo e soberano (o Direito Canônico), emanada da Santa Sé como fonte jurígena histórica e atual internacionalmente reconhecida muito antes da instituição do Estado brasileiro”.
Assim, “as relações entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro devem pautar-se por respeito mútuo, autonomia, independência e cooperação”, afirmaram os juristas, acrescentando que “não é possível reconhecer às autoridades civis poder de subordinar a Igreja Católica, fazendo tábula rasa de seu ordenamento jurídico próprio (o Direito Canônico) e do acordo internacional da República com a Santa Sé, o qual, com fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades (Art. 2º do Acordo)”.