terça-feira, 18 de maio de 2021

“Nascido de Mulher” (Gl 4,4)

 
O texto bíblico de Gl 4,4 é o único texto paulino no qual encontramos uma menção de Paulo à mãe do Filho de Deus, no contexto da unidade literária da perícope Gl 4,1-7, onde o Apóstolo faz sua demonstração bíblica da nossa filiação divina pela fé em Cristo Jesus, demarcando o “coração” desta pequena unidade literária. Paulo toca na temática da encarnação de Cristo e de nossa adoção filial. Ao afirmar que Cristo “nasceu de mulher” Paulo quer dizer que Cristo é plenamente homem. Mais ainda, quando afirma que “nasceu sob a lei”, ele quer dizer que Cristo pertencia ao povo judeu, com toda a sua tradição judaica em termos religiosos, políticos, sociais e culturais. Embora seja uma passagem difícil, vale a pena analisar alguns detalhes deste texto. Ademais, sendo a única menção paulina sobre a mãe do Filho de Deus, este texto tem suscitado muitas discussões, visto que a formulação paulina não é tão clara como nos Evangelhos, onde encontramos o nome desta mulher: Maria, e que ela era virgem. Enfim, um estudo sobre a Mãe do Filho de Deus no Novo Testamento, para ser completo, não pode ignorar o texto paulino de Gl 4,4.
  
“Nascido de Mulher” (Gl 4,4)
“Born of Woman” (Gal. 4,4)
 
 
A carta aos Gálatas é um texto que Paulo escreveu entre os anos 54-57 d.C., enviado a diversas comunidades da Galácia, com seus problemas concretos. Ao longo de toda a carta o nome de Jesus Cristo é sempre lembrado, mas o nome de Maria, sua mãe, nunca é mencionado1, mas ele nos oferece uma “referência implícita da Mãe de Jesus” (STOCK, 2006, p. 197), sendo a mais antiga de todas as referências à maternidade da mãe do Filho de Deus ou do nascimento humano do Filho de Deus (LONGENECKER, 1998, p. 171), ainda que não mencione do nome dela (Maria) e nem fale da concepção virginal (PITTA, 1996, p. 237-238; SCHLIER, 1999, p. 228), como temos nos Sinóticos, que são textos mais tardios.[1]
 
Ademais é importante ter presente que nestes dois versículos não vem mencionado sequer o nome de Jesus Cristo e que João Evangelista também não menciona o nome de Maria em seu evangelho e sim “mulher”, como temos nas bodas de Caná (Jo 2,4) e aos pés da cruz (Jo 19,26), onde Maria é lembrada com outras três mulheres (GRENZER, 2017, p. 458-475).
 
Por isso, o texto de Gl 4,4 tem sido “um dos pivôs” desta carta paulina ao longo dos séculos (PERROT, 2013, p. 137), causando muitas discussões acerca da temática da maternidade de Maria. Neste sentido, o texto bíblico de Gl 4,4, sendo o único texto paulino no qual encontramos uma menção à mãe de Jesus Cristo, afirmando que ele veio ao mundo “nascido de mulher”, igualmente à condição de “todos os homens” (BONNARD, 1953, p. 86; BLIGH, 1972, p. 604; BRUCE, 2004, p. 269), tem chamado a atenção de muitos estudiosos, desde os tempos da Patrística até os tempos hodiernos (RAMÓN TREVIJANO, 2002, p. 388), embora Paulo não tenha interesse em falar do nascimento mesmo de Cristo, por meio de Maria, e sim de sua condição humana, totalmente precária, como a de qualquer outro ser humano (BONNARD, 1953, p. 86; GONZÁLEZ RUIZ, 1971, p. 194; DUNN, 1993, p. 215).
 
Se em Gl 2,15-21, Paulo desenvolveu a sua tese sobre a justificação por meio da fé e não por meio da lei, em Gl 3-4 Paulo vai desenvolver a sua argumentação para comprová-la, especialmente com a prova escriturística em Gl 3 e o Midrash de Gl 4, contendo uma Gezērāh Shāwāh (uma das 7 regras de Hillel[2], da exegese rabínica: equivalência verbal). Daqui para a frente a preocupação do Apóstolo vai ser a de estabelecer uma forte relação entre a redenção e a filiação divina. Para tanto é que Paulo vai insistir sobre a humanidade concreta de Jesus (“nascido de mulher”) e a sua relação concreta com Israel (“nascido sob a lei”), uma vez que Maria é uma autêntica filha de Israel. Aquela que é uma “autêntica judia se torna o lugar carnal, étnico e religioso que permite ao Pai de nos dar seu Filho”, jogando “um papel importante no cumprimento da plenitude dos tempos” […]. Sendo “filha da primeira Aliança, ela se torna o lugar concreto de uma salvação que se torna presente no seio dos novos tempos” (PERROT, 2013, p. 138-139), visto que o texto de Gl 4,4-5 começa com “uma modalidade temporal”, justamente com as demais modalidades (“nascido de mulher e sob a lei”) e finalidades (“para resgatar os que estão debaixo da lei e para que recebam a adoção de filhos”) presentes no texto (ALETTI,1988, p. 409).
 
Aliás, é por meio de Maria que Jesus é judeu e nós recebemos a fé judaica passando, por primeiro, pelo sangue que correu nas veias de Maria, a filha de Sião por excelência. Embora Paulo não a mencione explicitamente como mediadora do mistério da encarnação do Verbo no seio de Maria, por obra do Espírito Santo, é óbvio que não podemos dizer que ele desconhecesse o fato. Muito pelo contrário, assim como os demais, também Paulo tinha plena consciência de que Jesus tinha nascido de uma jovem judia de nome Maria.
 
A PREOCUPAÇÃO PAULINA EM GL 4,4
 
O texto de Gl 4,4 tem uma preocupação com a verdadeira humanidade e, ao mesmo tempo, com a filiação divina de Jesus (LONGENECKER, 1998, p. 171). Ele quer deixar claro que Jesus é o Filho de Deus, mas que é também plenamente humano e sujeito à lei judaica (BUSCEMI, 2004, p. 390), com todas as suas tradições, inclusive que “foi dado à luz por uma mulher como homem; aceita tudo o que pertence à humanidade” (STOCK, 2006, p. 191.196), ou seja, “que Jesus tornou-se membro da humanidade e da raça judia” (FITZMYER, 1985, p. 52-53), ou, no dizer de Ferreira, “Paulo ressalta bem que o Filho de Deus foi cem por cento homem. Gente como nós.” (FERREIRA, 2005, p. 130).
 
A preocupação paulina não é nem afirmar e nem negar “a concepção virginal” ou nascimento de Jesus a partir de Maria, e nem pode ser provada com esta passagem (LAGRANGE, 1950, p. 102; HENDRIKSEN, 1984, p. 166-167; BURTON, 1988, p. 217), como temos na narrativa sinótica, onde nós encontramos a afirmação de que Jesus foi concebido e nasceu do seio da virgem Maria (Mt 1,18-25; Lc 1, 26-38), mas sim falar “sobre a verdadeira humanidade do Filho de Deus” (ZERWICK, 1965, p. 76; FAUSTI, 1999, p. 199; SCHLIER, 1999, p. 228). Ou seja, de fato Paulo não fala que Jesus nasceu de Maria e muito menos que a sua concepção foi virginal, como temos nos Sinóticos. Mas isso não signfica que ele desconhecesse ou negasse isso. Fato é que a sua preocupação neste momento é com a “autêntica humanidade” de Jesus (MUSSNER, 1987, p. 418) diante de toda a problemática levantada pelos judaizantes sobre a obrigatoriedade da lei como conditio sine qua non para a salvação, que Paulo não concorda (GONZAGA, 2015, p. 445).
 
Afirmar que Cristo “nasceu de mulher” não significa dizer que Paulo estaria afirmando que Cristo teria sido gerado por participação de “progenitor masculino”, mas apenas que ele assumiu a condição humana (BETZ, 1979, p. 207) e que participou dos aspectos normais do ser homem e foi submetido à lei judaica (STOCK, 2006, 193; ZERWICK, 1965, p. 76; BONNARD, 1953, p. 86), e “não há mais nada além disso nesta passagem” (RATZINGER, 2014, p. 29), visto que o que está em jogo é a “fragilidade humana” (VANHOYE, 2000, p. 107; ALETTI, 1988, p.409; NAVARRO PUERTO, 1997, p. 329), significando com isso que “nascer de mulher quer dizer simplesmente ser mortal, limitado, como todos os outros homens” (PITTA, 1996, p. 238). Porém, Paulo acreditava na maternidade divina e igualmente na concepção virginal, defendida inclusive pelos Padres da Igreja e pelos Pais da Reforma, como afirmam K. H. Schelklee Staglianò (2016, p. 68).[3]
 
Interessante observar que Mt 8,20 e Jo 1,51 vão falar do “filho do homem”, e nunca usam o termo “nascido de mulher”, como Paulo. O Apóstolo dos gentios (Rm 11,13), por sua vez, nunca afirma que Cristo nasceu “de Maria virgem”, visto que a intenção paulina é a de afirmar que Cristo assumiu a nossa natureza humana, com todas as suas implicações no que diz respeito à lei, pois Paulo quer deixar claro que Cristo não apenas “nasceu de mulher”, mas que ele “nasceu sob a lei” a fim de nos garantir “a filianção divina” (Gl 4,5), para nos tirar da escravidão e nos conservar na liberdade, visto que foi para isso que Cristo nos libertou (Gl 5,1), ou seja, a sua morte e ressurreição resultou “na libertação do homem da economia da Lei” (GONZAGA, 2015, p. 392).
 
É importante recordar que Paulo não teve acesso aos evangelhos das Infância de Cristo, como conhecemos nas narrativas de Mateus e Lucas para falar do nascimento virginal de Jesus e nem de afirmações sobre a figura de Maria (Cf. LEGAULT, 1964, p. 481-493; LÉGASSE, 2000, p. 297-298). Mas, por outro lado, também é muito difícil negar que Paulo não soubesse que Jesus tinha nascido de uma mãe virgem. Pelo contrário, “este fato era tão amplamente conhecido na Igreja Primitiva que, não foi por acaso, que encontrou lugar nos escritos apostólicos” (MCHUGH, 1997, p. 313). A questão, então, diz respeito à linha da preocupação de Paulo: falar da humanidade e da solidariedade de Cristo para com o ser humano (FAUSTI, 1999, p. 199), a partir da história real do povo de Israel (BARBAGLIO, 1991, p. 84-85; DUNN, 1993, p. 216), nascido como todo e qualquer “ser humano” (MARTYN, 1998, p. 390), pois diz repeito à “definição de uma vida humana” (BETZ, 1979, p. 207), e não da virgindade de Maria, que ele certamente não negava e muito menos “estava procurando fornecer detalhes sobre o modo como o Filho se fez homem” (FITZMYER, 1985, p. 54).
 
Se há “um silêncio” da parte de Paulo sobre a concepção e o nascimento virginal de Cristo, pois não se fala e nem se “pensa expressamente no nascimento virginal” (SCHLIER, 1999, p. 228), contudo, não se pode dizer o mesmo em relação ao resto do NT, visto que dois dos Sinóticos mencionam o fato (cf. Mt 1,18-25 e Lc 1,26-38), Marcos permanece em “silêncio”, embora cite o nome da mãe de Jesus (Mc 6,3) e João mencione que Jesus era galileu e que tinha nascido em Belém (7,26.41-42.52), concordando com o lugar que Mateus e Lucas indicam para o nascimento de Cristo.
 
Para Paulo o tema da “concepção virginal” não era fundamental, bem como o do “túmulo vazio”, sobre o qual ele também nada fala e os quatro evangelistas sim. Mas, embora não venha citado o nome da “mulher anônima” de Gl 4,4, é óbvio que Paulo sabia que nome da mãe de Jesus era Maria (STAGLIANÒ, 2016, p. 71).
 
Porém, o contexto é outro e não pede isso aqui, mas sim o aspecto da encanação do Verbo na concretude humana a fim de resgatar o homem de sua condição de escravidão e submissão da lei mosaica (LÉGASSE, 2000, p. 297). Zerwick (1965) afirma que, como o Apóstolo quer falar do “aspecto duramente humano, ele nem sonha de mencionar a característica maravilhosa da maternidade de uma virgem” (1965, p. 76-77). É neste sentido que podemos dizer que “a passagem não insiste na mulher que dá à luz o Filho de Deus” (ALETTI, 1988, p. 409) e sim sobre sua realidade humana, comum aos demais seres humanos.
 
A BASE TESTAMENTÁRIA ANTIGA
 
Em todo o Antigo Testamento nós encontramos a afirmação “nascido de mulher” apenas no livro de Jó, onde temos três ocorrências desta expressão, sendo a única literatura veterotestamentária que podemos ver a esse respeito. No entanto, embora seja somente em Jó, parece ser uma expressão comum no judaísmo para designar a condição humana e precária de um ser humano, a partir de sua existência histórica concreta. Mentalidade esta que passou para outros textos do NT, visto que além de Gl 4,4, também encontramos a expressão quando se fala a respeito do nascimento do João Batista, “o maior nascido de mulheres”, e sempre no plural, tanto em Mt 11,11 como em Lc 7,28 (Quadro 1):
 
Quadro 1 – “O maior nascido de mulheres”
  
a) Em Mt 11,11: Em verdade vos digo que, entre os que têm nascido de mulheres, não apareceu alguém maior do que João o Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele.
 
μν λγω μν· οκ γγερται ν γεννητος γυναικν μεζων ωννου το βαπτιστο· δ μικρτερος ν τ βασιλείᾳ τν ορανν μεζων ατο στιν.
 
b) Em Lc 7,28: Digo a vós, entre os nascidos de mulheres, não há ninguém maior que João; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele.
 
λγω μν, μεζων ν γεννητος γυναικν ωννου οδες στιν· δ μικρτερος ν τ βασιλείᾳ το θεο μεζων ατο στιν.
  
Fonte: Elaborado pelo autor.
 
No AT, fora do texto hebraico, na LXX nós encontramos a expressão “nascidos de mulheres”, nós a encontramos em Eclo 10,18: “O orgulho não foi feito para o homem, nem o furor para os nascidos de mulheres. / οκ κτισται νθρποις περηφανα οδ ργ θυμο γεννμασιν γυναικν”. Porém, aqui nós temos o uso do substantivo γεννμασινum dativo neutro plural comum, de γννημα.
 
Mesmo na literatura paulina, também temos outros dois textos paralelos a Gl 4,4, que são Rm 1,3 e Fl 2,7-8, de cartas autenticamente paulinas, e que precisam ser lidos no sensus plenus do corpus paulinum e igualmente do corpus Novi Testamenti, antes de entrarmos nos textos do Antigo Testamento. Estes dois textos (Quadro 2), a exemplo da carta aos Gálatas, afirmam que:
 
Quadro 2 – Exemplos paralelos a Gl 4,4
 
a) Em Rm 1,3: Acerca do Filho dele, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne περ το υο ατο το γενομνου κ σπρματος Δαυδ κατ σρκα
 
b) Em Fp 2,7-8: 7Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de escravo, em semelhança de homens tornando-se [nascendo], e achado em forma como homem; 8humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz.
 
7λλ αυτν κνωσεν μορφν δολου λαβν, ν μοιματι νθρπων γενμενος· κα σχματι ερεθες ς νθρωπος 8ταπενωσεν αυτν γενμενος πκοος μχρι θαντου, θαντου δ σταυρο.
 
Fonte: Elaborado pelo autor.
 
Se no livro de Jó a expressão é utilizada sempre para exprimir a fragilidade, a precariedade e a impureza do ser humano, é nesta mesma linha que podemos interpretar o testemunho da Regra da Comunidade (1QS) e dos Hinos de Qumran (1QH) que colocam em paralelo “nascido de mulher” e “criatura de pó”, a fim de se falar da fragilidade humana:
 
a) Col. XI = 1QS 11,21: “Por que será contado o nascido de mulher em tua presença? Formado tem sido no pó, comida de vermes será a sua residência; é saliva cuspida” (GARCÍA MARTÍNEZ, 1995, p. 62).
 
b) Col. XXI = 1QH 18,1.11; também no Frag. 3,13-14: “a impiedade do nascido de mulher […] E eu sou criatura [de argila… de p]ó e coração de pedra”. (GARCÍA MARTÍNEZ, 1995, p. 403).
 
Na língua hebraica bíblica, a expressão ְ ילהָּׁש ִאְדוּ (yelûd ’iššâ) é a que encontra a sua expressão análoga na língua grega bíblica da LXX para “γεννητς γυναικς” (gennētós gynaikós), como podemos conferir no quadro abaixo. Para vermos isso, vamos à base veterotestamentária, no livro de Jó, único texto da Bíblia hebraica a trazer a mesma expressão em todo o AT (CLINES, 1989, p. 324), e temos também na Bíblia grega LXX (Eclo 10,18), como já dissemos acima. Porém, parece que a expressão já era comum no meio judaico e helênico (NAVARRO PUERTO, 1997, p. 328), encontrada inclusive na obra Antiquidades Judaicas, de Flávio Josefo (apud LONGENECKER, 1998, p. 171)[4].
 
Cremos ser interessante visitar os textos que encontramos em Jó 14,1; 15,14 e 25,4, seja a partir dos textos nas línguas originais, em hebraico, língua de saída, seja a partir da tradução grega para a LXX, onde encontramos a mesma expressão que temos Gálatas, bem como no português, nossa língua de chegada (Quadro 3).
 
Nestes textos nós encontramos a expressão ְ ילהָּׁש ִאְ דוּ (yelûd ’iššâ), sendo “uma locução judaica para um nascimento ou simples expressão idiomática para falar do ser humano” (LONGENECKER, 1998, p. 171), traduzida como “nascido de mulher”, indicando a situação humana com todas as suas realidades e precariedades possíveis de todo ser humano, “enfatizando sua verdadeira humanidade” (LONGENECKER, 1998, p. 171; NAVARRO PUERTO, 1997, p. 328), com todas as suas contingências histórico-sociais, referindo-se a tudo aquilo que “define as condições de existência de um ser humano” (BETZ, 1979, p. 207).
 
É neste sentido, acima descrito, que Paulo vai usar esta mesma expressão (“nascido de mulher”) para falar “sobre a inserção do Filho de Deus dentro da história humana por meio de sua mãe” (PERROT, 2013, p. 138), e não como que por um “acontecimento meta-histórico” (MUSSNER, 1987, p. 417), prevenindo, assim, “contra a possibilidade da espiritualização da humanidade de Cristo” (FERREIRA, 2005, p. 130); por isso, vai apenas falar que ele nasceu de sua mãe, sem mencionar seu nome, e nem se preocupa em falar que ele nasceu de José, embora soubesse disso (STAGLIANÒ, 2016, p. 68), mas o seu momento não lhe pede isso.
 
Jó encontra-se num momento difícil de sua vida, em meio a provações pessoais e familiares, inclusive religiosas (CLINES, 1989, p. 348), e seus “pensamentos retornam à sua situação desesperada, que atrai o seu olhar” (WAISER, 1975, p. 154). Depois de ter falado sobre Deus, ele volta a falar sobre o homem e sua situação limitada pela precariedade da vida humana. Ele sabe que “a vida útil do homem é limitada” (CLINES, 1989, p. 324), e tem consciência “de sua própria miséria” (TERRIEN, 1994, p. 138), bem como de toda a situação da limitação histórico-social de todo “nascido de mulher”.
 
Jó tem consciência de que também ele faz parte da raça humana e tudo aquilo que diz respeito ao ser humano, diz respeito a ele também. Ele sabe-se parte do gênero humano, que “é vulnerável por natureza” (WAISER, 1975, p. 154).
 
Seguindo a tradição veterotestamentária, Jó tem consciência de que o ser humano é indigno e impuro, e precisa ser purificado (cf. Lv 12; 15). Mais ainda, ele não tem dúvidas de que a precariedade da vida faz parte da realidade humana, pois “é por nascer da raça humana que o homem participa da natureza efêmera e fraca” (TERRIEN, 1994, p. 138). É neste sentido que a expressão “nascido de mulher” (Jó 14,1; 15,14; 25,4) já expressa bem o que ele está sentido e quer transmitir acerca da realidade frágil da vida humana. Jó sabe-se não diferente dos outros seres humanos, todos “nascidos de mulher”.
 
Para Jó, a vida humana é frágil e cheia de fadigas (CLINES, 1989, p. 324). Ele só encontra sentido para a vida na bondade de Deus, visto que o ser humano, pela sua própria natureza humana, está inclinado ao pecado (CLINES, 1989, p. 324). Por isso, a partir da situação de finitude do homem, o texto bíblico se abre para falar da pecaminosidade humana, pois: “O homem é abominável e corrompido. Ele bebe da iniquidade” (TERRIEN, 1994, p. 145-146; ODEN, 2010, p. 130). Para Jó, diante de todo este quadro de precariedade humana, “apenas uma intervenção pessoal de Deus pode mudar a situação do paciente” (WAISER, 1975, p. 284; TERRIEN, 1994, p. 138). Aliás, Jó “tem consciência da personalidade coletiva da humanidade” (TERRIEN, 1994, p. 139), e a sua reflexão discorre “sobre a fragilidade e a debilidade da vida humana […] e sobre as condições que levaram a humanidade a viver em fragilidade e miséria” (ODEN, 2010, p. 122). E é justamente esta “personalidade coletiva da humanidade” que vai ser recordada por Paulo, em Gl 4,4, apontando que Jesus participa desta historicidade do ser humano.
 
A CRÍTICA TEXTUAL
 
É muito importante recordar a discussão que existe ao redor de uma possível variante para γενμενον, que seria γεννμενον, ou ainda sobre a tradução para γενμενον como sendo tornou-se”. Fato é que o texto da LXX traduz a expressão por “nascer” e não por “tornar-se”, como também lemos nas traduções modernas inclusive para o texto de Sb 7,3 (Quadro 4):
 
Quadro 4 – Texto de Sb 7,3
 
E quando eu nasci, também eu respirei o ar que todos respiram; e ao cair na terra que recebe a todos do mesmo modo, fui como os outros: o primeiro som que saiu da minha boca foi o choro.
 
κα γ δ γενμενος σπασα τν κοινν ἀέρα κα π τν μοιοπαθ κατπεσον γν πρτην φωνν τν μοαν πσιν σα κλαων.
 
Fonte: Elaborado pelo autor.
 
Ainda importante é frisar que as edições críticas de Nestle-Aland28 The Greek New Testament sequer mencionam a variante γεννμενον, visto que a leitura γενμενον é amplamente sustentada pelos principais e mais importantes Unciais Papiros, enquanto que a variante γεννμενον é sustantada apenas por alguns manuscritos minúsculos e secundários. Aliás, a edição de Nestle-Aland28 tampouco coloca algum problema de crítica textual ou de possibilidade de variantes neste versículo.
 
Além disso, o contexto de Gl 4,4 pede um particípio aoristo (γενμενον, particípio aoristo médio deponente, acusativo masculino singular de γνομαι) e não um particípio presente (γεννμενον, particípio presente passivo nominativo neutro singular de γεννω), que é a forma usada em Lc 1,35, afirmando: “Por isso também o santo que nascer, será chamado Filho de Deus / δι κα τ γεννμενον γιον κληθσεται υἱὸς θεο, ou ainda como encontramos na narrativa da genealogia de Cristo em Mt 1,2-26, com uma sequência de γννησεν (verbo indicativo aoristo ativo 3 pes. sing. de γεννω), para se falar do pai que gera o filho, até se chegar a Jesus, diferentemente de Lc 3,23-38, que apenas diz que “ν υἱός / era filho de...”, e não que foi gerado.
 
Como em Gl 4,4, também na carta aos Romanos, encontramos o uso de γνομαι para falar de nascimento, como lemos em Rm 1,3: Acerca de seu Filho, nascido da descendência de Davi segundo a carne / περ το υο ατο το γενομνου κ σπρματος Δαυδ κατ σρκα”. Porém, a Vulgata traduziu γενμενον, em Gl 4,4, não por “natum” e sim por “factum”: “factum ex muliere, factum sub lege”, tradução esta que é conservada na Nova Vulgata.
 
Não obstante o contexto da afirmação “nascido de mulher” de Gl 4,4 se relacionar muito mais à questão da precariedade humana, Albert Vanhoye (1978) afirma que Paulo, ao dizer que o “Filho de Deus nasceu de uma mulher” também quer falar “da maternidade divina desta mulher”, ainda que não tenha dito de forma explícita “nascido da Virgem Maria” ou pelo menos “nascido de uma virgem” (VANHOYE, 1978, p. 240), pois o contexto pede não o linguajar de “um privilégio único”, como é o da concepção no seio da Virgem Maria e sim o da normal condição humana, com todas as suas precariedades (VANHOYE, 1978, p. 241; BONNARD, 1953, p. 86; BLIGH, 1972, p. 604). É neste sentido que precisamos entender a opção de Deus em enviar o seu Filho “seguindo a via comum de todos os homens. Toma forma no seio de sua mãe. É dado à luz por ela” (STOCK, 2006, p. 196). 

A maior estátua da Virgem Maria do mundo fica pronta!



A maior estátua da Virgem Maria do mundo está concluída! “Mãe de toda a Ásia”, desenhada pelo escultor Eduardo Castrillo, foi construída para comemorar os 500 anos da chegada do Cristianismo às Filipinas.

Apesar dos obstáculos da pandemia, as Filipinas concluíram uma obra faraônica: a maior estátua dedicada a Nossa Senhora no mundo! A estátua, dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Pobres e de toda a Ásia, foi construída perto da cidade de Batangas, no local de peregrinação de Montemaria.

A incrível altura da estátua

Feita de concreto e aço, ela tem 98,15 metros de altura, ultrapassando a Estátua da Liberdade nos Estados Unidos, a Estátua do Grande Buda na Tailândia, a Virgem da Paz na Venezuela e o Cristo Redentor no Rio de Janeiro.

“Sua altura equivale à de um prédio de 33 andares, número que representa os anos de vida de nosso Senhor Jesus na terra”, especificou Montemaria.

Papa quer institutos de vida consagrada longe de ideologias


O papa Francisco pediu aos institutos de vida consagrada que fujam das ideologias, porque «quando um Instituto se reformula do carisma para a ideologia, perde a sua identidade, perde a sua fecundidade”.

Em mensagem de vídeo que enviou esta segunda-feira, 17 de maio, aos participantes da Semana Nacional dos Institutos de Vida Consagrada da Espanha, o pontífice afirmou que “é triste ver como alguns institutos caíram em ideologias para buscar uma certa segurança, para poder se controlar. Ideologias de qualquer signo. De esquerda, de direita, de centro, de qualquer signo”.

“Manter vivo o carisma fundacional é mantê-lo no caminho e crescer, em diálogo com o que o Espírito vai nos dizendo na história dos tempos, nos lugares, nas diferentes épocas, nas diferentes situações”.

Isso, segundo Francisco, “implica discernimento e supõe oração. Não se pode manter um carisma fundacional sem coragem apostólica, isto é, sem caminhar, sem discernimento e sem oração”.

Manter vivo o carisma fundador “não é nos reunirmos para tocar violão e dizer 'que bela é a vida consagrada'”, disse o papa, mas “buscar juntos não nos perdermos em formulismos, em ideologias, nos medos, nos diálogos com nós mesmos e não com o Espírito Santo".

Para Francisco “a vida consagrada se entende ao caminhar, como sempre. Entende-se ao consagrar-se diariamente. Compreende-se no diálogo com a realidade”.

“Quando a vida consagrada perde essa dimensão de diálogo com a realidade e de reflexão sobre o que está acontecendo, ela começa a se tornar estéril. Pergunto-me sobre a esterilidade de alguns institutos de vida consagrada. Ao ver a causa, geralmente está na falta de diálogo e de compromisso com a realidade. Não deixem que isso aconteça. A vida consagrada é sempre um diálogo com a realidade”.

Cristãos são vítimas da violência em Gaza, denuncia Custódio da Terra Santa



Os cristãos na Terra Santa são vítimas inocentes da violência entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza, denunciou o Custódio da Terra Santa, padre Francesco Patton. “Eles se encontram no meio de dois protagonistas maiores que lutam entre si e acabam esmagados”, disse Patton. Segundo o custódio, a grande maioria dos cristãos na Palestina e em Israel é composta de árabes e trabalhadores estrangeiros.

O Custódio da Terra Santa é o ministro provincial, isto é, o superior principal, dos frades menores franciscanos que vivem no Oriente Médio.

“Basta dizer que uma das primeiras vítimas dos foguetes disparados de Gaza foi uma mulher indiana, migrante que trabalhava como cuidadora. Uma mulher de fé cristã que frequentava a nossa pastoral para os católicos indianos”, disse o custódio à agência de notícias da Conferência Episcopal Italiana.

“Até este momento não fomos afetados e não houve ataques contra nós”, disse Patton sobre os lugares santos. “Os santuários estão abertos regularmente, principalmente pela manhã por medida de precaução, como foi durante a pandemia, que em Israel já está sendo superada”.

Padre Patton lamenta que, apesar de se ter conseguido vencer a pandemia do coronavírus, “não é possível vencer a violência que ciclicamente volta a ensanguentar esta terra, como se o sangue derramado até agora não bastasse. Estamos vendo que, quando o fogo começa, fica difícil contê-lo”.

Para o padre Patton, “a polarização que testemunhamos nos últimos tempos produziu autênticas explosões de ódio destrutivo”.

“A morte de civis, com o número de vítimas aumentando a cada dia, alimenta uma espiral de violência em lados opostos”, situação que também afeta a convivência entre cidadãos israelenses. Cidades de Israel com população árabe e judia também experimentam violência sectária. “Estão abalando o equilíbrio da coexistência entre árabes-israelenses e judeus-israelenses dentro das cidades israelenses, onde foram registrados atualmente espancamentos, motins, saques e atos de intimidação”, disse o padre.

Símbolo em escolas católicas é a cruz, diz arcebispo canadense sobre bandeira gay



“A cruz fora das escolas católicas e de qualquer igreja, hospital ou instituição católica indica nosso compromisso de que todos os que entram sejam bem-vindos e amados em sua beleza e singularidade como filhos de Deus”, disse a Arquidiocese de Toronto em comunicado oficial depois que o Conselho Escolar Católico proclamou junho como o mês do “orgulho gay” e ordenou hastear a bandeira do movimento LGBT nas escolas que administra.

O sistema escolar católico na província de Ontário, da qual Toronto é a capital, é financiado por impostos e as escolas não são propriedade das dioceses em que operam. Embora os bispos estabeleçam currículos catequéticos e garantam o ministério sacramental em ambientes escolares, eles não exercem controle sobre os conselhos eleitos.

Os governos regionais estabelecem regras básicas para o funcionamento das escolas. As decisões locais são tomadas pelos conselhos diretivos eleitos pelos católicos nas eleições municipais.

No dia 6 de maio, o Conselho Escolar Católico de Toronto, eleito por voto popular, aprovou três moções: uma proclamando o “Mês do Orgulho LGBT” em junho de cada ano, outra permitindo que a bandeira gay fosse hasteada em todas as escolas e outra que permitia o hasteamento da bandeira gay na secretaria da escola. A assessoria “LGBTQ2S+” do conselho recomendou a aprovação das três moções.

Antes da votação do conselho, a arcebispo de Toronto, dom Thoas Collins, afirmou que os pais fazem uma “escolha clara” quando mandam seus filhos para uma escola católica. “Eles, com razão, esperam que administradores, diretores, professores e todos os parceiros na educação garantam que o ensino católico seja apresentado, vivido e inserido em tudo o que fazemos”.

“O símbolo apropriado que representa a nossa fé, a inclusão e aceitação dos outros, é a cruz, que é visível na entrada de cada escola católica. É o principal símbolo da nossa fé cristã: leva-nos a contemplar o amor generoso e sacrificado de Jesus, quando dá a vida por todos nós”.