terça-feira, 6 de julho de 2021

Relatório denuncia perseguição a cristãos por nacionalistas hindus na Índia


A associação Open Doors (Portas abertas) apresentou o relatório “Mentiras destrutivas: desinformação, discursos que incitam à violência e discriminação contra as minorias religiosas na Índia”, realizado pela London School of Economics and Political Science (LSE), que demonstra a existência de uma campanha sistemática de assédio, violações e assassinatos contra cristãos e muçulmanos, que tem feito com que essas minorias religiosas na Índia vivam sob o medo.

O relatório descreve a perseguição extrema que enfrentam cristãos e muçulmanos de todo o país, e denuncia as turbas violentas de patrulhas cidadãs, formadas por nacionalistas hindus, também conhecidos como Hinduvta.

Segundo o relatório, os ataques e ameaças contra as minorias são ignorados pelas instituições civis, incluindo governos estaduais e regionais, a polícia e os meios de comunicação, que favorecem as poderosas organizações Hinduvta do país.

Um dos relatores afirmou que “a cumplicidade dos representantes do Estado ante tais atos de violência tem escalado a níveis inimagináveis”. Ele pediu para permanecer no anonimato e disse que “os funcionários públicos, a polícia, os juízes de tribunais inferiores... todos são coniventes no assédio a estas minorias. Enquanto políticos, líderes religiosos e proprietários de poderosos meios de comunicação estão enviando claramente a mensagem de que este comportamento é desejável”.

Open Doors denunciou que, durante a crise da covid-19, cristãos e muçulmanos foram vítimas de campanhas de desinformação, afirmando que essas minorias estavam tentando, deliberadamente, propagar o vírus e infectar os hindus através de suas reuniões de culto.

O relatório também afirma que as redes sociais contribuíram para essa campanha de violência contra as minorias religiosas e que a cobertura dos meios de comunicação em algumas das agressões apenas mostra o ponto de vista dos agressores, sem conversar com as vítimas.

A investigação do relatório foi realizada entre fevereiro e março de 2021, em lugares onde já haviam sido registrados atos de violência anticristã ou antimuçulmana.

Papa Francisco se recupera no mesmo quarto que São João Paulo II


O papa Francisco se recupera da cirurgia no cólon realizado no domingo, 4 de julho, no mesmo quarto usado por São João Paulo II.

A Sala de Imprensa da Santa Sé informou hoje, 6 de julho, dois dias após a operação, que o Papa havia "descansado bem durante a noite" e que os resultados dos seus “exames de acompanhamento de rotina” foram bons.

"Esta manhã ele tomou o café da manhã, leu alguns jornais e levantou-se para caminhar", disse Matteo Bruni, diretor do escritório de imprensa da Sé Apostólica.

Francisco deve permanecer no Policlínico Gemelli o resto da semana. O quarto em que Francisco está fica no 10º andar do hospital em uma ala reservada aos papas. O quarto do papa pode ser visto da rua e é facilmente identificado por ter cinco grandes janelas cobertas por persianas brancas.

João Paulo II esteve ali quando foi baleado em uma tentativa de assassinato em 1981. São João Paulo II foi internado no hospital tantas vezes durante os 27 anos de seu pontificado que chamava o Policlínico Gemelli de "terceiro Vaticano", depois do Vaticano propriamente dito e de Castel Gandolfo, residência de verão dos papas.

A partir de 6 de julho, o discurso do Ângelus no domingo é o único evento no calendário público do papa Francisco para as próximas semanas. Tradicionalmente não há audiências gerais, visitas de bispos ou de chefes-de-estado durante o mês de julho.

Apoio de fiéis comove padre que denunciou ensino de poliamor em escola


Um grupo de fiéis do Santuário Diocesano de Frei Galvão, em Divinópolis (MG), comoveu o padre Chrystian Shankar com uma manifestação de apoio, após o sacerdote ser alvo de críticas por ter denunciado que uma escola da cidade está ensinando sobre “poliamor” para crianças e adolescentes. Diante do apoio o padre disse que, “às vezes, parece que sou um exército de um soldado só. Mas, não é verdade”.

Um vídeo publicado no canal de Youtube do sacerdote mostra o momento em que, com cartazes de “Eu apoio o padre Chrystian”, diversas pessoas se levantaram antes de um momento de Adoração no Santuário. Uma das paroquianas, falando em nome dos demais, disse: “Nós estamos aqui, padre, nós e mais de 1 milhão de pessoas que te seguem. Nós estamos aqui. Talvez sejamos poucos, mas estamos aqui”. O sacerdote, então, olhou emocionado para os fiéis.

Dirigindo-se ao padre, a paroquiana afirmou que ele é como um alpinista “que sempre enfrenta qualquer montanha que apareça em seu caminho”. “E o mais bonito em seu sacerdócio é ver o senhor enfrentar essas montanhas de frente, de peito aberto. Mesmo quando o medo vem, o senhor se desafia a superá-lo”.

“E nos momentos de frio e de escuridão, nós estaremos aqui para tentar iluminar um pouco os seus caminhos e sua vida. Fique firme, seja fiel e continue a sua luta, assim continuará a agradar o coração de Deus. Ao senhor, padre, que tem ganhado tantas cicatrizes para tornar nossas vidas e nossas famílias mais santas, o nosso profundo e sincero muito obrigado”, disse.

Em seguida, padre Chrystian Shankar deu início à Adoração ao Santíssimo Sacramento e, diante de Jesus Eucarístico, agradeceu pela manifestação de apoio que, segundo ele, “foi uma resposta de Deus”. “Hoje mesmo, em minhas orações, rezava pedindo para Deus um sinal se eu estava realmente no caminho certo. Dom José [Carlos de Souza Campos, bispo de Divinópolis] me dizia que a provação é sinal de que estamos no caminho certo. E saber que vocês também somam a tudo isso, me concede muita alegria. Vocês entenderam a mensagem”, afirmou.

“Agradeço a todos e a cada um o apoio. Às vezes, parece que sou um exército de um soldado só. Mas, não é verdade. Tantos nos apoiam, oram por nós. Se você fizer na sua casa um pouquinho de Deus, nossas famílias serão melhores e nós teremos dias melhores para os nossos filhos”, disse.

O sacerdote voltou a afirmar que é preciso respeitar o que as pessoas escolhem para suas vidas, mas pediu que “que deixem em paz as nossas crianças, os adolescentes”, para que “possam ser criados naquilo que é próprio da nossa família”. “Enquanto pudermos incutir no coração das crianças, dos pré-adolescentes os valores, as virtudes, o caminho de Jesus, nós devemos fazê-lo”.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Padre se retrata após homilia em que denunciou ensino de “poliamor” em escola


O bispo de Divinópolis, dom José Carlos de Souza Campos mandou o padre Chrystian Shankar se retratar de homilia proferida no dia 18 de junho em que denunciou, sem nomear, uma escola da cidade por estar ensinando sobre “poliamor” para crianças e adolescentes. Padre Shankar gravou um vídeo de retratação aos profissionais de educação e psicologia que se sentiram desrespeitados com a suposta generalização da crítica feita na homilia.

“Dom José conversou comigo, sempre muito ponderado, um pai, um amigo. Ele fez a seguinte colocação: o que o senhor disse, está coberto de razão, é um assunto sério, que acontece, esta família que te procurou trouxe um problema real”, disse o sacerdote. Entretanto, afirmou que “talvez a maneira como foi dito isso causou mal-estar em certos profissionais”. Por isso, pediu desculpas e se retratou pelo modo como falou, e não sobre o conteúdo da pregação.

Durante a homilia no dia 18 de junho, no Santuário Diocesano de Frei Galvão, em Divinópolis, padre Shankar contou que tinha sido procurado em sigilo por uma mãe que ouviu o filho em um telefonema sendo convidado por uma amiga para viver com ela e seu namorado uma relação a três. A mãe do adolescente entregou ao padre uma folha que teria sido usada na escola por uma psicóloga para discutir em sala de aula “novas modalidades de amor e de família”.

O sacerdote leu o conteúdo do material entregue pela mãe e comentou o caso. Alertou para o fato de acontecer em muitas escolas e buscar destruir a família e perverter as crianças. “Pegam as crianças que não têm valor ainda. Ensinando os pequenininhos que é assim, eles vão viver assim. A criança é uma tábua rasa. O plano deles é este”, disse.

O vídeo da homilia repercutiu nas redes sociais e, principalmente, na cidade de Divinópolis. Pessoas e entidades ligadas aos professores e psicólogos acusaram o sacerdote de ter ofendido essas duas classes profissionais.

Segundo nota divulgada pela assessoria de comunicação da diocese mineira ficou estabelecida a necessidade de que o padre “se retrate do modo universalizado, irreverente e pouco respeitoso com que falou dos profissionais da educação e da psicologia, mesmo que tenham suas pedagogias e abordagens próprias para seus trabalhos específicos”. A nota afirma ainda que o problema “fica localizado no modo de falar, nas referências aos sujeitos envolvidos, e não no assunto tratado, mesmo que o tema mereça muitos aprofundamentos ainda”.

Nesse sentido, durante uma live em seu Instagram no sábado, 26 de junho, o padre Shankar se retratou e pediu desculpas “por aqueles profissionais sérios, os bons profissionais que se sentiram injustamente atingidos pela minha fala”. “É lógico e claro que não foi a minha intenção. Mas, aqui a intenção não conta. Conta que me foi pedido que fizesse a retratação porque muitos entenderam que eu estava falando de todos os professores e todos os psicólogos, apesar de que o assunto era bem situado, aquela situação, aquela psicóloga, aquele professor, mas deu a entender, por interpretações diversas, que eu estava generalizando”, afirmou.

O sacerdote também falou sobre a nota da diocese de Divinópolis e afirmou que muitos, ao comentá-la, prenderam-se apenas na retratação. Porém, chamou a atenção para o fato de que o mesmo documento diz que o tema abordado na homilia “toca a compreensão doutrinal da Igreja Católica acerca do amor, do relacionamento, do matrimônio, da sexualidade, da vida” e que “há um direito institucional, constitucional e democrático de trazer a público e anunciar a verdade acerca desta matéria na ótica da fé cristã”.

“A Igreja, a partir da Palavra de Deus, da sagrada tradição e do magistério eclesiástico, tem uma palavra sim”, disse Shankar. “Nós que somos cristãos católicos temos uma palavra e temos uma opinião sobre amor, relacionamento, matrimônio, sexualidade e vida. E a nossa opinião é através da ótica cristã”.

Segundo ele, disso se pressupõe “que é minha obrigação, é um dever que se me impõem como sacerdote” falar sobre o assunto. “Não posso abrir mão daquilo que é meu dever de orientar o povo de Deus naquilo que tange à nossa fé cristã católica, baseada na Bíblia, no magistério da Igreja e na sagrada tradição”.

São Pedro e São Paulo dão a liberdade que o mundo não pode dar, diz o papa

 
SANTA MISSA E BÊNÇÃO DOS PÁLIOS
  PARA OS NOVOS ARCEBISPOS METROPOLITANOS
 NA SOLENIDADE DOS SANTOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica de S. Pedro
Terça-feira, 29 de junho de 2021

Dois grandes Apóstolos, Apóstolos do Evangelho, e duas colunas angulares da Igreja: Pedro e Paulo. Hoje celebramos a sua festa. Observemos de perto estas duas testemunhas da fé: no centro da sua história, não está a própria destreza; no centro, está o encontro com Cristo que lhes mudou a vida. Fizeram a experiência de um amor que os curou e libertou e, por isso, tornaram-se apóstolos e ministros de libertação para os outros.

Pedro e Paulo são livres unicamente porque foram libertados. Detenhamo-nos neste ponto central.

Pedro, o pescador da Galileia, foi libertado em primeiro lugar da sensação de ser inadequado e da amargura de ter falido, e isso verificou-se graças ao amor incondicional de Jesus. Embora fosse um hábil pescador, várias vezes experimentou, em plena noite, o sabor amargo da derrota por não ter pescado nada (cf. Lc 5, 5; Jo 21, 5) e, perante as redes vazias, sentiu a tentação do desânimo; apesar de forte e impetuoso, muitas vezes se deixou tomar pelo medo (cf. Mt 14, 30); embora fosse um discípulo apaixonado do Senhor, continuou a pensar à maneira do mundo, sem conseguir entender e aceitar o significado da Cruz de Cristo (cf. Mt 16, 22); apesar de dizer-se pronto a dar a vida por Ele, bastou sentir-se suspeitado de ser um dos Seus para se atemorizar chegando a negar o Mestre (cf. Mc 14, 66-72).

Mas Jesus amou-o desinteressadamente e apostou nele. Encorajou-o a não desistir, a lançar novamente as redes ao mar, a caminhar sobre as águas, a olhar com coragem para a sua própria fraqueza, a segui-Lo pelo caminho da Cruz, a dar a vida pelos irmãos, a apascentar as suas ovelhas. Deste modo libertou-o do medo, dos cálculos baseados apenas nas seguranças humanas, das preocupações mundanas, infundindo nele a coragem de arriscar tudo e a alegria de se sentir pescador de homens. Foi precisamente a ele que chamou para confirmar na fé os irmãos (cf. Lc 22, 32). Como ouvimos no Evangelho, deu-lhe as chaves para abrir as portas que levam a encontrar o Senhor e o poder de ligar e desatar: ligar os irmãos a Cristo e desatar os nós e as correntes das suas vidas (cf. Mt 16, 19).

Tudo isto só foi possível, porque antes, como nos dizia a primeira Leitura, Pedro foi libertado. As correntes que o mantêm prisioneiro são quebradas e, tal como aconteceu na noite da libertação dos israelitas da escravidão do Egito, é convidado a levantar-se depressa, colocar o cinto e calçar as sandálias para sair. E o Senhor abre as portas diante dele (cf. At 12, 7-10). É uma nova história de abertura, de libertação, de correntes quebradas, de saída do cárcere que o prende. Pedro faz a experiência da Páscoa: o Senhor libertou-o.

Também o apóstolo Paulo experimentou a libertação por obra de Cristo. Foi libertado da escravidão mais opressiva, a de si mesmo, e de Saulo – nome do primeiro rei de Israel – tornou-se Paulo, que significa «pequeno». Foi libertado também daquele zelo religioso que o tornara fanático na defesa das tradições recebidas (cf. Gal 1, 14) e violento ao perseguir os cristãos. Foi libertado. A observância formal da religião e a defesa implacável da tradição, em vez de o abrir ao amor de Deus e dos irmãos, haviam-no endurecido: era um fundamentalista. Foi disto que Deus o libertou; ao invés, não o poupou a tantas fraquezas e dificuldades que tornaram mais fecunda a sua missão evangelizadora: as canseiras do apostolado, a enfermidade física (cf. Gal 4, 13-14); as violências e perseguições, os naufrágios, a fome e sede, e – segundo as suas próprias palavras – um espinho que o atormentava na carne (cf. 2 Cor 12, 7-10).

Paulo compreendeu assim que «o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte» (1 Cor 1, 27), que tudo podemos n’Ele que nos dá força (cf. Flp 4, 13), que nada poderá jamais separar-nos do seu amor (cf. Rm 8, 35-39). Por isso, no final da sua vida, como nos dizia a segunda Leitura, Paulo pode dizer: «o Senhor esteve comigo» e «me livrará de todo o mal» (2 Tm 4, 17.18). Paulo fez a experiência da Páscoa: o Senhor libertou-o.

Bispo pede que padre se retrate após dizer que escolas querem perverter



O padre Chrystian Shankar, que acusou as escolas de quererem “perverter” crianças e adolescentes, terá que se desculpar com educadores e psicólogos. A decisão foi tomada após conversa com o bispo Dom José Carlos de Souza Campos, da Diocese de Divinópolis, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais.

Um vídeo do sacerdote falando sobre poliamor durante uma missa viralizou na terça-feira (22/6) nas redes sociais. Nele, ele dizia que foi procurado por pais de um adolescente que o questionaram quanto a  como lidar com o filho, após ele ter sido convidado pela melhor amiga para uma relação a três.

O convite teria sido feita após a menina ter participado de uma suposta palestra em uma escola da rede privada de Divinópolis. O nome não foi revelado pelo padre. Ao longo da semana, professores e psicólogos criticaram as declarações, alegando que as classes foram generalizadas. Eles também cobram transparência e que a instituição seja revelada.
 
Tratando o tema como “grave, pertinente e inadiável”, a Diocese disse que ficou estabelecido entre o bispo e o padre a “necessidade que ele se retrate do modo universalizado, irreverente e pouco respeitoso com que falou dos profissionais da educação e da psicologia, mesmo que tenham suas pedagogias e abordagens próprias para seus trabalhos específicos”.

“Ele fará isso em breve. E se comprometeu a evitar este tipo de discurso. Como também manifestou ao bispo que não tinha a intenção de provocar esse mal-entendido, mas levar à reflexão e efetivo interesse dos pais na educação dos filhos”, informou.

O problema, conforme consta na nota, fica localizado no modo de falar, nas referências aos sujeitos envolvidos e não no assunto tratado. “Mesmo que o tema mereça muitos aprofundamentos ainda”, destacou. 

domingo, 27 de junho de 2021

A CPI, a ciência e o realismo cristão



A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, com suas “revelações” (na maioria das vezes apenas confirmações do que já se sabia), suas jogadas políticas e seus lances intempestivos, tem sido o principal foco da mídia brasileira nos últimos tempos. Num dos países com maior número de mortes por Covid-19 no mundo todo, onde as políticas públicas de enfrentamento à pandemia são continuamente questionadas por um lado ou outro do espectro político, acabando julgadas no Supremo Tribunal Federal, todos os esforços para apurar responsabilidades e melhorar a gestão da saúde pública são bem-vindos.

Infelizmente, todas as questões que envolvem o Estado tendem a ser instrumentalizadas nos jogos de poder e espetacularizadas por políticos desejosos de projeção midiática e ganhos eleitorais. Além disso, frequentemente, nesse contexto, existem dúvidas bem fundamentadas sobre a idoneidade tanto dos acusados quanto dos acusadores. Essa situação gera um misto de raiva e frustração, que é compreensível, mas não ajuda a um posicionamento justo e construtivo na resolução dos problemas ou em nosso posicionamento político.

A doutrina social da Igreja não pode responder a perguntas como “as vacinas ou o tratamento precoce são eficazes contra a Covid-19?”, “houve corrupção na compra de vacinas e outros insumos no período da pandemia?”. São questões que dependem de análises científicas e de averiguações policiais. Contudo, a sabedoria da Igreja pode nos ajudar a termos uma postura mais adequada para avaliar as conclusões vindas da ciência, as informações obtidas nas investigações e a própria conduta das personalidades públicas envolvidas.

O bom uso da ciência

Durante os depoimentos dados na CPI, frequentemente se falou “em nome da ciência” ou se pediu para que fossem ouvidas “as duas partes da ciência”, como se a informação científica fosse uma questão de posição num espectro político-ideológico. A ciência é um modo de conhecermos a realidade, não o único, mas aquele que se mostrou mais eficiente ao longo da história humana. A própria doutrina católica reconhece o seu valor nesse sentido, inclusive no enfrentamento à pandemia de Covid.

Não existem duas ciências. Contudo, seus resultados se baseiam em dados observados e, caso sejam numéricos, analisados em termos estatísticos. Quando muitos cientistas, em locais diferentes, estudam o mesmo problema, certas conclusões podem diferir das demais. Nesses casos, cabe à comunidade científica se debruçar sobre os resultados diferentes, compará-los, verificar quais são os mais frequentes e quais as eventuais explicações para as discrepâncias observadas. Ao longo dos séculos, foram desenvolvidos métodos rigorosos para realizar essas verificações e os bons cientistas estão capacitados para aplicar esses métodos e dizerem o que, provavelmente, está mais correto.

Esse era o caso, por exemplo, dos tratamentos precoces e do distanciamento social. Alguns resultados pareciam confirmar a eficácia dos tratamentos precoces, mas o conjunto das pesquisas realizadas no mundo mostraram que eles não apresentavam os efeitos prometidos. Os estudos também demonstraram que o distanciamento social não resolvia os problemas, mas com certeza evitava um mal maior. Nesse segundo caso, outra questão importante é a do uso adequado das políticas de distanciamento social. Quanto mais bem feito e consciencioso, mais proteção contra a pandemia e menor seu custo socioeconômico. Essas constatações não são posicionamentos ideológicos, mas a aceitação de nosso melhor instrumento para conhecer a realidade.

Ciência e moral

A ciência não nos diz o que fazer, apenas nos informa sobre as consequências concretas mais prováveis para nossas ações. A decisão do que fazer é um discernimento ético, que se baseia num conjunto de fatores, inclusive dos dados científicos. O problema do chamado negacionismo é a recusa em aceitar a realidade tal qual ela se apresenta nesse momento. É uma opção moral, ainda que geralmente inconsciente, de colocar a própria opinião ou o próprio desejo acima da realidade – em clara oposição ao realismo que historicamente orientou o pensamento católico.

Nesse sentido, é forçoso reconhecer, o erro do governo não foi ter uma opinião favorável ao tratamento precoce, mas sim colocar opiniões pessoais, defendidas por leigos ou por uma parcela minoritária de médicos, acima das conclusões resultantes de avaliações embasadas nos dados mais completos, tomadas pela maioria dos cientistas especializados nessas questões. Nada impede uma equipe de pesquisadores de continuar fazendo pesquisas com o tratamento precoce, mas o gestor público deve se orientar pelas conclusões mais bem fundamentadas naquele momento. Não se trata de cientificismo, mas de responsabilidade moral frente ao bem comum.

O circo político

As CPI são um instrumento para que deputados e senadores possam exercer uma de suas funções, como representantes do povo, que é a de fiscalizar a administração pública. Nesse sentido, a existência de uma CPI já indica que o sistema não funcionou adequadamente. Em primeiro lugar, porque existe uma dúvida minimamente fundamentada sobre o desempenho do governo. Em segundo lugar, porque representantes do povo terão que desempenhar um papel próprio da autoridade judicial – e não do legislativo.

Essa “disfuncionalidade” se torna evidente na tomada de depoimentos nas CPI. Os deputados e senadores não estão familiarizados com interrogatórios e algumas vezes parecem mais estar se apresentando num palanque do que inquirindo uma testemunha. Acusados de corrupção se apresentam como defensores da moralidade pública ao interrogar os depoentes. A truculência das perguntas muda em função do sexo e da posição política do interrogado.

Daí a frequente comparação entre as CPI e um “circo”, um espetáculo para o público, e não uma investigação de responsabilidades. Trata-se de uma limitação inerente ao sistema democrático em seu conjunto. É justo trabalhar para que o sistema como um todo se mostre mais eficiente, demonstrando mais seriedade e construindo melhor o bem comum. Contudo, não se pode usar essas fragilidades como justificativa para ignorar o trabalho de fiscalização do poder público ou para pactuar com a impunidade.

Onde ciência e religião dialogam para enfrentar o coronavírus


Num momento de tantas polêmicas sobre quarentenas e drogas alternativas, de busca de solidariedade e esperança, precisamos ter claro como, na perspectiva católica, pode haver um diálogo entre ciência e religião – e como ele nos ilumina na luta contra a Covid-19. A Santa Sé conta com órgãos voltados especificamente para o diálogo com a ciência e a técnica no mundo atual. Em fins de março, três deles lançaram documentos voltados especificicamente à crise atual. As Pontifícias Academias de Ciências e de Ciências Sociais publicaram, em coautoria, Responding to the Pandemic, Lessons for Future Actions and Changing Priorities (em português: “Respondendo à pandemia, lições para ações futuras e mudança de prioridades”) e a Pontifícia Academia para a Vida, Pandemia y Fraternidad Universal (título da versão em espanhol).

As três academias caminham no mesmo sentido, exortando o trabalho dos cientistas e o apoio dos governos à pesquisa (ainda que reconhecendo os limites inerentes ao conhecimento científico); chamando os entes públicos à responsabilidade diante da vida das pessoas, particularmente dos mais pobres e vulneráveis; valorizando a solidariedade entre todos na sociedade e a cooperação internacional. Pode parecer que esses tópicos, assim resumidos, apenas façam coro às posições externalizadas pela maior parte da mídia e da opinião pública. Mas, na verdade, sua implicação é muito maior.

O realismo diante da ciência

O cristianismo sempre procurou se afastar das superstições e ilusões. Por isso, na Antiguidade e na Idade Média, realizou um intenso diálogo com a filosofia, confiante em que a verdade é sempre única, ainda que se manifeste de muitas formas, e todos os que a buscam sinceramente podem se entender. A doutrina católica condena, por isso, tanto a ideologia negacionista, que não quer reconhecer o conhecimento científico quando esse contraria sua visão de mundo, quanto a ideologia cientificista, que espera usar a ciência para validar o comportamento humano e a moral.

Trata-se de uma postura realista em relação à ciência. A investigação baseada no método científico mostrou que não podemos confiar de modo inquestionável em nossa percepção da realidade, pois ela muitas vezes é falha. O exemplo clássico e o de uma vara mergulhada em águas claras: ela parece “se quebrar” na superfície e sofrer um pequeno desvio na parte submersa, por causa de uma ilusão de ótica explicada pela física. A ciência elucida o fenômeno e mostra o erro de nossos sentidos. No mundo atual, não podemos simplesmente negar os dados da ciência porque eles nos desagradam. Mas os cientistas também erram. Um importante filósofo da ciência, Karl Popper, afirma que a ciência nunca pode afirmar com certeza quando uma afirmação é certa, apenas quando é errada. O fato de todas as evidências corroborarem uma hipótese, não significa que amanhã não surgirá uma nova evidência que mostre seu erro. Basta essa única evidência contrária para sabermos que a teoria está errada e deve ser descartada ou revista. O bom cientista está sempre disposto a reconhecer erros em suas teorias e render-se a novas evidências.

Para que um trabalho científico ser aceito, deve passar por uma “revisão por pares”, isso é, outros cientistas que conhecem profundamente o assunto devem fazer uma revisão do estudo, para verificar se a metodologia foi bem aplicada, se os dados não foram falseados e se as conclusões fazem sentido. É esse sistema que faz o conhecimento científico atual tão consistente e confiável, em contraposição às teses negacionistas que se baseiam em percepções subjetivas e individuais da realidade.