domingo, 2 de abril de 2023

V Pregação da Quaresma: “Tende coragem, eu venci o mundo!”


“Tende coragem, eu venci o mundo!”

Quinta Pregação da Quaresma de 2023

“No mundo, tereis aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16,33). Santo Padre, Veneráveis Padres, irmãos e irmãs, estas estão entre as últimas palavras que Jesus dirige aos seus discípulos, antes de se despedir deles. Elas não são o habitual “Tende coragem!” dirigido a quem fica, da parte de alguém que está prestes a partir. Acrescenta, de fato: “Não vos deixarei órfãos, venho a vós” (Jo 14,18).

O que significa “venho a vós”, se está para deixá-los? De que modo e com que veste virá e permanecerá com eles? Se não entendermos a resposta a esta pergunta, jamais entenderemos a verdadeira natureza da Igreja. A resposta está presente, como uma espécie de tema recorrente, nos discursos de adeus do Evangelho de João e é bom, por uma vez, escutar seguidamente os versículos em que ela se torna a nota dominante. Façamo-lo com a atenção e a emoção com que os filhos escutam as disposições do pai acerca do bem mais precioso que está prestes a lhes deixar:

E eu pedirei ao Pai, e ele vos dará um outro Paráclito, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê, nem o conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e está em vós (14,16-17).

Ora, o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito (14,26).

Quando vier o Paráclito, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade que procede do Pai, ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o começo (15,26-27).

É bom para vós que eu vá. Se eu não for, o Paráclito não virá a vós, mas se eu for, eu o mandarei a vós (16,7).

Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas não sois capazes de suportá-las agora. Quando ele vier, o Espírito da Verdade, então ele vos guiará a toda a verdade. Ele não falará de si mesmo, mas dirá tudo quanto tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vos anunciará (16,12-14).

Mas o que é, e quem é o Espírito Santo que ele promete? É ele mesmo, Jesus, ou um outro? Se é ele mesmo, por que diz em terceira pessoa: “Quando vier o Paráclito...”; se é um outro, por que diz em primeira pessoa: “Venho a vós”? Tocamos o mistério da relação entre o Ressuscitado e o seu Espírito. Relação tão estreita e misteriosa, que São Paulo parece às vezes identificá-los. Escreve, de fato: “O Senhor é o Espírito”, mas logo acrescenta sem solução de continuidade: “e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17). Se é o Espírito do Senhor, não pode ser, pura e simplesmente, o Senhor.

A resposta da Escritura é que o Espírito Santo, com a redenção, tornou-se “o Espírito de Cristo”; é o modo com que o Ressuscitado assim opera na Igreja e no mundo, tendo sido, “segundo o Espírito de santidade, constituído Filho de Deus com poder, desde a ressurreição dos mortos” (Rm 1,4). Eis porque ele pode dizer aos discípulos: “É bom para vós que eu vá” e acrescentar: “não vos deixarei órfãos”.

Devemos nos libertar completamente de uma visão da Igreja, que foi se formando pouco a pouco e se tornou dominante na consciência de muitos fiéis. Eu a defino uma visão deísta ou cartesiana, pela afinidade que ela tem com a visão do mundo do deísmo cartesiano. Como era concebida a relação entre Deus e o mundo nessa visão? Mais ou menos assim: Deus, no início, cria o mundo e depois se retira, deixando que se desenvolva com as leis que ele deu; como um relógio, ao qual foi dado corda suficiente para funcionar indefinidamente por conta própria. Cada nova intervenção de Deus atrapalharia esta ordem, razão pela qual os milagres são considerados inadmissíveis. Deus, ao criar o mundo, faria como alguém que dá um leve tapa em um balão de gás e o impulsiona para o ar, permanecendo ele por terra.

O que significa esta visão aplicada à Igreja? Que Cristo fundou a Igreja, dotou-a de todas as estruturas hierárquicas e sacramentais para funcionar, e depois a deixou, retirando-se em seu céu, no momento da Ascensão. Como alguém que empurra um pequeno barco ao mar, permanecendo ele à margem.

Mas não é assim! Jesus subiu no barco e está dentro dele. É preciso levar a sério as suas últimas palavras, em Mateus: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). A cada nova tempestade, inclusive as hodiernas, ele nos repete o que disse aos apóstolos no episódio da tempestade acalmada: “Por que tendes medo, fracos na fé?” (Mt 8,26). Não estou convosco? Posso eu afundar? Pode afundar no mar aquele que criou o mar?

Notei com alegria que, no Anuário Pontifício, sob o nome do Papa, está apenas o título “Bispo de Roma”; todos os demais títulos – Vigário de Jesus Cristo, Sumo Pontífice da Igreja Universal, Primaz da Itália, etc. – são elencados como “títulos históricos” na página seguinte. Parece-me justo, sobretudo em relação a “Vigário de Jesus Cristo”. Vigário é alguém que faz as vezes na ausência do chefe, mas Jesus Cristo jamais se ausentou e jamais se ausentará da sua Igreja. Com a sua morte e ressurreição, ele se tornou “Cabeça do corpo, que é a Igreja” (Cl 1,18), e assim continuará a ser até o fim dos tempos: o verdadeiro e único Senhor da Igreja.

A sua não é uma presença, por assim dizer, moral e intencional, não é um senhorio por procuração. Quando não podemos presenciar algum evento pessoalmente, normalmente dizemos: “Estarei presente espiritualmente!”, o que não é de grande consolação ou ajuda a quem nos convidou. Quando dizemos que Jesus está presente “espiritualmente”, esta presença espiritual não é uma forma menos forte daquela física, mas infinitamente mais real e eficaz. É a presença dele ressuscitado, que age no poder do Espírito, age em todo tempo e lugar, e age dentro de nós.

Se, na atual situação de crescente crise energética, se descobrisse a existência de uma fonte de energia nova, inesgotável; se finalmente se descobrisse como utilizar à vontade e sem efeitos negativos a energia solar, que alívio seria para a humanidade inteira! Pois bem, a Igreja tem, em seu campo, uma semelhante fonte inesgotável de energia: o “poder do alto”, que é o Espírito Santo. Jesus pôde dizer dele: “Até agora, nada pedistes em meu nome. Pedi e recebereis, para que vossa alegria seja completa (Jo 16,24).

Há um momento na história da salvação que se aproxima das palavras de Jesus na última ceia. Trata-se do oráculo do profeta Ageu. Diz:

No sétimo mês, no vigésimo primeiro dia do mês, veio a palavra do Senhor por meio do profeta Ageu, nestes termos: “Dize a Zorobabel, filho di Sealtiel, governador de Judá, a Josué, filho de Josedec, sumo sacerdote, e a todo o resto do povo: Quem é dentre vós o sobrevivente que viu esta Casa na sua primeira glória? E como vós a estais vendo agora? Tal como está, não é como nada a vossos olhos? Agora, sê forte, Josué, filho de Zorobabel, oráculo do Senhor, sê forte, Josué, filho de Josedec, sumo sacerdote, sê forte, todo povo da terra – oráculo do Senhor – e trabalhai! Pois eu estou convosco, oráculo do Senhor dos exércitos... meu espírito permanecerá em vosso meio; não temais!” (Ag 2,1-5).

É um dos pouquíssimos textos do Antigo Testamento que pode ser datado com precisão: é o dia 17 de outubro de 520 a.C. Não nos parece que é descrita, nas palavras de Ageu, a situação atual da Igreja Católica, e, por tantos aspectos, a de toda a cristandade? Quem de nós é idoso o bastante, recorda com saudade os tempos, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em que as igrejas lotavam aos domingos, matrimônios e batismos se sucediam na paróquia, os seminários e noviciados abundavam de vocações... “E como nós a estamos vendo agora?”, poderíamos dizer com Ageu? Não vale a pena gastar tempo para repetir o elenco dos males presentes, daqueles que, para alguns, aparecem comente ruínas, não diferentes das ruínas da Roma antiga que temos em todo o entorno desta cidade.

IV Pregação da Quaresma: “Mysterium Fidei!”

 
“MYSTERIUM FIDEI!”
Reflexões sobre a Liturgia
 
Quarta Pregação da Quaresma de 2023
 
Após aquelas sobre a evangelização e sobre a teologia, gostaria de propor hoje algumas reflexões sobre a liturgia e sobre o culto da Igreja, sempre com o intuito de dar uma contribuição, por mais modesta e indireta, aos trabalhos do Sínodo. A liturgia é o ponto de chegada, aquilo a que tende a evangelização. Na parábola evangélica, os servidores são enviados pelas estradas e encruzilhadas para convidar todos ao banquete. A Igreja é a sala do banquete e a Eucaristia, “a ceia do Senhor” (1Cor 11,20) nela preparada.

Iniciemos, em nossas reflexões, de uma palavra da Carta aos Hebreus: Quem se aproxima de Deus – diz ela – deve crer que ele existe” (Hb 11,6). Antes ainda, contudo, de crer que ele existe (que é já um aproximar-se), é necessário sentir ao menos o “aroma” da sua existência. Isto é o que chamamos de senso do sagrado e que um famoso autor chama “o numinoso”, qualificando-o como “mistério tremendo e fascinante”[1]. Santo Agostinho antecipou surpreendentemente esta descoberta da moderna Fenomenologia religiosa. Dirigindo-se a Deus, nas Confissões, diz: “Quando te conheci pela primeira vez..., tremi de amor e de assombro: contremui amore et orrore”[2]. E ainda: “Estremeço e inflamo” (et inhorresco et inardesco): estremeço pela distância, inflamo pela semelhança”[3].

Se viesse a faltar completamente o senso do sagrado, viria a faltar o próprio terreno, ou o clima, em que desabrocha o ato de fé. Charles Péguy escreveu que “a assustadora penúria e indigência do sagrado é a marca profunda do mundo moderno”. Se caiu o senso do sagrado, dele permaneceu, contudo, o lamento que alguém definiu, de forma laica, “saudade do Totalmente Outro” (Max Horkheimer).

Os jovens, mais do que todos, percebem esta necessidade de serem transportados para fora da banalidade do cotidiano, de escapar, e inventaram seus próprios modos de satisfazer esta necessidade. Foi observado por estudiosos da psicologia de massa que os jovens que participaram há um tempo de famosos shows de rock, como os de Elvis Presley ou o Festival de Woodstock de 1969, eram transportados para fora do seu mundo cotidiano e projetados em uma dimensão que lhes dava a impressão de algo transcendente e sagrado.

Não diversamente, acontece para aqueles que participam hoje dos megashows de cantores e grupos musicais. O fato de estarem em muitos e vibrarem em uníssono com uma massa, amplifica infinitamente a própria emoção. Tem-se o sentimento de fazer parte de uma realidade diversa, superior, que dá lugar a uma espécie de “devoção”. O termo “fã” (abreviação, como sabemos de fanatic, isto é, fanático) é o corresponde secularizado de “devoto”. A qualificação de “ídolos” dada aos seus queridos tem uma profunda correspondência com a realidade.

Essas reuniões de massa podem ter o seu valor artístico e por vezes veicular mensagens nobres e positivas, como a paz e o amor. São “liturgias”, no sentido originário e profano do termo, isto é, espetáculos oferecidos ao público, por dever, ou para obter o seu favor. Não têm, contudo, nada a ver com a autêntica experiência do sagrado. No título “Divina liturgia”, o adjetivo “divina” foi acrescentado justamente para distingui-la das liturgias humanas. Há uma diferença qualitativa entre as duas coisas.

Tentemos ver por quais meios a Igreja pode ser, para os homens de hoje, o lugar privilegiado de uma verdadeira experiência de Deus e do transcendente. A primeira ocasião a que se pensa, também pela semelhança externa, são a grandes reuniões promovidas pelas várias Igrejas cristãs. Pensemos, por exemplo, nas Jornadas Mundiais da Juventude, e nos inúmeros eventos – congressos, convenções e convocações – dos quais tomam parte dezenas (às vezes centenas) de milhares de pessoas em todo o mundo. É incontável o número de pessoas pelas quais tais eventos foram ocasião de uma forte experiência de Deus e o início de uma relação nova e pessoal com Cristo.

O que faz a diferença entre este tipo de encontros de massa e aqueles acima descritos é que aqui, o protagonista não é uma personalidade humana, mas Deus. O senso do sagrado que se experimenta neles é o único verdadeiramente genuíno, e não uma substituição, pois é suscitado pelo Santo dos Santos e não por um “ídolo”.

Todavia, são eventos extraordinários, dos quais nem todos e nem sempre podem participar. A ocasião por excelência e mais comum, para uma experiência do sagrado na Igreja, é a liturgia. A liturgia católica se transformou, em pouco tempo, de ação com forte traço sacral e sacerdotal, a ação mais comunitária e participada, onde todo o povo de Deus tem a sua parte, cada um com o próprio ministério.

Gostaria de tentar dizer como eu vejo e explico a mim mesmo esta mudança. Não é absolutamente para me colocar como juiz do passado, mas para compreender melhor o presente. O presente, na Igreja, jamais é negação do passado, mas seu enriquecimento; ou ainda, como neste caso, superação do passado recente para recuperar o mais antigo e originário.

Na evolução da Igreja entendida como povo, acontece algo parecido ao que acontece à Igreja entendida como edifício. Pensemos em algumas célebres basílicas e catedrais: quantas transformações arquitetônicas no curso dos séculos para responder às necessidades e aos gostos de cada época! Mas é sempre a mesma Igreja, dedicada ao mesmo santo. Se há uma tendência geral em ato em época moderna, é aquela de reportar tais edifícios – quando isso é possível e vale a pena – à sua estrutura e estilo originários. A mesma tendência está em ato para a Igreja como povo de Deus e, particularmente, para a sua liturgia. O Concílio Vaticano II foi um seu momento decisivo, mas não o início absoluto. Ele colheu os frutos de muito trabalho precedente.

Certamente, não é o caso de adentrarmos aqui na história secular da Liturgia – outros o fizeram e, justamente do ponto de vista que nos interessa[4]. Gostaria apenas de evidenciar a evolução que se refere ao senso do sagrado. No início da Igreja e para os três primeiros séculos, a liturgia é realmente uma “liturgia”, isto é, ação do povo (laos, povo, está entre as componentes etimológicas de leitourgia). De São Justino, da Traditio Apostolica de Santo Hipólito e outras fontes do tempo, obtemos uma visão da Missa certamente mais próxima àquela reformada de hoje, do que aquela dos séculos que temos às costas. O que aconteceu depois de então? A resposta é, em uma palavra que não podemos evitar, mesmo se exposta a abuso: clericalização! Em nenhum outro âmbito ela agiu mais vistosamente do que na liturgia.

O culto cristão e, particularmente, o sacrifício eucarístico, transformou-se rapidamente, no Oriente e no Ocidente, de ação do povo em ação do clero. Por séculos e séculos, a parte central da Missa, o Cânon, era pronunciado em latim pelo sacerdote a voz baixa, atrás de uma cortina o um muro (um templo no templo!), fora da vista e da escuta do povo. O celebrante aumentava a voz apenas nas palavras finais do Cânon: “Per omnia saecula saeculorum”, e o povo respondia “Amém!” ao que não tinha ouvido e muito menos entendido. O único contato com a Eucaristia, anunciado pelo som dos sinos ou da campainha, era o momento da elevação da Hóstia. Há um evidente retorno ao que acontecia no culto do Antigo Testamento, quando o Sumo Sacerdote entrava no Sancta sanctorum, com incensos e sangue das vítimas, e o povo permanecia fora trêmulo, extenuado pelo senso da majestade e inacessibilidade de Deus.

O senso do sagrado é fortíssimo aqui, mas, após Cristo, é aquele o justo e genuíno? Esta é a pergunta crucial. Lemos na Carta aos Hebreus: De fato, não vos aproximastes... de um fogo palpável e ardente, de escuridão, treva e tempestade, da trombeta retumbante e do clamor das palavras... O espetáculo era tão medonho, que Moisés disse: “Estou apavorado e tremendo” (Ex 19,16-18; Dt 9,19). Vós, ao contrário, vos aproximastes... de Jesus, o mediador da nova aliança e da aspersão com um sangue mais eloquente que o de Abel (Hb 12,18-24). Cristo penetrou além do véu e não fechou o limite atrás de si (Hb 10,20).

domingo, 19 de março de 2023

III Pregação da Quaresma: "Deus é amor".


“DEUS É AMOR!”

Terceira Pregação, Quaresma de 2023
 

Há necessidade da teologia!

Para a minha e a sua consolação, Santo Padre, Veneráveis Padres, irmãos e irmãs, esta meditação será centrada toda e apenas sobre Deus. A teologia, isto é, o discurso sobre Deus, não pode permanecer estranha à realidade do Sínodo, como não pode permanecer estranha a qualquer outro momento da vida da Igreja. Sem a teologia, a fé se tornaria facilmente morta repetição; careceria do instrumento principal para a sua inculturação.

Para desempenhar esta tarefa, a teologia necessita, ela própria, de uma renovação profunda. O que o povo de Deus necessita é uma teologia que não fale de Deus sempre e apenas “em terceira pessoa”, com categorias frequentemente tomadas do sistema filosófico do momento, incompreensíveis fora do círculo restrito dos “iniciados”. Está escrito que “o Verbo se fez carne”, mas, na teologia, frequentemente o Verbo se fez somente ideia! Karl Barth desejava o advento de uma teologia “capaz de ser pregada”, mas este desejo me parece ainda estar longe de ser realizado. São Paulo escreveu:

O Espírito sonda tudo, até mesmo as profundezas de Deus... Ninguém conhece o que é de Deus, a não ser o Espírito de Deus. Nós não recebemos o espírito do mundo, mas recebemos o Espírito que vem de Deus, para conhecermos os dons que Deus nos concedeu (1Cor 2,10-12).

Mas, então, onde encontrar uma teologia que se apoie no Espírito Santo, mais do que em categorias de sabedoria humana, para conhecer “as profundezas de Deus”? É preciso, para isso, recorrer a matérias chamadas “opcionais”: à “Teologia espiritual”, ou então à “Teologia pastoral”. Henri de Lubac escreveu: “O ministério da pregação não é a vulgarização de um ensinamento doutrinal em forma mais abstrata, que lhe fosse anterior e superior. É, ao contrário, o próprio ensinamento doutrinal, em sua forma mais alta. Isto era verdadeiro para a primeira pregação cristã, aquela dos apóstolos, e igualmente verdadeiro para a pregação daqueles que lhes sucederam na Igreja: os Padres, os Doutores e os nossos Pastores na presente hora”[1].

Estou convicto de que não há qualquer conteúdo da fé, por mais elevado, que não possa ser tornado compreensível a toda inteligência aberta à verdade. Se há uma coisa que podemos aprender dos Padres da Igreja é que podemos ser profundos sem ser obscuros. São Gregório Magno afirma que a Sagrada Escritura é “simples e profunda, come um rio em que, por assim dizer, um cordeiro pode caminhar e um elefante pode nadar”[2]. A teologia deveria se inspirar neste modelo. Cada um deveria poder aí encontrar pão para seus dentes: o simples, a sua alimentação, e o douto, alimento refinado para seu paladar. Sem contar que, frequentemente, é revelado aos “pequeninos” o que permanece oculto “aos sábios e entendidos”.

Mas peço desculpas se estiver traindo minha promessa inicial. Não é um discurso sobre a renovação da teologia que pretendo fazer nesta sede. Eu não teria nenhum título para fazê-lo. Gostaria mais de mostrar como a teologia, entendida no sentido acenado, pode contribuir para apresentar de modo significativo a mensagem evangélica ao homem de hoje e a dar nova seiva à nossa fé e à nossa oração.

A mais bela notícia que a Igreja tem o dever de fazer ressoar no mundo, aquela que todo coração humano espera ouvir, é: “Deus te ama!”. Esta certeza deve tirar do lugar e substituir aquela que trazemos dentro de nós desde sempre: “Deus te julga!”. A solene afirmação de João: “Deus é amor” (1Jo 4,8) deve acompanhar, como uma nota de fundo, todo anúncio cristão, mesmo quando deverá recordar, como faz o Evangelho, as exigências práticas desse amor.

Quando invocamos o Espírito Santo – também na presente ocasião do Sínodo –, pensamos primeiramente no Espírito Santo como luz que nos ilumina sobre as situações e nos sugere as soluções justas. Pensamos menos no Espírito Santo como amor; ao contrário, é esta a primeira e mais essencial operação do Espírito de que a Igreja necessita. Somente a caridade edifica; o conhecimento – também teológico, jurídico e eclesiástico – frequentemente não faz outra coisa senão inchar e dividir. Se nos perguntarmos por que estamos tão ansiosos em conhecer (e hoje, tão animados com a perspectiva da inteligência artificial!) e tão pouco, ao contrário, preocupados em amar, a resposta é simples: é que o conhecimento se traduz em poder, o amor, ao invés, em serviço!

O próprio Henri de Lubac escreveu: “É preciso que o mundo saiba: a revelação do Deus Amor inverte tudo o que ele concebera sobre a divindade”[3]. Até hoje não terminamos (nem terminaremos jamais) de tirar todas as consequências da revolução evangélica sobre Deus como amor. Nesta meditação, gostaria de mostrar como, partindo da revelação de Deus como amor, iluminam-se de nova luz os principais mistérios da nossa fé: a Trindade, a Encarnação e a Paixão de Cristo, e torna-se menos difícil fazê-los compreender pelas pessoas.

II Pregação da Quaresma: “O Evangelho é poder de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16)


“O EVANGELHO É PODER DE DEUS PARA TODO AQUELE QUE CRÊ” (Rm 1,16)

Segunda Pregação, Quaresma de 2023

Da Evangelii Nuntiandi de São Paulo VI à Evangelii gaudium do atual Sumo Pontífice, o tema da evangelização tem estado no centro das atenções do Magistério papal. A isso, têm contribuído as grandes encíclicas de São João Paulo II, como também a instituição do Pontifício Conselho para a Evangelização, promovido por Bento XVI. A mesma preocupação se nota no título dado à constituição para a reforma da Cúria Praedicate Evangelium e na denominação “Dicastério para a Evangelização”, dada à antiga Congregação de Propaganda Fide. A mesma finalidade é designada agora principalmente ao Sínodo da Igreja. A ela, isto é, à evangelização, gostaria de dedicar a presente meditação.

A definição mais sucinta e mais impregnante da evangelização é a que se lê na Primeira Carta de Pedro. Nela, os apóstolos são definidos: “aqueles que vos evangelizaram em virtude do Espírito Santo” (1Pd 1,12). Aí está expresso o essencial sobre a evangelização, isto é, o seu conteúdo – o Evangelho – e o seu método – no Espírito Santo.

Para saber o que se entende com a palavra “Evangelho”, a via mais segura é perguntar a quem usou por primeiro esta palavra grega e a tornou canônica na linguagem cristã, o apóstolo Paulo. Temos a felicidade de possuir uma exposição, de seu próprio punho, que explica o que ele entende por “Evangelho”, e é a Carta aos Romanos. O tema dela é anunciado com as palavras: “Eu não me envergonho do evangelho, pois ele é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16).

Para o sucesso de todo novo esforço de evangelização, é vital ter claro o núcleo essencial do anúncio cristão, e isto ninguém trouxe à luz melhor do que o apóstolo nos primeiros três capítulos da Carta aos Romanos. Do entender e aplicar à situação atual a sua mensagem depende, estou convencido, se dos nossos esforços nascerem filhos de Deus, ou se se terá que repetir amargamente com Isaías: “Engravidamos e tivemos dores de parto, mas demos à luz o vento; não trouxemos melhoras à terra, e não nasceram novos habitantes para o mundo” (Is 26,18).

A mensagem do Apóstolo naqueles três primeiros capítulos da sua Carta pode ser resumida em dois pontos: primeiro, qual é a situação da humanidade diante de Deus em seguida ao pecado; segundo, como se sai dela, isto é, como nos salvamos pela fé e nos tornamos nova criatura.  Sigamos o Apóstolo em seu estreito raciocínio. Melhor, sigamos o Espírito que fala por meio dele. Quem já fez viagens de avião, terá escutado algumas vezes o aviso: “Afivelem os cintos, estamos passando por uma área de turbulência”. Seria preciso fazer ressoar o mesmo aviso a quem se presta a ler as seguintes palavras de Paulo.

Revela-se do céu a ira de Deus contra toda impiedade e injustiça dos homens que na injustiça impedem a verdade, pois o que de Deus se pode conhecer é entre eles manifesto, já que Deus o manifestou a eles. De fato, os atributos invisíveis de Deus, seu poder eterno e sua divindade, são compreendidos através das coisas feitas, desde a criação do mundo, a fim de que eles não tenham desculpa. Por isso, mesmo tendo conhecido a Deus, nem o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, perderam-se em seus pensamentos fúteis, e seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se tolos e trocaram a glória do Deus incorruptível pela aparência da imagem de um ser humano corruptível e de pássaros, quadrúpedes e répteis (Rm 1,18-23).

O pecado fundamental, o objeto primário da ira divina, é identificado, como se vê, na asebeia, isto é, na impiedade. Em que consiste, exatamente, tal impiedade, o Apóstolo explica imediatamente, afirmando que ela consiste na rejeição em “glorificar” e “agradecer” a Deus. Estranho! Este fato de não glorificar e agradecer a Deus o suficiente parece-nos, sim, um pecado, mas não tão terrível e mortal. É preciso entender o que se esconde por detrás disso: a rejeição em reconhecer Deus como Deus, o não lhe tributar a consideração que lhe é devida. Consiste, poderíamos dizer, em “ignorar” Deus, onde ignorar não significa tanto “não saber que existe”, mas “fazer como se não existisse”.

No Antigo Testamento, ouvimos Moisés que grita ao povo: “Reconhecei que Deus é Deus!” (cf. Dt 7,9) e um salmista retoma tal grito, dizendo: “Reconhecei que o Senhor é Deus; Ele nos fez, nós somos dele” (Sl 100,3). Reduzido ao seu núcleo germinativo, o pecado é negar este “reconhecimento”; é a tentativa, da parte da criatura, de cancelar, de iniciativa própria, quase por prepotência, a diferença infinita que há entre ela e Deus. O pecado ataca, de tal maneira, a própria raiz das coisas; é um “impedir a verdade na injustiça”. É algo de muito mais sombrio e terrível do que o homem possa imaginar ou dizer. Se os homens soubessem, enquanto vivos, como o saberão no momento da morte, o que significa a rejeição de Deus, morreriam de susto.

Tal rejeição tomou corpo, ouvimos, na idolatria, pela qual se adora a criatura no lugar do Criador. Na idolatria, o homem não “aceita” Deus, mas faz para si um deus; é ele a decidir por Deus, não vice-versa. Os papéis são invertidos: o homem se torna o oleiro e Deus o vaso que ele modela a seu bel-prazer (cf. Rm 9,20ss.). Hoje, esta antiga tentativa assumiu uma nova veste. Ela não consiste em pôr algo – nem mesmo a si mesmo – no lugar de Deus, mas em abolir, pura e simplesmente, o papel indicado pela palavra “Deus”. Niilismo! O Nada no lugar de Deus. Mas não é o caso de nos determos sobre isso neste momento; interromperia a escuta do Apóstolo, que, por sua vez, continua o seu firme raciocínio.

Paulo prossegue a sua acusação mostrando os frutos que brotam, no plano moral, da rejeição de Deus. Daí deriva uma dissolução geral dos costumes, uma verdadeira e própria “torrente de perdição” que arrasta a humanidade em ruína. E aqui, o Apóstolo traça um quadro impressionante dos vícios da sociedade pagã. A coisa mais importante a se considerar, em base a esta parte da mensagem paulina, não é, contudo, esta lista de vícios, presente, além do mais, também junto aos moralistas estoicos do tempo. A coisa mais desconcertante, à primeira vista, é que São Paulo faz de tudo isso desordem moral, não a causa, mas o efeito da ira divina. Por três vezes retorna a fórmula que afirma isso de modo inequívoco:

Por isso, os entregou à impureza (...). Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas (...). E, porque não quiseram alcançar a Deus pelo conhecimento, Deus os entregou ao seu reprovado modo de pensar (Rm 1,24.26.28).

Deus, certamente, não “quer” tais coisas, mas ele as “permite” para fazer o homem compreender aonde leva a rejeição a Ele. “Estas ações – escreve Santo Agostinho – embora sejam castigo, são elas também pecados, pois a pena da iniquidade é ser, ela própria, iniquidade; Deus intervém para punir o mal e, da sua mesma punição, abundam outros pecados[1].

Não há distinções diante de Deus entre judeus e gregos, entre fiéis e pagãos: “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3,23). O Apóstolo faz tanta questão de nos esclarecer este ponto, que a ele dedica todo o capítulo segundo e parte do terceiro da sua Carta. É a humanidade inteira que se encontra nesta situação de perdição, não este ou aquele indivíduo ou povo.

Onde está, em tudo isso, a atualidade da mensagem do Apóstolo da qual eu falava? Está no remédio que o Evangelho propõe a esta situação. Ele não consiste em se empenhar em uma luta pela reforma moral da sociedade, para a correção dos seus vícios. Seria, para ele, como querer desenraizar uma árvore começando por lhe tirar as folhas ou os ramos mais expostos, ou então preocupar-se em eliminar a febre, ao invés de tratar a doença que a provoca.

Traduzido em linguagem atual, isto significa que a evangelização não começa com a moral, mas com o querigma; na linguagem do Novo Testamento, não com a Lei, mas com o Evangelho. E qual é o conteúdo, ou o núcleo central disso? O que Paulo quer dizer por “Evangelho” quando diz que ele “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”? Crer no quê? “Manifestou-se a justiça de Deus!” (Rm 3,21): eis a novidade. Não são os homens que, improvisamente, mudaram vida e costumes e se puseram a fazer o bem. O fato novo é que, na plenitude dos tempos, Deus agiu, rompeu o silêncio, estendeu a sua mão por primeiro ao homem pecador.

I Pregação da Quaresma: “Renovar a novidade”


“IPSA NOVITAS INNOVANDA EST”
Renovar a novidade
Primeira Pregação, Quaresma de 2023

A história da Igreja do final do século XIX e início do século XX nos deixou uma amarga lição, que não deveríamos esquecer para não repetir o erro que a provocou. Falo do atraso (antes, da recusa) em se dar conta das mudanças ocorridas na sociedade, e da crise do Modernismo, que foi a sua consequência.

Quem estudou, mesmo superficialmente, aquele período, conhece o dano que daí acarretou tanto para um lado quanto para o outro, isto é, seja para a Igreja, seja para os chamados “modernistas”. A falta de diálogo, por um lado, levou alguns dos mais conhecidos modernistas a posições sempre mais extremas e por terminar claramente hereticais; por outro, privou a Igreja de enormes energias, provocando lacerações e sofrimentos sem sim em seu interior, fazendo-a debruçar sempre mais sobre si mesma e perder o passo com os tempos.

O Concílio Vaticano II foi a iniciativa profética para recuperar o tempo perdido. Ele realizou uma renovação, que, certamente, não é o caso de ilustrar novamente nesta sede. Mais do que seus conteúdos, interessa-nos, neste momento, o método inaugurado por ele, que é o de caminhar na história, ao lado da humanidade, buscando discernir os sinais dos tempos.

A história e a vida da Igreja não se detiveram com o Vaticano II. Cuidado ao fazer dele o que se tentou fazer com o Concílio de Trento, ou seja, uma linha de chegada e uma meta imóvel. Se a vida da Igreja se detivesse, seria como acontece a um rio, que chega a uma barreira: transformar-se-ia, inevitavelmente, em um pântano ou um brejo.

“Não se deve pensar – escrevia Orígenes no III século – que seja o bastante sermos renovados apenas uma vez; é preciso renovar a própria novidade: ‘Ipsa novitas innovanda est’”[1]. Antes dele, o recém-Doutor da Igreja Santo Irineu escrevera: A verdade revelada é “como um precioso licor contido em um valioso vaso. Por obra do Espírito Santo, ela rejuvenesce continuamente e faz rejuvenescer também o vaso que a contém”[2]. O “vaso” que contém a verdade revelada é a tradição viva da Igreja. O “precioso licor” é, em primeiro lugar, a Escritura, mas a Escritura lida na Igreja que, é a definição mais justa da Tradição. O Espírito é, pela sua natureza, novidade. O Apóstolo exorta os batizados a servirem a Deus “na novidade do Espírito e não na velhice da letra” (Rm 7,6).

Não apenas a sociedade não se deteve ao tempo do Vaticano II, mas sofre uma aceleração vertiginosa. As mudanças que um tempo ocorriam em um ou dois séculos, hoje ocorrem em uma década. Esta necessidade de contínua renovação não é outra coisa senão a necessidade de contínua conversão, estendida desde o fiel, individualmente, até Igreja inteira, em sua componente humana e histórica. A “Ecclesia semper reformanda”. O verdadeiro problema, portanto, não está na novidade; está mais no modo de encará-la. Explico-me. Toda novidade e toda mudança se encontram diante de uma encruzilhada; pode levar a duas estradas opostas: ou a do mundo, ou a de Deus; ou o caminho da morte ou caminho da vida. A Didaqué, um escrito redigido enquanto vivia ao menos um dos doze apóstolos, já ilustrava aos fiéis estes dois caminhos.

Agora temos um meio infalível para tomar sempre o caminho da vida e da luz: o Espírito Santo. É a certeza que Jesus deu aos apóstolos antes de deixá-los: “E eu pedirei ao Pai, e ele vos dará um Paráclito, para que permaneça sempre convosco” (Jo 14,16). E ainda: “O Espírito da Verdade, então ele vos guiará a toda a Verdade” (Jo 16,13). Não fará tudo de uma vez, ou de uma vez por todas, mas à medida que as situações se apresentarem. Antes de deixá-los definitivamente, no momento da Ascensão, o Ressuscitado assegura novamente aos seus discípulos a assistência do Paráclito: “Recebereis – diz – a força do Espírito Santo que virá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra” (At 1,8).

É permitido roubar



O ministro das Comunicações foi pego em flagrante num dos vícios mais infames a que gente como ele costuma se entregar quando ganha um cargo no governo, ou, melhor dizendo, em governos que não têm sistemas mínimos de controle moral: usou um jato da FAB, com o combustível e demais despesas pagas integralmente por você, para ir a uma exposição de cavalos de raça em São Paulo. É um desaforo grosseiro. É também um xeque-mate: não há dúvida nenhuma de que ele fez a viagem, e que viajou num avião da Aeronáutica. Não importa que tenha, num tempo qualquer que os cavalos lhe deixaram, mantido umas conversas com diretores de empresas de telecomunicação. E daí? Se tinha mesmo alguma questão de trabalho para tratar, por que não tomou um avião de carreira, por uma fração do preço que custou o jato da FAB? O Brasil, segundo o presidente Lula, tem “33 milhões” de pessoas “passando fome” (ou “120 milhões”, segundo sua ministra do Meio Ambiente) e precisaria de cada tostão que tem no cofre para salvar essa multidão de pobres-coitados — mesmo porque diz que não tem dinheiro, e está socando imposto em tudo o que lhe passa pela frente para fazer caixa. Como, então, o ministro sai por aí gastando dinheiro dos mortos-de-fome oficiais, e sabe lá Deus de quem mais, para ver cavalos puro-sangue?

Pois bem: e o que aconteceu com o ministro? Não aconteceu nada, e é aí, bem aí, que está o ovo da cobra: o homem teve um encontro “altamente positivo” com o presidente Lula, explicou a ele as “acusações infundadas” e continua belo e formoso no seu emprego.

O ministro, para juntar insulto à injúria, ainda recebeu diárias do Erário para ter um dinheirinho no seu passeio. Desculpou-se dizendo que “o sistema gerou as diárias” — ou seja, o dinheiro apareceu no seu bolso, mas a culpa é do computador. Sim, ele disse que devolveu as diárias — mas, então, por que recebeu? Quanto ao resto, o ministro simplesmente não tem desculpa nenhuma, pois são fatos em estado puro; nem o Arcanjo Gabriel conseguiria explicar uma delinquência dessas. Também não há explicações para o uso de dinheiro público no asfaltamento da estrada que passa na frente de uma das fazendas de sua família no Maranhão. Nem para a ideia de ter mandado chips para os índios ianomâmis, ora envolvidos numa crise sanitária aguda, lá no meio do mato — algo tão útil como despachar um saco de gelo para o Polo Norte. Nem, enfim, para seu envolvimento com a nomeação de um funcionário fantasma para os Correios — um cidadão chamado Gaspar, acredite se quiser. Pois bem: e o que aconteceu com o ministro? Não aconteceu nada, e é aí, bem aí, que está o ovo da cobra: o homem teve um encontro “altamente positivo” com o presidente Lula, explicou a ele as “acusações infundadas” e continua belo e formoso no seu emprego. Se um negócio desses não dá demissão, o que poderia dar? Não há nenhuma razão, é claro, para que ele não faça o mesmo, ou pior, daqui a três dias. A coisa promete.

Passa pela cabeça de alguém que a atual justiça brasileira ou o Supremo Tribunal Federal venham a incomodar qualquer figura do governo Lula por prática de corrupção?

A luta contra o aborto e a essencial rede de apoio às famílias



Nos instantes seguintes à divulgação da decisão da Suprema Corte norte-americana de junho de 2022 que reverteu Roe v Wade e Planned Parenthood v Casey, as decisões de 1973 e 1992 que reconheciam um direito constitucional ao aborto nos Estados Unidos, diversas lideranças pró-vida ressaltaram que aquele momento marcava não o fim da luta, mas o início da maior das batalhas pelo respeito à vida nascente. Primeiro, porque Dobbs v Jackson Women’s Health Organization não tornou o aborto ilegal; apenas afirmou que cabe a cada estado legislar sobre o tema, e por isso ainda haveria muita pressão política a fazer no nível estadual para defender o nascituro. Segundo, porque, para o movimento pró-vida, mais importante que tornar o aborto ilegal é fazer dele algo impensável.

Transformar o aborto em algo impensável não passa simplesmente por uma maior conscientização do que realmente é o aborto – a eliminação deliberada de um ser humano indefeso e inocente –, e dos requintes de crueldade envolvidos em sua realização. Trata-se, também, do estabelecimento de uma rede de apoio ampla e abrangente, de forma que nem chegue a passar pela mente de uma gestante a ideia de eliminar seu filho, tamanha a certeza de que ela será amparada ao levar a gravidez adiante, independentemente de sua situação. Por décadas o movimento abortista tentou colar nos pró-vida a pecha de “pró-nascimento”, insinuando que aos defensores da vida intrauterina importava apenas que o bebê pudesse nascer, sem a menor consideração pelo que seria dele e da mãe depois disso. A mera existência de inúmeras entidades que seguem apoiando mães em situação de vulnerabilidade muito tempo depois do nascimento do filho já é suficiente para desmentir essa acusação, mas agora um grupo de importantes conservadores norte-americanos propõe um passo adicional.

Uma sociedade que não fortaleça o vínculo matrimonial, que não valorize pais e mães, que não proteja as crianças desde o momento da concepção, que não aposte na conciliação entre trabalho e família está condenada a fracassar.

Santa Sé rechaça aprovação do Caminho Sinodal Alemão a bênção de uniões homossexuais



O secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin, rejeitou a decisão da Igreja Católica na Alemanha de abençoar uniões homossexuais.

Durante a apresentação do livro "L'Atlante di Francesco. Vaticano e politica internazionale” (Atlas de Francisco: Vaticano e política internacional), do padre Antonio Spadaro, diretor da revista jesuíta La Civilttà Cattolica, Parolin disse que a Igreja já se manifestou claramente sobre isso na disposição do Dicastério para a Doutrina da Fé que, em março de 2021, negou a possibilidade de abençoar uniões homossexuais na Igreja Católica porque a Igreja “não pode abençoar o pecado”.

Além disso, afirmou Parolin, uma Igreja local “não pode tomar uma decisão deste tipo que implique a disciplina da Igreja universal”.

No dia 10 de março, o Caminho do Sínodo Alemão aprovou oficialmente a bênção das uniões homossexuais. O texto aprovado pede aos bispos alemães “que oficializem em suas dioceses as celebrações da bênção dos que se amam, mas aos quais o matrimônio sacramental não chega”.

“Isso também se aplica a uniões do mesmo sexo com base em uma reavaliação da homossexualidade como uma variante normal da sexualidade humana”, acrescenta.

Para os bispos alemães, a proibição publicada pelo dicastério para a Doutrina da Fé “é implacável e até discriminatória”.

Dos 58 bispos participantes do Sínodo alemão, apenas nove votaram contra o texto que aprovava a bênção das uniões homossexuais e 11 se abstiveram.