sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Ateísmo - parte III



“Crer em Deus não é mergulhar numa ilusão perigosa - uma alienação - por delegar a outro a direção da história?” No artigo anterior, publicado nessa coluna, refletimos sobre o ateismo professado por alguns cientistas em nome da ciência creditando-lhe a tarefa de ir oferecendo respostas a todas as questões colocadas pela razão humana. Crer em Deus seria abdicar dessa responsabilidade.

É verdade que o avanço científico substituiu as explicações religiosas para muitos fenômenos naturais, cósmicos, biológicos, psicológicos e sociais, contribuindo para a purificar a religião, como nos lembra o Concílio Vat. II: “um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus.”(GS 7).


É preciso, entretanto, esclarecer que a religião brota de questões que estão fora do alcance da pesquisa científica. São perguntas que se impõem ao espírito humano e que dizem respeito ao sentido da vida. À resposta elaborada a essas perguntas chegamos por reflexão.

A vivência religiosa  emerge espontaneamente na cultura de todos os povos como expressão de que a vida tem um sentido que nos conduz para além da morte. A vivência religiosa é espontânea. A negação de um sentido transcendente - Deus – não é a expressão de um estado original do ser humano, mas uma elaboração crítica que desqualifca a experiência religiosa como uma ilusão do sujeito humano.

Afirmamos no artigo de domingo passado que “o avanço científico com suas maravilhosas descobertas pode despertar no cientista  a admiração religiosa e o sentimento do sagrado: que grandeza é essa de inteligência e de amor escondida  na beleza do universo? Por que e para que tudo isso? Sem deixar de ser pesquisador o cientista pode se tornar também um místico.”

A experiência científica não perde seu vigor quando o cientista tem sua existência iluminada pela fé. Pelo contrário, uma nova motivação o impele a procurar respostas para os “mistérios” da natureza uma vez que sua fé em Deus Criador lhe garante antecipadamente que há uma lógica que encadeia os fenômenos do universo e que desvendar esses “mistérios” abre caminhos para melhorar nossa vida nesse mundo. Sugiro ao leitor acessar na Internet “Padre Chalao” onde encontrará um vídeo com o título “Confissão de fé de grandes cientistas”, em que cientistas famosos proclamam sua fé. Só a título de exemplo eis o que declarou Von Braun, construtor de foguetes espaciais: “Acima de tudo está a glória de Deus, que criou o grande universo, que o homem e a ciência vão esquadrinhando e investigando dia após dia em profunda adoração”.

Recentemente, em artigo publicado no Brasil, Francis Sellers Collins, geneticista estadunidense que comandou o Projeto Genoma Humano, professa sua fé. Eis parte de seu testemunho: “Tive de admitir que a ciência que eu amava era impotente para responder a questões como, “Qual o significado da vida?” “Por que estou aqui?” “Por que é que a matemática funciona, de qualquer modo?” “Se o universo teve um começo, quem é que o criou?” “Por que é que as constantes físicas no universo estão tão rigorosamente sintonizadas para permitir a possibilidade de formas de vida complexas?” “Por que é que os humanos têm um sentido moral?” “O que é que acontece depois de morrermos?” “Sempre assumi que a fé estava baseada em argumentos puramente emocionais e irracionais, e fiquei atônito ao descobrir, inicialmente nos escritos do acadêmico de Oxford, C. S. Lewis e subsequentemente em muitas outras fontes, que uma pessoa podia edificar uma defesa muito forte para a plausibilidade da existência de Deus em bases puramente racionais. A minha antiga asserção ateia de que “Eu sei que Deus não existe” emergia sem a mínima defesa. Como o escritor Britânico, G. K. Chesterton, ilustremente assinalou, “O Ateísmo é o mais ousado de todos os dogmas, pois é a afirmação de uma negação universal.”

E referindo-se ao ateísmo militante de Dawkins que escreveu “Deus, um delírio”: “Eu acredito que o ateísmo é a mais irracional das escolhas... O que deve ficar claro é que as sociedades necessitam tanto da religião como da ciência. Elas não são incompatíveis, mas sim complementares. A ciência investiga o mundo natural... Usar as ferramentas da ciência para discutir religião é uma atitude imprópria e equivocada. No ano passado foram lançados vários livros de cientistas renomados, como Dawkins,...que atacam a religião sem nenhum propósito. É uma ofensa àqueles que têm fé e respeitam a ciência. Em vez de blasfemarem, esses cientistas deveriam trabalhar para elucidar os mistérios que ainda existem. É o que nos cabe”.


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

Cardeal Camerlengo, qual é sua atribuição?



O Camerlengo, atualmente o cardeal italiano Tarcisio Bertone (nomeado em 4 de abril de 2007), é o Cardeal que preside a Câmara Apostólica e que exerce a função de cuidar e administrar os bens e os direitos temporais da Santa Sé. No período da Sé Vacante ele está entre aqueles que não entregam seu cargo e que” continuam a exercer suas funções ordinárias, submetendo ao Colégio cardinalício aquilo que deveria ser apresentado ao Sumo Pontífice”. Segundo a Constituição ‘Universi Dominici Gregis’, compete a ele:

- colocar os selos que lacram os aposentos e o estúdio do Papa, dispondo que as pessoas que habitualmente freqüentam o apartamento privado, possam permanecer até depois do sepultamento (em caso de morte do Pontífice), quando então todo o apartamento pontifício será fechado e selado;

- comunicar a morte do Papa tanto ao Cardeal Vigário de Roma, que por sua vez, dá a notícia ao Povo de Roma com notificação especial, quanto ao Cardeal Arcipreste da Basílica Vaticana;

- tomar posse da Residência Apostólica Vaticana e, pessoalmente ou por delegado, das Residências de Latrão e de Castel Gandolfo;


- estabelecer, ouvidos os Cardeais Chefes das três Ordens, tudo aquilo que concerne à sepultura do Pontífice (art. 17);

- presidir a Congregação particular constituída pelo mesmo Cardeal e por três Cardeais Assistentes e que tem a tarefa de administrar as questões de menor importância (art. 7);

- decidir o dia em que devem iniciar as Congregações gerais para a preparação da eleição do Papa (art. 11);

- predispor, junto aos Cardeais que desempenhavam respectivamente a função de Secretário de Estado e de Presidente da Pontifica Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano, as dependências da Domus Sanctae Marthae para a conveniente acomodação dos Cardeais eleitores e prover com eles os detalhes para a preparação da capela Sistina, a fim de que as operações relativas à eleição possam se realizar facilmente, de modo ordenado e com a máxima reserva, segundo quanto previsto e estabelecido nesta Constituição (art. 13);

- Se a Sé do Penitencieiro-Mor estiver vacante, presenciar junto aos três Cardeais Assistentes à abertura das cédulas para a sua eleição que se dá por meio de votação secreta de todos os Cardeais eleitores presentes (art. 15);

- conceder permissão para eventuais fotografias a título de documentação do Pontífice defunto (art. 30);

- desde o início do processo da eleição assegurar com a colaboração externa do Substituto da Secretaria de Estado o fechamento da Domus Sancatae Marthae e da Capela Sistina e dos ambientes destinados às celebrações litúrgicas às pessoas não autorizadas (art. 43);

- receber o juramento dos cardeais sobre a observância do segredo do voto (art. 48)

- É obrigado a vigiar com diligência, junto aos três Cardeais Assistentes pro tempore, para que não seja de modo algum violada a confidencialidade do que ocorre na Capela Sistina, recebendo dos Cardeais eleitores, onde se realizam as operações de votações e dos espaços adjacentes, tanto antes quanto durante e depois tais operações, os escritos de qualquer natureza, que tenham consigo, relativos ao êxito de cada escrutínio, a fim de que sejam queimados com as cédulas.
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Fonte: Rádio Vaticano.
Disponível em: CatólicaNet

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Sintonizado com os inimigos



A renúncia ao cargo de Sumo Pontífice da grei católica, anunciada por Bento XVI, “revelou os segredos de muitos corações”.  Muitos dos que são dos nossos, fazem coro uníssono com aqueles que querem prescrever à Igreja o que ela deve fazer e o que não deve. Entre os que detestam a Santa Igreja de Deus, é natural que queiram descobrir milhões de motivos tenebrosos para explicar a sua “decadência”, os seus intermináveis caminhos equivocados (segundo a sua ótica), e a prescrição minuciosa para sermos uma Igreja moderna, “autêntica”, e aberta. Segundo esses imperativos categóricos, seria tão simples ser a Igreja de Jesus Cristo. Seria só necessário tirar dos ombros dos fiéis a carga das prescrições morais. Precisa vir um Papa “corajoso” que torne a religião tão leve que dispense qualquer esforço. Seria quase como querer ser rico sem trabalhar.


Na televisão mineira, numa mesa redonda, apareceu o Pe. Godoy, bastante propenso a demonstrar os “erros”  da  instituição eclesial. Veio acompanhado por dois teólogos leigos, por sinal de ótima qualidade. O Padre, por ter falado a um grande público, deve ter pensado nas conseqüências, e por isso me sinto autorizado em nomeá-lo. O homem falou de um modo muito azedo sobre João Paulo II, sobre Bento XVI e certos Cardeais. A sua conversa se tornou parecida com a de um líder religioso anti-ecumênico. Sua visão de Igreja supõe que seus líderes vivem de intrigas, de busca insaciável do poder, numa ausência completa de escrúpulos. Nessa visão não há o mínimo espaço para o Divino Espírito Santo. Seria uma pura obra humana, evidentemente, das piores. O que me causa espécie é perceber que certos meios de comunicação não costumam chamar, a programas de repercussão, pessoas firmes na vivência eclesial. Preferem os “dissidentes”, porque eles dão ibope. Não lhes interessa se o circo pega fogo. Tais Presbíteros deveriam se lembrar de que são “Oficiais” da Igreja. Nenhuma Prefeitura ficará com um funcionário que critica publicamente a instituição. Já tive meus anos de admiração pelo desempenho pastoral do Pe. Godoy. Tenho esperança de que ele “retome o caminho de antes”  (Apoc 2, 5). Assim ele me causa tristeza.

Dom Aloísio Roque Oppermann 
Arcebispo Emérito de Uberaba (MG)

Se existe o mal, existe Deus?



«Os Salmos podiam afirmar que Javé “chovia” ou “trovejava”, que era ele que causava a guerra e mandava a peste. O Novo Testamento podia supor que determinada enfermidade era causada pelo demônio. Hoje, porém, isso não é mais possível. Mesmo que o quiséssemos, não podemos ignorar que a chuva e o trovão têm causas atmosféricas bem definidas; que a doença obedece a vírus, bactérias ou disfunções orgânicas; e que as guerras nascem do egoísmo humano. Ao falarmos de fenômenos acontecidos no mundo, impôs-se a evidência de que a “hipótese Deus” é supérflua como explicação. Mais ainda, é ilegítima e, obstinar-se nela, acaba fatalmente prejudicando a credibilidade da fé».

É com estas e outras considerações que Andrés Torres Queiruga procura explicar a ação de Deus no mundo em dois de seus livros: “Um Deus para hoje” e “Repensar o mal”. Dada a importância do assunto, permito-me aprofundá-lo em quatro artigos, deixando-me conduzir, nos três primeiros, pelo teólogo espanhol e, no último, por Bento XVI, que ratificará – ou retificará – o pensamento do Pe. Andrés.


Queiruga começa com um questionamento: «O problema mais sutil – e, por isso mesmo, a tarefa mais difícil – aparece pelas posições de meio-termo, em que ou se aceitam os princípios, mas não se tiram as consequências, ou se admitem alguns elementos, mas se resiste a aceitar outros que, no entanto, são solidários. Assim, não se pensa mais que Deus “chova”, mas, em alguns lugares ou ocasiões, se fazem preces para pedir chuva; não se crê mais que Deus mande a guerra, mas se celebram missas por suas campanhas; reconhecem-se os gêneros literários na Bíblia, mas continua-se tomando à letra o sacrifício de Isaac. A intenção pode ser boa, mas os danos acabam sendo muito graves».

A raiz do problema foi sintetizada no que se costuma denominar “O dilema de Epicuro”. Nele, o filósofo grego nega a existência de Deus a partir da presença do mal na história humana: «Ou Deus quer tirar o mal do mundo, mas não pode; ou pode, mas não quer; ou não pode nem quer; ou pode e quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode e não quer, é mau; se nem quer nem pode, é fraco e perverso; se pode e quer, então, por que não o elimina?».

Queiruga comenta o dilema com estas palavras: «Em vista dos grandes males que afligem o mundo, um Deus que, podendo, não os elimina, acaba por força aparecendo como ser mesquinho e insensível, indiferente e, até mesmo, cruel. Porque, quem, se pudesse, não eliminaria – sem pergunta prévia de qualquer tipo – a fome, as pestes e os genocídios que assolam o mundo? Seremos nós melhores que Deus? Como disse Jürgen Moltmann, diante da recordação de Verdun, Stalingrado, Auschwitz ou Hiroxima, um Deus que permite tão escandalosos crimes, fazendo-se cúmplice dos homens, dificilmente se pode chamar Deus».

Para Santo Tomás de Aquino, porém, o que o argumento de Epicuro prova é... a existência de Deus: «Se existe o mal, existe Deus. O mal não existiria se não existisse o bem, do qual é privação. E o bem não existiria se Deus não existisse». Outro teólogo para quem o sofrimento não impede a crença em Deus é o mártir evangélico Dietrich Bonhoeffer, morto num campo de concentração nazista em 1945. Para ele, a vida brota do amor – o qual, por se identificar com a busca do bem, exige uma constante conversão.

Contudo, de acordo com o Pe. Andrés, tais conceitos precisam ser bem entendidos: «Bonhoeffer encontrou a melhor resposta para o nosso tempo: “Só o Deus sofredor pode salvar-nos”. Mas essa afirmação só é válida se se situa dentro do paradigma de um Deus não intervencionista e delicadamente respeitoso da autonomia do mundo. Enquanto se mantiver, de modo acrítico e talvez inconsciente, o velho pressuposto de uma onipotência abstrata e definitivamente arbitrária, no sentido de que Deus poderia, se quisesse, eliminar os males do mundo, converte-se a resposta em pura retórica, que a longo prazo mina pela raiz a possibilidade de crer. De nada serve a própria proclamação de que Deus sofre com nossos males, se antes pôde tê-los evitado, pois, nesse caso, chegariam tarde demais sua compaixão e sua dor. Pode até provocar o riso, como se diz do espanhol rico e piedoso que construiu um hospital para os pobres... depois de tê-los empobrecido!».


Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)

O Ateísmo - parte II



No último artigo nessa coluna formulei algumas perguntas que sempre de novo voltam  quando se coloca a questão da fé em Deus. Algumas delas inscrevem-se no quadro das relações entre fé e razão, entre ciência e fé. Ocupo-me hoje de uma delas: “Não será a idéia de Deus uma criação da mente humana para preencher as lacunas do conhecimento humano sempre limitado?” Há uma forma de ateísmo que se estrutura como conseqüência e como defesa da ciência.

Recentemente, em entrevista televisiva, o Biólogo e Psicólogo americano, Michael Schermer, fundador da "Sociedade dos céticos", ex-mormon, defendeu com ardor de missionário o ateísmo, tendo como pressuposto que a religião oferece respostas ilusórias para questões que a ciência deverá resolver. O Concílio Vat. II, na década de sessenta, já se confrontara com a questão: “Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência , ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta.”(GS 19). Michael Schermer, como Dawkins – este escreveu “Deus, um delírio”- prega com fervor que a Ciência, em especial a biologia e a psicologia, deve substituir a teologia e a filosofia na tarefa de fundar os valores que devem reger a vida da sociedade.


O pressuposto é que todas as quetões levantadas pela humana inteligência devem encontrar resposta na pesquisa científica. A esta forma de pensar subjaz uma posição filosófica de que não podem existir questões que escapem ao método científico da verificação empírica. Michael Schermer, ao criar a “Sociedade dos céticos”, transforma seu ceticismo em ateismo militante, para o “bem da humanidade”.

Há aqui um problema delicado. É verdade que a religião funcionou com frequência como explicação de fenômenos para os quais o ser humano não tinha explicação e como consolo e proteção diante das forças incontroláveis da natureza e dos sofrimentos derivados da própria história tantas vezes construida sob a égide do desejo de dominação de um povo  e de uma classe sobre os(as) demais.

Sobretudo nas religiões chamadas primitivas, para cada fenômeno da natureza havia uma divindade a quem se recorria para obter proteção contra as ameaças das alterações cósmicas. Entretanto, como nos ensina o historiador das religiões e filósofo Mircea Eliade, o núcleo essencial de todas as religiões é a consciência de que este mundo – a existência humana – não se justifica a si mesmo, ou seja, não encontra sua origem última nem seu destino final , no interior de si mesmo.

A experiência de que não somos nós a fonte de nosso próprio existir, nem em nossa origem, nem na continuidade de nossa vida, torna inevitável a pergunta: nossa existência – a existência do universo - é dom de um outro cuja existência se põe por si mesma ou emerge inexplicavelmente do nada? A questão não se coloca simplesmente a respeito das origens remotas do universo, de seu início a bilhões de anos  atrás. A questão se coloca aqui e agora, sobretudo a respeito de meu próprio existir. Afinal só o ser humano pode levantar tal questão. E ele o faz ao se surpreender existindo como puro dom.

O filósofo ateu, Jean Paul Sartre, tematizou essa experiência, e entendeu a existência como “estar-lançado-no-mundo”, um fato bruto, sem explicação, devendo o ser humano dar um sentido à sua existência pelas escolhas de sua liberdade. Mas assim como a fonte de sua existência está mergulhada na noite do nada, também o “para-onde” de suas escolhas está destinado ao vazio absoluto. A existência só pode ser angústia.

Mircea Eliade coloca como origem da religião, a consciência de que o universo depende em seu existir permanentemente de um Poder maior, não submetido à erosão do tempo, e realça a sede de comunhão com o mistério – o Sagrado – como única possibilidade para o ser humano de viver com sentido e de poder enfrentar inclusive a morte. É verdade que o avanço científico substituiu as explicaçòes religiosas para muitos fenômenos naturais, cósmicos, biológicos, psicológicos e sociais, contribuindo para a purificar a religião, como nos lembra o Consílio Vat. II: “um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus.”(GS 7). Entretanto, as questões fundamentais, que transcendem as possibilidades da pesquisa científica, fundam uma ordem de conhecimento na qual se inscrevem as afirmações das religiões.

O avanço científico com suas  maravilhosas descobertas pode despertar no cientista  a admiração religiosa e o sentimento do sagrado: que grandeza é essa de inteligência e de amor escondida  na beleza do universo? Por que e para que tudo isso? Sem deixar de ser pesquisador o cientista pode se tornar também um místico.( continua).


Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

A força de uma renúncia



Estamos chegando ao dia e hora marcados para a renúncia de Bento XVI.  Na quinta-feira desta próxima semana, no dia 28 de fevereiro, às vinte horas de Roma, Bento XVI deixará a cátedra de Pedro, que ficará vacante, até que os cardeais elejam um novo papa.

Mesmo com a insistente divulgação do acontecimento, parece que a notícia ainda estaria esperando confirmação, dada a inusitada situação que dela decorreu. Mas aos poucos a inexorabilidade se impõe: é verdade, Bento XVI decidiu renunciar!

A surpresa maior, porém, não é produzida pelo inusitado da ocorrência.  Mas pelas circunstâncias pessoais do Papa, o verdadeiro protagonista deste acontecimento de tantas repercussões.

Ele revelou um grande desprendimento, não se prendendo às vantagens pessoais que o cargo lhe garantia.

Foi sereno, demonstrou pela consciência das repercussões do seu ato, e fez questão de asseverar que agia livremente, depois de obtida a certeza pessoal da conveniência da decisão que tinha amadurecido no confronto de sua consciência com as responsabilidades assumidas ao ser eleito Papa.

Ele demonstrou, sobretudo, muita responsabilidade. Estabeleceu um prazo, conveniente para a Igreja assimilar a nova situação, e ele próprio levar a bom termo todas as decorrências do seu ato.

Dando um prazo de 17 dias, desde o anúncio até a efetivação da renúncia, com a autoridade adquirida com seu gesto, sinalizou o ritmo razoável a ser observado em todas as providências a serem tomadas.

Em síntese, a renúncia do Papa se constituiu num precioso testemunho de coerência pessoal, e um exemplo carregado de ensinamentos prudenciais, tão importantes no momento em que a humanidade vê crescer, exponencialmente, o número de idosos, que precisam descobrir o bom senso, com a sabedoria de perceber o momento oportuno, a hora conveniente, a decisão acertada para sair de campo, e deixar o lugar para que outros o ocupem com mais capacidade e eficiência.

Numa população que prolonga a vida, e que ocupa as vagas, é urgente a escola da renúncia! Ela não está fora de propósito.

Mas diante desta renúncia paradigmática do Papa, vale a pena perguntar-nos quando e como uma renúncia se constitui em decisão acertada, a ser efetivada com determinação.Ficando no contexto próximo à renúncia do Papa, não é fora de propósito perguntar por que tantas renúncias de bispos produzem tão pouco impacto, quase nenhum efeito.

Fica posta a questão: quando é que uma renúncia é boa?   No exemplo do Papa encontramos logo algumas respostas: a renúncia precisa ser livre, não condicionada por determinações externas, serena, e ser realizada em momento oportuno, tanto para o renunciante como para os outros ligados a ele de alguma forma.

Não seria fora de propósito garantir um espaço maior para um bispo renunciar, deixando-o com a possibilidade de efetivar sua renúncia num contexto mais amplo e mais livre. Não impondo uma data obrigatória de referência, de 75 anos. Poderia se deixar o espaço de cinco anos para que ao longo deles o Bispo faça pessoalmente o discernimento do momento adequado para a sua renúncia.

Sempre lembrando que não é preciso esperar os 75 anos para renunciar.  Pois dependendo das circunstâncias, o testemunho do bispo que renuncia publicamente pode ser muito mais eficaz e produzir inesperados frutos, que costumam brotar de ânimos generosos, como mostrou Bento XVI.

Em todo o caso, a renúncia sempre deveria comportar a possibilidade de viver com intensidade o que Jesus afirmou: “Ninguém tira a minha vida, eu a dou livremente”.


Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP)

Ano da Fé: O Ateísmo (Parte I).



O Credo cristão começa assim : “Creio em Deus Pai todo poderoso, criador do céu e da terra”.  A crise de fé começa aqui e levanta as seguintes perguntas: o que é crer? Por que crer em Deus? Quem é Deus? O Universo tem sua origem em um ato de poder de um ser transcendente ou é fruto do acaso? Não será a idéia de Deus uma criação da mente humana para preencher as lacunas do conhecimento humano sempre limitado? Crer em Deus não é mergulhar numa ilusão perigosa - uma alienação - por delegar a outro a direção da história? A resposta às perguntas que emergem do desejo de saber do ser humano não devem encontrar respostas na própria razão? E ainda: como explicar a presença do mal no mundo?

Dois fenômenos desafiam hoje a fé cristã em Deus: de um lado, o ateísmo, e , de outro, certas concepções de Deus que acabam por negar sua relação pessoal com o ser humano e com sua história. A fé Cristã crê em um Deus que se faz homem e participa de nossa história.

O Concílio Vaticano II, ao tratar da dignidade da pessoa humana, na Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, dedicou uma significativa reflexão à questão do ateísmo. Cinquenta ano após sua abertura, seus ensinamentos continuam atuais. 

Retomo algumas afirmações do Concílio para oferecer ao leitor sua posição sobre o ateísmo. Já na introdução afirma o documento: “Por fim, as novas circunstâncias afetam a própria vida religiosa. Por um lado, um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se praticamente da religião.

Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou prescindir deles já não é um fato individual e insólito: hoje, com efeito, isso é muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a desorientação de muitos”(GS 7). Mas é no capítulo primeiro da primeira parte que a questão  do ateismo é abordada de forma direta e explícita em quatro ítens: 1. Formas e causas do ateismo (n. 19); 2. O ateismo sitemático (n. 20); 3. Atitude da Igreja diante do ateismo (n. 21); 4. Cristo, o homem novo (n. 22).

Como o ítem 1 sugere, “com a palavra ‘ateismo’designam-se fenômenos muito diversos entre si. Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele parece não ter significado. 

Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta. Alguns, exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros, concebem Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o Deus do Evangelho. Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus: parecem alheios a qualquer inquietação religiosa e não percebem por que se devem ainda preocupar com a religião.

Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o caráter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de Deus. A própria civilização atual, não por si mesma, mas pelo fato de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus”(GS 19).

No final desse número o Concílio faz uma afirmação que questiona profundamente  a nós cristãqos. Ei-la: “o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenômeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se conta também a reação crítica contra as religiões e, nalguns países, principalmente contra a religião cristã. Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na gênese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.”( GS 19).

Essa afirmação do Concílio nos chama à responsabilidade diante do ateismo em suas variadas formas. Inevitável não recordar a advertência da epístola de Tiago: “Tu tens a fé, e eu tenho obras! Mostra-me a tua fé sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé a partir de minhas obras!  Tu crês que há um só Deus? Fazes bem! Mas também os demônios crêem isso, e estremecem de medo.  Queres então saber, homem fútil, como a fé que não se traduz em obras é vã?”(Tg 1,18-20). (continua).

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

Festa da Cátedra de São Pedro



É com alegria que hoje nós queremos conhecer um pouco mais a riqueza do significado da cátedra, do assento, da cadeira de São Pedro que se encontra na Itália, no Vaticano, na Basílica de São Pedro. Embora a Sé Episcopal seja na Basílica de São João de Latrão, a catedral de todas as catedrais, a cátedra com toda a sua riqueza, todo seu simbolismo se encontra na Basílica de São Pedro.

Fundamenta-se na Sagrada Escritura a autoridade do nosso Papa: encontramos no Evangelho de São Mateus no capítulo 6, essa pergunta que Jesus fez aos apóstolos e continua a fazer a cada um de nós: "E vós, quem dizei que eu sou?" São Pedro,0 em nome dos apóstolos, pode assim afirmar: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Jesus então lhe disse: "Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi nem a carne, nem o sangue que te revelou isso, mas meu Pai que está no céus, e eu te declaro: Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; eu te darei a chave dos céus tudo que será ligado na terra serás ligado no céu e tudo que desligares na terra, serás desligado nos céus". 

Logo, o fundador e o fundamento, Nosso Senhor Jesus Cristo, o Crucificado que ressuscitou, a Verdade encarnada, foi Ele quem escolheu São Pedro para ser o primeiro Papa da Igreja e o capacitou pelo Espírito Santo com o carisma chamado da infalibilidade. Esse carisma bebe da realidade da própria Igreja porque a Igreja é infalível, uma vez que a alma da Igreja é o Espírito Santo, Espírito da verdade.