sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Ano da Fé: O Ateísmo (Parte I).



O Credo cristão começa assim : “Creio em Deus Pai todo poderoso, criador do céu e da terra”.  A crise de fé começa aqui e levanta as seguintes perguntas: o que é crer? Por que crer em Deus? Quem é Deus? O Universo tem sua origem em um ato de poder de um ser transcendente ou é fruto do acaso? Não será a idéia de Deus uma criação da mente humana para preencher as lacunas do conhecimento humano sempre limitado? Crer em Deus não é mergulhar numa ilusão perigosa - uma alienação - por delegar a outro a direção da história? A resposta às perguntas que emergem do desejo de saber do ser humano não devem encontrar respostas na própria razão? E ainda: como explicar a presença do mal no mundo?

Dois fenômenos desafiam hoje a fé cristã em Deus: de um lado, o ateísmo, e , de outro, certas concepções de Deus que acabam por negar sua relação pessoal com o ser humano e com sua história. A fé Cristã crê em um Deus que se faz homem e participa de nossa história.

O Concílio Vaticano II, ao tratar da dignidade da pessoa humana, na Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, dedicou uma significativa reflexão à questão do ateísmo. Cinquenta ano após sua abertura, seus ensinamentos continuam atuais. 

Retomo algumas afirmações do Concílio para oferecer ao leitor sua posição sobre o ateísmo. Já na introdução afirma o documento: “Por fim, as novas circunstâncias afetam a própria vida religiosa. Por um lado, um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se praticamente da religião.

Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou prescindir deles já não é um fato individual e insólito: hoje, com efeito, isso é muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a desorientação de muitos”(GS 7). Mas é no capítulo primeiro da primeira parte que a questão  do ateismo é abordada de forma direta e explícita em quatro ítens: 1. Formas e causas do ateismo (n. 19); 2. O ateismo sitemático (n. 20); 3. Atitude da Igreja diante do ateismo (n. 21); 4. Cristo, o homem novo (n. 22).

Como o ítem 1 sugere, “com a palavra ‘ateismo’designam-se fenômenos muito diversos entre si. Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele parece não ter significado. 

Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta. Alguns, exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros, concebem Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o Deus do Evangelho. Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus: parecem alheios a qualquer inquietação religiosa e não percebem por que se devem ainda preocupar com a religião.

Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o caráter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de Deus. A própria civilização atual, não por si mesma, mas pelo fato de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus”(GS 19).

No final desse número o Concílio faz uma afirmação que questiona profundamente  a nós cristãqos. Ei-la: “o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenômeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se conta também a reação crítica contra as religiões e, nalguns países, principalmente contra a religião cristã. Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na gênese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.”( GS 19).

Essa afirmação do Concílio nos chama à responsabilidade diante do ateismo em suas variadas formas. Inevitável não recordar a advertência da epístola de Tiago: “Tu tens a fé, e eu tenho obras! Mostra-me a tua fé sem as obras, que eu te mostrarei a minha fé a partir de minhas obras!  Tu crês que há um só Deus? Fazes bem! Mas também os demônios crêem isso, e estremecem de medo.  Queres então saber, homem fútil, como a fé que não se traduz em obras é vã?”(Tg 1,18-20). (continua).

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

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