O Papa Pio XII ensina
que o inimigo, “que se tornou cada vez mais concreto”, vociferou três gritos
contra Deus. Ao destacar isso, ele lembra que, embora seja uma invenção
angélica, o pecado também encontra seus servidores em meio aos homens. Muitos
deles, com as suas ideias e atitudes, realmente se revestem de Satanás,
semeando o erro e introduzindo a confusão entre as próprias ovelhas do redil de
Cristo.
O primeiro grito de
que fala o Papa – “Cristo sim, a Igreja não!” [1] – é uma rebeldia conhecida.
Embora sua grande manifestação tenha acontecido no século XVI, com Martinho
Lutero e os chamados “reformadores” protestantes, essa forma de pensar parece estar
na moda hoje em dia. É frequente ler ou ouvir pessoas defendendo que se pregue
“mais Jesus, menos religião”, como se Nosso Senhor não tivesse verdadeiramente
fundado uma só Igreja: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja” [2] e não se tivesse vinculado a ela como a cabeça se vincula ao corpo
humano: “Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja” [3].
O Papa Paulo VI
recorda que não é possível amar Cristo sem a Igreja, chamando tal dicotomia de
absurda: “Como se poderia querer amar Cristo sem amar a Igreja, uma vez que o
mais belo testemunho dado de Cristo é o que São Paulo exarou nestes termos:
‘Ele amou a Igreja e entregou-se a si mesmo por ela’ (Ef 5, 25)?” [4]. Também o
Papa Francisco, em seus discursos e meditações na Casa Santa Marta, tem
repetido esse ensinamento. E ainda Pio XII, ao destacar que Jesus podia
distribuir as graças “diretamente por si mesmo a todo o gênero humano”, ensina
que Ele:
“Quis, porém,
comunicá-las por meio da Igreja visível, formada por homens, a fim de que por
meio dela todos fossem, em certo modo, seus colaboradores na distribuição dos
divinos frutos da Redenção. E assim como o Verbo de Deus, para remir os homens
com suas dores e tormentos, quis servir-se da nossa natureza, assim, de modo
semelhante, no decurso dos séculos se serve da Igreja para continuar
perenemente a obra começada.” [5]
O grande escândalo
que as pessoas experimentam em relação à necessidade da Igreja diz respeito
especialmente ao fato de ela, ainda que indefectivelmente santa, possuir em seu
seio membros pecadores, que não raras vezes maculam a sua imagem e ação no
mundo. Sobre isso, Pio XII explica que, “se às vezes na Igreja se vê algo em
que se manifesta a fraqueza humana, isso não deve atribuir-se (...) [senão]
àquela lamentável inclinação do homem para o mal”. E remata dizendo que, “se
alguns de seus membros estão espiritualmente enfermos, não é isso razão para
diminuirmos nosso amor para com ela, mas antes para aumentarmos a nossa
compaixão para com os seus membros” [6].
À luz disso, é
possível entender o significado correto do adágio Ecclesia
semper reformanda est. As reformas genuínas brotam dos corações que amam Nosso Senhor, dos
espíritos apaixonados de homens e mulheres que não temem renunciar a seus
desejos e suas ideias para se configurarem totalmente a Cristo, que é a cabeça
da Igreja [7]. É por Ele que acontecem as verdadeiras reformas: se, pelos
pecados dos homens, a Igreja está em constante renovação, é sempre por
iniciativa divina que ela se renova; se, pelas faltas dos membros, o Corpo fica
ferido, é sempre pela ação da graça que acontece a cura.