Há um
costume na Igreja Católica no Brasil de dedicar anualmente o mês de agosto à
reflexão a respeito de uma das dimensões fundamentais da vida cristã, a
vocação. São João Paulo II chamou a vocação de um olhar de amor vindo de Deus
para cada pessoa. Tendo diante dos olhos, com a ajuda da Comunidade cristã, os
vários estados de vida e possibilidades de serviço ao Reino de Deus, a Igreja
quer oferecer, especialmente às crianças, adolescentes e jovens, o caminho
seguro. Sabemos que Deus concede a todos os homens e mulheres uma imensa
quantidade de dons e capacidades, com as quais podem realizar-se. Todos nós
fomos feitos para dar certo e ninguém pode ser excluído.
Não é raro
que em escolas e outros ambientes se ofereçam os chamados testes vocacionais,
com os quais as habilidades são identificadas, contribuindo para as novas
gerações encontrarem seu lugar na sociedade. Podem ajudar a descobrir os campos
de atividade mais adequados às capacidades de cada um e facilitar o acesso aos
cursos adequados e à posterior entrada no mercado de trabalho. Nem sempre as
pessoas acertam na escolha do curso a fazer e são muitas aquelas que, em
virtude de um concurso feito, dependentes dos salários que recebem, permanecem
longos anos em ambientes inadequados aos seus próprios dons. Todos nós
almejamos um mundo em que as pessoas se integrem bem e sejam felizes, no lugar
certo, com sua dignidade reconhecida e possibilidades de desenvolvimento de
todas as suas potencialidades. O sonho pode parecer distante, mas não podemos
desejar menos do que uma sociedade livre e igualitária, com oportunidades
oferecidas a todos. Daí a importância a ser dada a todos os instrumentos
técnicos e pedagógicos que nos aproximem de tal ideal. Acrescente-se a isso o
esforço a ser empreendido para multiplicar os postos de trabalho destinados às
novas gerações.
No entanto, é outra a compreensão da ideia cristã de vocação. Os testes vocacionais e outros recursos podem conduzir à profissão e à realização das capacidades, mas vocação tem a ver com vida cristã e experiência religiosa, o que pode conduzir à escolha de um estado de vida e disponibilidade para o serviço do próximo por causa de uma realidade que supera as atividades cotidianas ou o trabalho a ser realizado. Vocação exige dois polos. De um lado, Deus que cria, chama e ama. A outra parte é de cada pessoa humana, que precisa aprender a discernir os sinais da vontade de Deus e responder com coragem.
O ponto de
partida está na família, convidada, através do Sacramento que a constitui, o
matrimônio, a criar um ambiente adequado ao trato pessoal com Deus. Tudo começa
no ato gerador do amor conjugal, com o qual uma vida tem início, com a
colaboração dos pais, conscientes de que, ao conceberem uma criança, Deus cria
uma alma chamada a viver por toda a eternidade (Cf. Encíclica Humani Generis,
do papa Pio XII, número 36). Há um relacionamento pessoal e direto de amor
entre Deus e cada pessoa humana, no qual o Senhor mantém a plena liberdade com
a qual fomos criados e ao mesmo tempo provoca positivamente uma resposta de
cada homem e de cada mulher, em vista da felicidade a que somos destinados.
Deus não é fruto de nossa imaginação ou criatividade, mas nos precede como Senhor
e Criador. Ele vem na frente! Nós é que somos suas criaturas!
A vida de
oração na família cria as condições para que as crianças, tendo recebido de
presente a inserção no Corpo de Cristo, na graça do Batismo, venham a responder
a uma pergunta fundamental: "O que Deus quer de mim?" Não é
suficiente ensinar os filhos a desenvolverem suas capacidades e descobrirem
como ser importantes ou ganhar dinheiro na sociedade. Uma pessoa não chegou à
sua plena realização quando faltou a experiência de Deus e a resposta a este
amor pessoal. O nome de Deus e o amor a Ele sejam sagrados em cada casa. A
família evangeliza e lança as sementes das vocações cristãs autênticas quando
dentro dela se respiram os valores evangélicos verdadeiros, traduzidos em
gestos e palavras tão simples, como pedir um favor, agradecer, dar espaço aos
outros, o perdão, a gentileza, a polidez no trato. Para cultivar este ambiente,
a família seja o espaço da iniciação à vida paroquial. Criança que vai à Missa
com os pais tem futuro na vida cristã! Participação familiar na Santa Missa é
Pastoral Vocacional! Depois, a Igreja, seus Sacramentos, seus Ministros, sua
história, tudo venha a ser valorizado e respeitado na família!
O cultivo
do ambiente vocacional continua com a inserção na catequese e nos grupos
paroquiais, segundo as idades das crianças, adolescentes e jovens. Ali se
ampliam os horizontes, outras pessoas são conhecidas. Nas Paróquias e
Comunidades, faça parte do esforço pastoral a orientação vocacional e o
reconhecimento das diversas vocações e estados de vida, nos quais o amor de
Deus é acolhido e respondido com generosidade. Todas as vocações sejam
consideradas importantes e nenhuma preterida nas Paróquias. Além disso, seja
valorizada a figura dos orientadores vocacionais. Leigos e Leigas, Religiosos e
Religiosas, assim como os sacerdotes, estes na magnífica tarefa do Sacramento
da Penitência e da Direção Espiritual, são agentes imprescindíveis para uma
cultura vocacional a ser desenvolvida na Igreja.
As grandes
vocações eclesiais a serem cultivadas são o Matrimônio, o Sacerdócio, a Vida
Religiosa e Missionária, a Dedicação a Deus nas Comunidades Novas, a Virgindade
Consagrada nas Igrejas Particulares e outras formas de compromisso pessoal com
o Senhor. Há lugar e oportunidade para todos e ninguém pense não ter uma
vocação. Todos, sem exceção, têm um olhar pessoal de Deus a ser realizado na
Igreja.
E somos
ainda convidados a retornar ao argumento inicial, a profissão e a vocação. Um
dia, perguntei a um jardineiro o que estava atrás da beleza de seu trabalho.
Respondeu-me com simplicidade que era apenas o amor com que suas mãos
realizavam as tarefas. Apenas! E encontro homens e mulheres de tantas outras
profissões que as realizam com inigualável unção! Capacidades humanas foram
elevadas a uma sacralidade impressionante. Tive inúmeros contatos com médicos,
para dar um exemplo, que se deixam conduzir pelo Espírito Santo em suas
delicadas tarefas. A diferença está lá dentro da pessoa, que pode ser apenas um
profissional frio ou se deixar conduzir pela graça de Deus. Acontece então um
encontro maravilhoso entre a iniciativa do Senhor, que nos leva em conta, e as
capacidades humanas, cuja fonte se encontra também nele. A Ele a honra, o
louvor e a glória, para sempre.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de
Belém do Pará
Nenhum comentário:
Postar um comentário