terça-feira, 19 de agosto de 2014

Discurso do Papa no encontro com os bispos da Ásia



 DISCURSO Viagem apostólica à Coreia do Sul Encontro com os bispos da Ásia Santuário de Haemi Domingo, 17 de agosto de 2014

Queridos Irmãos Bispos!

Dirijo-vos uma fraterna e cordial saudação no Senhor, que nos reuniu neste lugar sagrado onde numerosos cristãos deram a sua vida pela fidelidade a Cristo. O seu testemunho de caridade trouxe graças e bênçãos para a Igreja na Coreia e mesmo para além das suas fronteiras: as suas orações nos ajudem a ser pastores fiéis das almas confiadas aos nossos cuidados! Agradeço ao Cardeal Gracias as amáveis palavras de boas-vindas e o trabalho desenvolvido pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia para dar impulso à solidariedade e promover a ação pastoral nas vossas Igrejas locais.

Neste vasto Continente, onde vive uma grande variedade de culturas, a Igreja é chamada a ser versátil e criativa no seu testemunho do Evangelho, através do diálogo e da abertura a todos. Na verdade, o diálogo é parte essencial da missão da Igreja na Ásia (cf. Ecclesia in Asia, 29). Mas, ao empreendermos o caminho do diálogo com indivíduos e culturas, qual deve ser o nosso ponto de partida e o ponto de referência fundamental que nos guia para a nossa meta? Tal ponto é, sem dúvida, a nossa identidade própria, a nossa identidade de cristãos. Não podemos comprometer-nos num verdadeiro diálogo, se não estivermos conscientes da nossa identidade. E, por outro lado, não pode haver diálogo autêntico, se não formos capazes de abrir a mente e o coração, com empatia e sincera receptividade, àqueles com quem falamos. Por conseguinte, um sentido claro da identidade própria de cada um e a capacidade de empatia constituem o ponto de partida para qualquer diálogo. Se queremos comunicar de forma livre, franca e frutuosa com os outros, devemos ter bem claro aquilo que somos, aquilo que Deus fez por nós e aquilo que Ele exige de nós. E se a nossa comunicação não quer ser um monólogo, deve haver abertura de mente e coração para aceitar indivíduos e culturas.

Todavia nem sempre se revela fácil esta tarefa de nos apropriarmos da nossa identidade e de a exprimirmos, pois, uma vez que somos pecadores, sempre nos sentiremos tentados pelo espírito do mundo, que se manifesta de variados modos. Queria assinalar aqui três. O primeiro deles é o deslumbramento enganador do relativismo, que obscurece o esplendor da verdade e, abalando a terra sob os nossos pés, impele-nos para areias movediças: as areias movediças da confusão e do desespero. É uma tentação que, no mundo atual, atinge também as comunidades cristãs, levando as pessoas a esquecerem-se de que, “subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre” (Gaudium et spes, 10; cf. Heb 13, 8). Não falo aqui do relativismo entendido apenas como um sistema de pensamento, mas daquele relativismo prático quotidiano que, de forma quase imperceptível, enfraquece qualquer identidade.

Homilia do Papa na conclusão da Jornada da Juventude Asiática



HOMILIA Viagem apostólica à Coreia do Sul Santa Missa de conclusão da
VI Jornada da Juventude Asiática Castelo de Haemi Domingo, 17 de agosto de 2014

Queridos jovens amigos!

“A glória dos mártires resplandece sobre vós”: estas palavras, que fazem parte do tema da VI Jornada Asiática da Juventude, são de consolação para todos nós e dão-nos força. Jovens da Ásia, vós sois herdeiros dum grande testemunho, duma preciosa confissão de fé em Cristo. Ele é a luz do mundo, é a luz da nossa vida! Os mártires da Coreia, e tantos outros em toda a Ásia, entregaram seus corpos aos perseguidores; mas, a nós, entregaram um testemunho perene de que a luz da verdade de Cristo afugenta todas as trevas e o amor de Cristo triunfa glorioso. Com a certeza da sua vitória sobre a morte e da nossa participação nela, podemos enfrentar o desafio de ser seus discípulos hoje, nas nossas situações de vida e no nosso tempo.

As palavras, sobre as quais acabamos de refletir, são uma consolação. A outra parte do tema desta Jornada – “Juventude da Ásia, levanta-te!” – fala-vos de um dever, de uma responsabilidade. Consideremos brevemente cada uma destas palavras. Antes de mais nada, a expressão “da Ásia”. Reunistes-vos aqui, na Coreia, vindos de toda a parte da Ásia. Cada um de vós possui um lugar e um contexto próprios, onde sois chamados a espelhar o amor de Deus. O Continente Asiático, permeado de ricas tradições filosóficas e religiosas, continua a ser uma grande delimitação que espera o vosso testemunho de Cristo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14, 6). Como jovens que não apenas vivem na Ásia, mas são filhos e filhas deste grande Continente, tendes o direito e o dever de tomar parte plena na vida das vossas sociedades. Não tenhais medo de levar a sabedoria da fé a todos os campos da vida social!

Além disso, como jovens asiáticos, vedes e amais, a partir de dentro tudo o que é belo, nobre e verdadeiro nas vossas culturas e tradições. Ao mesmo tempo, como cristãos, sabeis também que o Evangelho tem a força de purificar, elevar e aperfeiçoar este patrimônio. Através da presença do Espírito Santo, que vos foi dado no Batismo e selado na Crisma, podeis, em união com os vossos pastores, apreciar os inúmeros valores positivos das diferentes culturas da Ásia. Além disso, sois capazes de discernir aquilo que é incompatível com a vossa fé católica, o que é contrário à vida da graça enxertada em vós com o Batismo, e os aspectos da cultura contemporânea que são pecaminosos, corruptos e levam à morte.

Voltando ao tema desta Jornada, detenhamo-nos agora sobre a palavra: “Juventude”. Vós e os vossos amigos estais cheios do otimismo, de energia e de boa vontade, característicos desta estação da vossa vida. Deixai que Cristo transforme o vosso natural otimismo em esperança cristã, a vossa energia em virtude moral, a vossa boa vontade em amor genuíno que sabe sacrificar-se! Este é o caminho que sois chamados a empreender. Este é o caminho para vencer tudo o que ameaça a esperança, a virtude e o amor na vossa vidas e na vossa cultura. Assim a vossa juventude será um presente para Jesus e para o mundo.

Homilia do Papa na Missa pela paz e reconciliação na Coreia



 HOMILIA Viagem Apostólica à Coreia do Sul Santa Missa pela paz e reconciliação Catedral de Myeong-dong, Seul Segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Queridos irmãos e irmãs!

A minha estadia na Coreia está a chegar ao fim e não posso deixar de agradecer a Deus pelas muitas bênçãos que concedeu a este amado país e, de maneira particular, à Igreja na Coreia. De entre tais bênçãos, conservo de modo especial a experiência, que vivemos juntos nestes últimos dias, da presença de tantos jovens peregrinos originários de todas as partes da Ásia. O seu amor por Jesus e o seu entusiasmo pela propagação do seu Reino foram uma inspiração para todos.

A minha visita culmina agora nesta celebração da Santa Missa, em que imploramos de Deus a graça da paz e da reconciliação. Esta oração reveste-se de particular ressonância na Península Coreana. A Missa de hoje é, sobretudo e principalmente, uma oração pela reconciliação nesta família coreana. Jesus diz-nos, no Evangelho, como é poderosa a nossa oração, quando dois ou três se reúnem em seu nome para pedir qualquer coisa (cf. Mt 18, 19-20). Muito mais o será, quando um povo inteiro eleva a sua instante súplica ao céu!

A primeira leitura apresenta a promessa feita por Deus de restaurar na unidade e na prosperidade um povo disperso pela desgraça e a divisão. Para nós, como para o povo de Israel, é uma promessa cheia de esperança: indica um futuro que Deus está desde já a preparar para nós. Mas esta promessa está inseparavelmente ligada com um mandamento: o mandamento de retornar a Deus e obedecer de todo o coração à sua lei (cf. Dt 30, 2-3). O dom divino da reconciliação, da unidade e da paz está inseparavelmente ligado à graça da conversão: trata-se de uma transformação do coração, que pode mudar o curso da nossa vida e da nossa história, como indivíduos e como povo.

Discurso do Papa às comunidades religiosas da Coreia



 VIAGEM APOSTÓLICA À COREIA DO SUL Encontro com as comunidades religiosas Centro de Treinamentos “School of Love”
Sábado, 16 de agosto de 2014

Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

Saúdo-vos a todos com afeto no Senhor: é bom estar convosco hoje e partilhar este momento de comunhão. A grande variedade de carismas e atividades apostólicas que representais enriquece, de forma maravilhosa, a vida da Igreja na Coreia e para além dela. Nesta celebração das Vésperas, em que cantamos os louvores da infinita bondade e misericórdia de Deus, agradeço-vos, a vós e a todos os vossos irmãos e irmãs, pelo empenho posto na edificação do Reino de Deus nesta amada nação. Agradeço ao Padre Hwang Seok-mo e à Irmã Scholastica Lee Kwang-ok, Presidentes das conferências coreanas dos Superiores Maiores masculinos e femininos dos Institutos Religiosos e das Sociedades de Vida Apostólica, as amáveis palavras de boas-vindas.

As palavras do Salmo – “Minha carne e meu coração desfalecem; rochedo do meu coração e minha porção é Deus para sempre!” (Sl 73, 26) – fazem-nos pensar na nossa vida. O Salmista expressa jubilosa confiança em Deus. Todos sabemos que, mesmo se a alegria não se expressa da mesma forma em todos os momentos da vida, especialmente nos momentos de grande dificuldade, «sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de sermos infinitamente amados» (Evangelii gaudium, 6).

A firme certeza de ser amados por Deus está no centro da vossa vocação: ser para os outros um sinal tangível da presença do Reino de Deus, uma antecipação das alegrias eternas do céu. Somente se o nosso testemunho for alegre é que poderemos atrair homens e mulheres para Cristo; e esta alegria é um dom que se alimenta de uma vida de oração, da meditação da Palavra de Deus, da celebração dos Sacramentos e da vida comunitária. Quando faltam estas coisas, aparecerão as fraquezas e dificuldades que obscurecem a alegria conhecida tão intimamente no início do nosso caminho.

Para vós, homens e mulheres consagrados a Deus, tal alegria está enraizada no mistério da misericórdia do Pai revelada no sacrifício de Cristo sobre a cruz. Quer o carisma do vosso instituto se oriente mais para contemplação, quer se volte mais para a vida ativa, o vosso desafio é tornar-vos «especialistas» na misericórdia divina precisamente através da vida em comunidade. Sei, por experiência, que a vida comunitária nem sempre é fácil, mas é um terreno providencial para a formação do coração. Não é realista esperar que não haja conflitos: surgirão incompreensões e será preciso enfrentá-las. Mas, apesar destas dificuldades, é na vida comunitária que somos chamados a crescer na misericórdia, na paciência e na caridade perfeita.

Homilia do Papa na Beatificação de Paul Yun Ji-Chung e 123 companheiros

Missa de Beatificação de Paul Yun Ji-Chung 
e 123 companheiros mártires
Porta de Gwanghwamun a Seoul, Coreia do Sul
Sábado, 16 de agosto de 2014

«Quem nos separará do amor de Cristo?» (Rm 8, 35). Com estas palavras, São Paulo fala-nos da glória da nossa fé em Jesus: Cristo não só ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu, mas uniu-nos a Si mesmo, tornando-nos participantes da sua vida eterna. Cristo é vitorioso e a sua vitória é nossa!

Hoje celebramos esta vitória em Paulo Yun Ji-chung e nos seus 123 companheiros. Os seus nomes vêm juntar-se aos dos Santos Mártires André Kim Taegon, Paulo Chong Hasang e companheiros, aos quais pouco antes prestei homenagem. Todos viveram e morreram por Cristo e agora reinam com Ele na alegria e na glória. Com São Paulo, dizem-nos que Deus, na morte e ressurreição de seu Filho, nos deu a maior de todas as vitórias. De fato, «nem a morte, nem a vida, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8, 38-39).

A vitória dos mártires, o testemunho por eles prestado à força do amor de Deus, continua ainda hoje a dar frutos na Coreia, na Igreja que recebe incentivo do seu sacrifício. A celebração do Beato Paulo e dos seus companheiros nos dá oportunidade de voltar aos primeiros momentos, aos alvores da Igreja na Coreia. Convido-vos, católicos coreanos, a lembrar as grandes coisas que Deus realizou nesta terra e a guardar, como um tesouro, o legado de fé e caridade que vos foi confiado pelos vossos antepassados.

Qual é a melhor atitude do católico frente aos que têm outras crenças?


Respeito e compreensão com todos, ecumenismo com os que buscam a verdade e colaboração com todas as pessoas de boa vontade.
 
Em nossas relações com os que não compartilham a mesma fé que nós, é importante levar em consideração principalmente dois princípios, contidos no documento conciliar sobre a liberdade religiosa Dignitatis Humanae:


Liberdade de consciência
 
Consiste no direito e no dever que cada pessoa tem de buscar a verdade e segui-la segundo sua consciência. Ninguém tem o direito de impor a outro uma determinada crença, ainda que lhes pareça ser a melhor.

 
Liberdade religiosa

 
Consiste no direito que cada pessoa tem de professar publicamente sua crença, sozinho ou em grupo, sem que ninguém possa impedi-la.

 
Levando em consideração estes dois princípios básicos, apresentamos aqui algumas atitudes frente aos que não compartilham nossa fé:

 
1. Tolerância

 
Consiste em respeitar todos, sem distinção de credo, etnia ou ideologia.

 
2. Diálogo

 
Consiste em falar e escutar. É o método mais adequado para favorecer o conhecimento e o respeito mútuos. O diálogo tem de estar sempre aberto a todos, crentes e não crentes, confiando no "esplendor da verdade" e tentando sempre compreender ao invés de julgar.

 
3. Ecumenismo

 
Segundo o Concílio Ecumênico Vaticano II, " por 'movimento ecumênico' entendem-se as atividades e iniciativas que são suscitadas e ordenadas segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos" (Unitatis Redintegratio, 4).


Portanto, não se trata de uma espécie de convivência pacífica entre os discípulos de Cristo, aceitando a divisão como um fato normal, e sim de um esforço consciente por curar as divisões que se foram criando ao longo da história e restabelecer a unidade, tornando realidade o desejo de Cristo na véspera da sua Paixão: "Que todos sejam um" (João 17, 21).

Levando tudo isso em consideração, não pode haver ecumenismo e proselitismo ao mesmo tempo. São dois caminhos contrários. Felizmente, já é uma bela realidade o diálogo ecumênico entre a Igreja Católica, as Igrejas Ortodoxas e as que tiveram origem na Reforma Protestante.
Esperamos que algum dia se possa dar também o diálogo com aqueles grupos que atualmente têm uma atitude sectária, uma vez que tenham tomado consciência do grave dano que estão provocando à causa do Evangelho e optem pelo caminho da reconciliação e da unidade.


sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Solenidade da Assunção de Nossa Senhora - A realeza de Maria Santíssima


Em 1950, o Papa Pio XII, por meio da constituição apostólica Munificentissimus Deus, definiu “ser dogma divinamente revelado que a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” [1]. Ou seja, Deus, em sua bondade, dispôs que o corpo de Maria, que carregou em seu ventre o próprio Verbo humanado, fosse poupado da corrupção do túmulo. Por mais que se usem argumentos para explicar logicamente esse mistério, a Assunção de Maria é um ato gratuito e livre de amor do Todo-Poderoso, que quis elevar a bem-aventurada Virgem Maria primeiro à glória do Céu.

O argumento mais convincente para a elevação de Nossa Senhora é o da ausência. Não existe nenhum lugar onde se possa dizer que o seu corpo esteja enterrado. Como é possível que os primeiros cristãos, que conservavam os sepulcros dos grandes santos e padres da Igreja primitiva, não tenham guardado o túmulo da mãe de Cristo? De fato, existe um túmulo no Getsêmani, mas ele frequentemente é referido como um “túmulo vazio”, pois os fiéis católicos, desde o começo, creem que Maria está ressuscitada na glória dos céus.

É interessante que, no mosaico da abside da Basílica de Santa Maria em Trastevere, em Roma, Nossa Senhora não só está à direita de Nosso Senhor – como indicam as palavras do salmista: “À vossa direita se encontra a rainha com veste esplendente de ouro de Ofir” [2] –, mas os dois se encontram sentados no mesmo trono. Jesus tem seu braço direito envolvendo Sua mãe e ela, que tem em uma mão um manuscrito do Cântico dos Cânticos, mantém os seus dedos apontados para Jesus – a Rainha que aponta para o Rei. É uma imagem do que acontece nas bodas de Caná, quando ela diz: “Fazei tudo o que ele vos disser” [3], e do que rezamos na Salve Rainha: Et Iesum, benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende. Depois deste desterro, ela realmente nos mostra Jesus.

Essa figura de Jesus e Maria sentados no mesmo trono está profundamente enraizada na teologia bíblica. No livro Queen Mother: A Biblical Theology of Mary’s Queenship [“Rainha Mãe: Uma Teologia Bíblica da Realeza de Maria”][4], Edward Sri explica como, no reino de Judá, o rei sempre reinava juntamente com sua mãe. Assim, por exemplo, Salomão, ao ser entronizado como rei, colocou sua mãe, Betsabéia, à sua direita: “Betsabéia foi até o rei Salomão para falar a respeito de Adonias. O rei levantou-se e veio a seu encontro, prostrou-se diante dela e, depois, sentou-se no trono. Puseram também um trono para a mãe do rei, a qual sentou-se à sua direita” [5]. Essa cerimônia do Antigo Testamento nada mais é que prefiguração do reinado de Cristo e de Sua mãe, Maria Santíssima, para quem também foi colocado um trono no Céu. Apenas São Gabriel Arcanjo diz a Maria que “o Senhor Deus lhe dará [a Jesus] o trono de Davi, seu pai” [6], ela tomou consciência de que seria rainha.

Santo Afonso Maria de Ligório ensina, citando São Pedro Damião, que o mistério da subida de Maria aos céus foi mais solene do que a ascensão de Jesus, “porque só os anjos saíram ao encontro de Jesus Cristo, mas Nossa Senhora foi assunta ao céu na presença do Senhor da glória e de toda a sociedade bem-aventurada dos anjos e dos santos” [7]. A Igreja recorda a realeza de Maria na Liturgia, quando lê a passagem do Apocalipse de São João que fala de “uma Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas (...). E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro” [8]. 

Homilia do Papa, na Coreia, na Solenidade da Assunção

HOMILIA
Viagem apostólica à Coreia do Sul
Santa Missa na solenidade da Assunção de Maria
World Cup Stadium – Daejeon
Sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Amados irmãos e irmãs em Cristo!

Em união com toda a Igreja, celebramos a Assunção de Nossa Senhora, em corpo e alma, à glória do Paraíso. A Assunção de Maria mostra-nos o nosso destino como filhos adoptivos de Deus e membros do Corpo de Cristo: como Maria, nossa Mãe, somos chamados a participar plenamente na vitória do Senhor sobre o pecado e a morte e a reinar com Ele no seu Reino eterno.

O «grande sinal» apresentado na primeira leitura – uma mulher vestida de sol e coroada de estrelas (cf. Ap 12, 1) – convida-nos a contemplar Maria, entronizada na glória junto do seu divino Filho. Convida-nos ainda a tomar consciência do futuro que, já desde agora, abre diante de nós o Senhor Ressuscitado. Tradicionalmente, os coreanos celebram esta festa à luz da sua experiência histórica, reconhecendo a amorosa intercessão de Maria operante na história da nação e na vida do povo.

Na segunda leitura de hoje, ouvimos São Paulo afirmar que Cristo é o novo Adão, cuja obediência à vontade do Pai derrubou o reino do pecado e da escravidão e inaugurou o reino da vida e da liberdade (cf. 1 Cor 15, 24-25). A verdadeira liberdade encontra-se no amoroso acolhimento da vontade do Pai. De Maria, cheia de graça, aprendemos que a liberdade cristã é algo mais do que a mera libertação do pecado; é a liberdade que abre para um novo modo espiritual de considerar as realidades terrenas, a liberdade de amar a Deus e aos nossos irmãos e irmãs com um coração puro e viver na jubilosa esperança da vinda do Reino de Cristo.

Hoje, ao venerar Maria, Rainha do Céu, dirigimo-nos a Ela como Mãe da Igreja na Coreia para Lhe pedir que nos ajude a ser fiéis à liberdade régia que recebemos no dia do Baptismo; que guie os nossos esforços por transformar o mundo segundo o plano de Deus; e que torne a Igreja neste país capaz de ser, de uma forma mais plena, fermento do Reino de Deus na sociedade coreana. Possam os cristãos desta nação ser uma força generosa de renovação espiritual em todas as esferas da sociedade; combatam o fascínio do materialismo que sufoca os autênticos valores espirituais e culturais e também o espírito de desenfreada competição que gera egoísmo e conflitos; rejeitem modelos económicos desumanos que criam novas formas de pobreza e marginalizam os trabalhadores, bem como a cultura da morte que desvaloriza a imagem de Deus, o Deus da vida, e viola a dignidade de cada homem, mulher e criança.

Como católicos coreanos, herdeiros duma nobre tradição, sois chamados a valorizar esta herança e a transmiti-la às gerações futuras. Isto implica para cada um a necessidade duma renovada conversão à Palavra de Deus e uma intensa solicitude pelos pobres, os necessitados e os fracos que vivem no meio de nós.