Em 1950, o Papa Pio XII, por meio da
constituição apostólica Munificentissimus Deus, definiu “ser dogma divinamente
revelado que a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso
da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” [1]. Ou
seja, Deus, em sua bondade, dispôs que o corpo de Maria, que carregou em seu
ventre o próprio Verbo humanado, fosse poupado da corrupção do túmulo. Por mais
que se usem argumentos para explicar logicamente esse mistério, a Assunção de
Maria é um ato gratuito e livre de amor do Todo-Poderoso, que quis elevar a
bem-aventurada Virgem Maria primeiro à glória do Céu.
O argumento mais convincente para a
elevação de Nossa Senhora é o da ausência. Não existe nenhum lugar onde se
possa dizer que o seu corpo esteja enterrado. Como é possível que os primeiros
cristãos, que conservavam os sepulcros dos grandes santos e padres da Igreja
primitiva, não tenham guardado o túmulo da mãe de Cristo? De fato, existe um
túmulo no Getsêmani, mas ele frequentemente é referido como um “túmulo vazio”,
pois os fiéis católicos, desde o começo, creem que Maria está ressuscitada na
glória dos céus.
É interessante que, no mosaico da
abside da Basílica de Santa Maria em Trastevere, em Roma, Nossa Senhora não só
está à direita de Nosso Senhor – como indicam as palavras do salmista: “À vossa
direita se encontra a rainha com veste esplendente de ouro de Ofir” [2] –, mas
os dois se encontram sentados no mesmo trono. Jesus tem seu braço direito
envolvendo Sua mãe e ela, que tem em uma mão um manuscrito do Cântico dos
Cânticos, mantém os seus dedos apontados para Jesus – a Rainha que aponta para
o Rei. É uma imagem do que acontece nas bodas de Caná, quando ela diz: “Fazei
tudo o que ele vos disser” [3], e do que rezamos na Salve Rainha: Et Iesum, benedictum fructum
ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende. Depois deste desterro, ela realmente
nos mostra Jesus.
Essa figura de Jesus e Maria sentados
no mesmo trono está profundamente enraizada na teologia bíblica. No livro Queen
Mother: A Biblical Theology of Mary’s Queenship [“Rainha Mãe: Uma Teologia Bíblica da Realeza de Maria”][4], Edward Sri
explica como, no reino de Judá, o rei sempre reinava juntamente com sua mãe.
Assim, por exemplo, Salomão, ao ser entronizado como rei, colocou sua mãe,
Betsabéia, à sua direita: “Betsabéia foi até o rei Salomão para falar a
respeito de Adonias. O rei levantou-se e veio a seu encontro, prostrou-se
diante dela e, depois, sentou-se no trono. Puseram também um trono para a mãe
do rei, a qual sentou-se à sua direita” [5]. Essa cerimônia do Antigo
Testamento nada mais é que prefiguração do reinado de Cristo e de Sua mãe,
Maria Santíssima, para quem também foi colocado um trono no Céu. Apenas São
Gabriel Arcanjo diz a Maria que “o Senhor Deus lhe dará [a Jesus] o trono de
Davi, seu pai” [6], ela tomou consciência de que seria rainha.
Santo Afonso Maria de Ligório ensina,
citando São Pedro Damião, que o mistério da subida de Maria aos céus foi mais
solene do que a ascensão de Jesus, “porque só os anjos saíram ao encontro de
Jesus Cristo, mas Nossa Senhora foi assunta ao céu na presença do Senhor da
glória e de toda a sociedade bem-aventurada dos anjos e dos santos” [7]. A
Igreja recorda a realeza de Maria na Liturgia, quando lê a passagem do
Apocalipse de São João que fala de “uma Mulher vestida de sol, tendo a lua
debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas (...). E ela deu à
luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro”
[8].
Quando celebramos o mistério da
Assunção, não estamos simplesmente lembrando a elevação de Nossa Senhora, como
também o mistério de Sua presença. Em uma introdução à encíclica Redemptoris
Mater, de São João Paulo II, o cardeal Joseph Ratzinger, comentando o método
usado pelo Papa para escrever esse documento, diz que ele nos apresenta uma
“mariologia histórico-dinâmica”. Ou seja, ao invés de seguir a esteira da
mariologia do século XIX e início do XX, a encíclica prefere apresentar os
mistérios, não como realidades estáticas, mas como um dom que nos alcança:
“Maria não habita apenas no passado ou
em altas esferas do céu sob a imediata ação divina; ela permanece presente
neste momento histórico real; ela é uma pessoa agindo aqui e agora. Sua vida
não é apenas uma realidade que está atrás de nós, ou acima de nós; mas ela vai
à nossa frente, como o Papa faz questão de enfatizar” [9].
De fato, fazendo menção do ensinamento
do Concílio Vaticano II [10], o Papa recorda que:
“Maria contribui de maneira especial
para a união da Igreja peregrina na terra com a realidade escatológica e
celeste da comunhão dos santos, tendo já sido ‘elevada ao Céu’. (...) No
mistério da Assunção exprime-se a fé da Igreja, segundo a qual Maria está
‘unida por um vínculo estreito e indissolúvel a Cristo’, pois, se já como
mãe-virgem estava a Ele unida singularmente na sua primeira vinda, pela sua
contínua cooperação com Ele o estará também na expectativa da segunda: ‘Remida
dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho’, ela tem também
aquele papel, próprio da Mãe, de medianeira de clemência, na vinda definitiva,
quando todos os que são de Cristo forem vivificados e quando ‘o último inimigo
a ser destruído será a morte’ (1 Cor 15, 26).” [11]
É como “medianeira de clemência” que os
cristãos invocam a Virgem Santíssima na oração da Salve Rainha: depois de
manifestar a nossa condição de pecadores e “degredados filhos de Eva” “neste
vale de lágrimas”, o texto pede à toda santa Mãe de Deus – eis a única graça
que nos importa pedir – que nos mostre Jesus.
Essa bela prece, escrita pelo
bem-aventurado Hermano Contractus, monge na abadia de Reichenau, no século XI,
foi popularizada quando Pedro, o Venerável, abade de Cluny, ordenou que ela
fosse cantada nas festas da Assunção. Rezemo-la com fervor, proclamando a realeza
de Maria no Céu e a sua presença como mãe e medianeira em nossas vidas.
Referências
1. Munificentissimus
Deus, 44
2. Sl 44, 10
3. Jo 2, 5
5. 1 Rs 2, 19. Cf. também, sobre esse assunto, RC 187: Por
que nós chamamos a Virgem Maria de Rainha e de Senhora?
6. Lc 1, 32
7. Glórias de Maria, p. II, I, 8, 1
8. Ap 12, 1.5
9.
Joseph Ratzinger, The Sign of the Woman, 21
10. Cf. Lumen
Gentium, 53
11. Redemptoris
Mater, 41
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Fonte: Christo Nihil Praeponere
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