CONCÍLIO
ECUMÊNICO DE TRENTO
Sessão VI
Celebrada no tempo do Sumo Pontífice Paulo III,
Sessão VI
Celebrada no tempo do Sumo Pontífice Paulo III,
em
13 de janeiro do ano do Senhor de 1547
A
SALVAÇÃO
(ou: A JUSTIFICAÇÃO)
(ou: A JUSTIFICAÇÃO)
Decreto sobre a Salvação
Prólogo
Havendo-se difundido nestes
tempos, não sem a perda de muitas almas e grave corrosão na unidade da Igreja,
certas doutrinas errôneas sobre a Salvação, o Sacrossanto, Ecumênico e Geral
concílio de Trento, congregado legitimamente no Espírito Santo e presidido em
nome de nosso santíssimo Padre e senhor em Cristo, Paulo, pela divina
providência Papa III deste nome, pelos reverendíssimos senhores José Maria
Monte, Bispo de Palestina, e Marcelo, Presbítero do título de Santa Cruz em
Jerusalém, Cardeais da Santa Igreja Romana e Legados Apostólicos, se propõe
declarar a todos os fiéis cristãos, pela honra e glória de Deus Onipotente,
para tranqüilidade da Igreja e salvação das almas, a verdadeira e perfeita
doutrina da salvação, que o Sol de Justiça, Jesus Cristo, autor e consumador de
nossa fé ensinou, seus Apóstolos a comunicaram e perpetuamente foi admitida
pela Igreja Católica inspirada pelo Espírito Santo, proibindo com o maior rigor
que qualquer um, de ora em diante se atreva a crer, pregar ou ensinar de outro
modo que aquele que estabelece e declara no presente decreto.
Cap. I - A
natureza e a lei não podem salvar os homens
Ante todas estas coisas declara o
santo Concilio que, para entender bem e sinceramente a doutrina da Salvação, é
necessário que todos saibam e confessem que todos os homens, havendo perdido a
inocência pela prevaricação de Adão, feitos imundos e, como diz o Apóstolo:
"Filhos da ira por natureza", segundo se expôs no decreto do pecado
original, em tal grau eram escravos do pecado e estavam sob o império do
demônio e da morte que não só os gentios por força da natureza, como também os
judeus pelas Escrituras da lei de Moisés, poderiam se erguer ou conseguir sua
liberdade; mesmo que o livre arbítrio não fora extinto.
Cap. II - Da
missão e mistério da vinda de Cristo
Por este motivo, o Pai Celestial,
o Pai de Misericórdia e Deus Todo Poderoso e Todo Consolo, enviou aos homens,
quando chegou aquela ditosa plenitude do tempo, Jesus Cristo, Seu Filho
Manifestado e Prometido a muitos santos Padres antes da lei, e em seu tempo,
para que redimisse os Judeus que viviam na Lei, e aos gentios que não aspiravam
a santidade a conseguissem e para que todos recebessem a adoção de filhos. A
seu filho, Deus nomeou como Reconciliador de nossos pecados, mediante a fé em
sua paixão, e não somente de nossos pecados, mas também aqueles de todos os
homens.
Cap. III -
Quem é salvo por Jesus Cristo
Ainda que Jesus Cristo tenha
morrido por todos, nem todos participam do benefício de sua morte, mas somente
aqueles a quem sejam comunicados os méritos de sua Paixão porque, assim como
nasceram os homens, efetivamente impuros, pois nasceram descendentes de Adão, e
sendo concebidos pelo mesmo processo, contraem por esta descendência sua
própria impureza, e do mesmo modo, se não renascessem por Jesus Cristo, jamais
seriam salvos, pois nesta regeneração é conferida a eles, pelo mérito da paixão
de Cristo, a graça com que se tornam salvos. Devido a este benefício nos exorta
o Apóstolo para dar sempre graças ao Pai Eterno, que nos fez dignos de entrar
juntamente com os Santos na glória, nos tirou do poder das trevas e nos
transferiu ao Reino de Seu Filho muito Amado, e é Nele que logramos a redenção
e o perdão dos pecados.
Cap. IV - É
dada a idéia da salvação do pecador e do modo com que se faz na lei da graça
Nas palavras mencionadas se
insinua a descrição da salvação do pecador. O destino transitório, desde o
estado em que nasce o homem descendente do primeiro Adão, ao estado de graça e
de adoção como filhos de Deus, dado pelo segundo Adão, Jesus Cristo, nosso
Salvador, essa translação não se pode conseguir, depois de promulgado o
Evangelho, sem o batismo, ou sem o desejo de ser batizado, segundo o que está
escrito: "Não pode entrar no Reino dos Céus, ninguém que não tenha renascido
pela água e pelo Espírito Santo".
Cap. V - Da
necessidade que tem os adultos em prepararem-se à salvação e de onde ela provém
Declara também que o princípio da
própria salvação dos adultos se deve tomar da graça divina, que lhes é
antecipada por Jesus Cristo, isto é, de Seu chamamento aos homens que não
possuem mérito algum, de sorte que aqueles que eram inimigos de Deus por seus
pecados, se disponham, por sua graça, que os excita e ajuda, a converterem-se
para sua própria salvação, assistindo e cooperando livremente com a mesma
graça. Deste modo, tocando Deus o coração do homem pela iluminação do Espírito
Santo, nem o próprio homem deixe de fazer alguma coisa, admitindo aquela
inspiração, pois ela é desejada, e nem poderá mover-se por sua livre vontade
sem a graça divina em direção à salvação na presença de Deus. Por isto é que
quando se diz nas Sagradas Escrituras: "Converte-nos a Ti Senhor, e
seremos convertidos", confessamos que somos prevenidos pela Divina Graça.
CAP. VI. Modo
desta preparação.
As pessoas dispõem-se para a
salvação, quando movidos e ajudados pela Graça Divina, e trocando o ódio pela
fé, se inclinam deliberadamente a Deus, crendo ser verdade o que
sobrenaturalmente Ele revelou e prometeu. Em primeiro lugar, Deus salva o
pecador pela graça que ele adquiriu na redenção, por Jesus Cristo, e
reconhecendo-se como pecadores e passando a admitir a justiça divina, que na
realidade os faz aceitar a misericórdia de Deus, adquirem esperanças de que
Deus os olhará com misericórdia pela Graça de Jesus Cristo, e começam a
amar-Lhe como fonte de toda justiça e salvação, e por isso se voltam contra
seus pecados com algum ódio e repulsão, isto é, com aquele arrependimento que
devem ter antes de serem batizados e enfim, se propõe a receber este
sacramento, começar uma vida nova e observar os mandamentos de Deus.
Desta disposição é que falam as
Escrituras, quando diz: "Aquele que se aproxima de Deus deve crer que Ele
existe, e que é o Remunerador dos que O buscam. Confia filho: teus pecados
serão perdoados, e o termos a Deus afugenta os pecados". E também:
"Fazei penitência e receba cada um de vós o batismo em nome de Jesus
Cristo para a remissão de vossos pecados e conseguireis o Dom do Espírito
Santo". E ainda: "Ide pois e ensinai todos os povos, batizando-os em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinai-as também a observar tudo
que Eu recomendei". E enfim: "Preparai vossos corações para o
Senhor".
Cap. VII -
Que é a salvação do pecador e quais suas consequências
A esta disposição ou preparação se
segue a salvação em si mesma, que não só é o perdão dos pecados mas também a
satisfação e renovação do homem interior, pela admissão voluntária da graça e
dons que a seguem, e daí resulta que o homem de injusto pecador, passa a ser
justo e de inimigo a amigo, para ser herdeiro na esperança da vida eterna. As
conseqüências desta salvação são a glória final de Deus e de Jesus Cristo, e a
vida eterna.
O meio para conseguir isso, é Deus
Misericordioso, que gratuitamente nos limpa e santifica, marcando-nos e
ungindo-nos com o Espirito Santo, que nos é prometido e que é o prêmio da
herança que havemos de receber. A conseqüência meritória é o muito Amado e
Unigênito Filho, nosso Senhor Jesus Cristo que em virtude da imensa caridade
com que nos amou, a nós que éramos inimigos, nos brindou, com Sua Santíssima
paixão no madeiro da Cruz, com a salvação e fez por nós a vontade de Deus Pai.
O instrumento destas benemerências é o sacramento do Batismo, que é sacramento
de fé, sem a qual ninguém jamais conseguiu ou conseguirá a salvação.
Efetivamente a única conseqüência formal é a Santidade de Deus, não aquela com
a qual Ele mesmo é Santo, porém com aquela com que nos faz santos, ou seja, com
a Santidade que dotados por Ele, somos renovados interiormente em nossas almas,
e não só seremos salvos, mas também assim Ele nos chama, e seremos
participantes, cada um de nós, da Santidade segundo à medida que nos fornece o
Espírito Santo, de acordo com sua vontade e segundo à própria disposição e
cooperação de cada um.
Sabemos ainda que apenas poderão
ser salvos aqueles a quem forem ensinados os benefícios da Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Isto porém, se consegue na salvação do pecador, quando o
benefício da mesma santíssima paixão se difunde pelo amor de Deus por meio do
Espírito Santo nos corações dos que são salvos e fica inerente neles.
A partir disso, que na própria
salvação, além da remissão dos pecados, se difundem ao mesmo tempo no homem,
por Jesus Cristo, com quem se une, a fé, a esperança e a caridade, pois a fé,
se não estiver firmemente agregada à esperança e à caridade, nem une
perfeitamente o homem com Cristo, nem o faz membro vivo de Seu Corpo. Por esta
razão se diz com máxima verdade que a fé sem obras é uma fé morta e ociosa, e
também, para Jesus Cristo nada vale a circuncisão, nem a falta dela, mas vale
apenas a fé que ocorre pela caridade. Esta é aquela fé que por tradição dos
Apóstolos pedem os Catecúmenos à Igreja, antes de receber o sacramento do
batismo quando pedem a fé que dá vida eterna, a qual não pode vir da fé
sozinha, sem esperança nem caridade. Daqui então, imediatamente vem à lembrança
as palavras de Jesus Cristo: "Se quiseres entrar no Céu, observa os
mandamentos". Em conseqüência disso, quando os renascidos ou batizados
recebem a verdadeira e Cristã Santidade, são alertados imediatamente que a
conservem em toda a pureza e serenidade com que a receberam, para que não
ocorra como Adão que a perdeu, por sua desobediência, tanto para si como para
seus descendentes. Esta Santidade lhes deu Jesus Cristo com a finalidade de com
ela se apresentarem perante Seu tribunal, e consigam a salvação eterna.
Cap. VIII -
Como se entende que o pecador se salva pela fé e pela graça
Quando o Apóstolo diz que o homem
se salva pela fé e pela graça, suas palavras devem ser entendidas com aquele
sentido que a Igreja Católica adotou e consentiu perpetuamente, de que quando
se diz que somos salvos pela fé enquanto esta é o princípio de salvação do
homem, fundamento e raiz de toda salvação, e sem a qual é impossível sermos
agradáveis a Deus, ou participar do bom destino de Seus filhos, também se diz
que somos salvos pela graça pois nenhuma das coisas que precedem à salvação,
seja a fé ou sejam as obras merece a graça da salvação porque se é graça, não
provém das obras, ou como diz o Apóstolo, a graça não seria graça.
Cap. IX -
Contra a vã confiança dos hereges
Mesmo que seja necessário crer que
os pecados não se perdoam e nem jamais serão perdoados senão pela graça da
misericórdia Divina e pelos méritos de Jesus Cristo, sem dúvida não se pode
dizer que se perdoam ou que se tenham perdoado a ninguém que tenha ostentado
sua confiança e certeza de que seus pecados sejam perdoados sem a graça e
misericórdia de Deus, e se fiem apenas nisso, pois podem ser encontrados entre
os hereges e cismáticos, ou melhor dizendo, se fala muito em nossos tempos e se
preconiza com grande empenho contra a Igreja Católica, esta confiança vã e
muito distante de toda piedade, nem tão pouco se pode negar que os
verdadeiramente salvos devem ter por certo em seu interior, sem a menor dúvida,
que estão salvos pela graça e misericórdia divina, nem que ninguém fica
absolvido de seus pecados e se salva senão com a certeza que está absolvido e
salvo com essa mesma graça, nem que com apenas esta crença consegue toda sua perfeição,
perdão e salvação, dando a entender que aquele que não cresse nisto, duvidaria
das promessas de Deus e da certeza da morte e ressurreição de Jesus Cristo,
pois assim como nenhuma pessoa piedosa deve duvidar da misericórdia Divina, dos
méritos de Jesus Cristo, nem da virtude e eficácia dos sacramentos.
Do mesmo modo todos podem recear e
temer a respeito de seu estado de graça se reverterem toda consideração a si
mesmos e a sua própria debilidade e indisposição, pois ninguém pode saber mesmo
com a certeza de sua fé, na qual não cabe engano, que tenha conseguido a graça
de Deus.
Cap. X - Do
incremento da salvação obtida
Os que conseguiram a salvação e
assim tornados amigos e íntimos de Deus, caminhando de virtude em virtude, se
renovam como diz o Apóstolo, dia após dia. Assim é, que mortificando sua carne
e servindo-se dela como instrumento para salvação e santificação mediante à
observância dos mandamentos de Deus e da Igreja, crescem na mesma santidade que
conseguiram pela graça de Cristo, e auxiliando a fé com as boas obras, se
salvam cada vez mais, segundo o que está escrito: "Aquele que é justo,
continue em sua salvação". Em outra parte: "Não te receies da
salvação até a morte". Também: "Bem sabeis que o homem se salva por
suas obras, e não só pela fé".
Este é o aumento de santidade que
pede a Igreja quando roga: "Concedei, ó Senhor, aumentar a nossa fé,
esperança e caridade".