“Fazei penitência e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Essas palavras do Senhor mostram a conexão necessária entre a fé e a conversão, entre ser cristão e a mudança de vida à qual ele nos chama. O cristianismo é uma realidade que transforma todo o nosso ser, também a nossa maneira de pensar e de agir, a realidade cristã “nos faz a cabeça e o coração”.
“Já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-lo” (São Cirilo de Jerusalém, Segunda Catequese Mistagógica sobre o Batismo, 2). Quem se aproxima de Deus se transforma numa criatura nova, pois assim como não é possível aproximar-se do sol sem se queimar ou entrar na água sem se molhar, tampouco é possível aproximar-se de Deus sem se transformar.
O 1º Domingo da Quaresma nos apresenta todos os anos o mistério do jejum de Jesus no deserto, seguido das tentações (Mc 1, 12-15).
Quaresma é para nós um tempo forte de conversão e renovação em preparação à Páscoa. É tempo de rasgar o coração e voltar ao Senhor. Tempo de retomar o caminho e de se abrir à graça do Senhor, que nos ama e nos socorre. É um tempo sagrado para aprofundar o Plano de Deus e rever a nossa vida cristã. E nós somos convidados pelo Espírito ao DESERTO da Quaresma para nos fortalecer nas TENTAÇÕES, que frequentemente tentam nos afastar dos planos de Deus.
Mas não pensemos em grandes façanhas, já que as verdadeiras batalhas se travam no dia-a-dia e nas pequenas coisas da nossa existência. Deixar de beber refrigerante durante a Quaresma é bom, melhor ainda seria deixar a aspereza e a falta de educação; não comer carne durante esses dias é algo louvável, mais excelente ainda é viver o pudor e a modéstia no vestir; não comer chocolate durante esse tempo de penitência é algo excelente, contanto que nos ajude a vencer a gula, especialmente a voracidade; não ver televisão durante a quaresma é excelente, mais excelente ainda se abandonássemos de uma vez por todas essas novelas que ferem constantemente a dignidade humana e a nobreza cristã.
A cena da tentação no limiar da vida pública de Jesus, proclama, de maneira impressionante, a inversão de situações que a Redenção vai operar no mundo. Naquilo mesmo em que Adão havia sucumbido, Cristo, o novo chefe da humanidade, triunfará do poder de Satanás: na hora da Paixão será destronado o Príncipe deste mundo.
O evangelho da tentação é prenúncio da vitória de Cristo. Colocando este evangelho no princípio da Quaresma, a Igreja proclama que esta vitória há de ser a nossa. Dentro de nós e ao nosso redor, é a tentação, o combate, a vitória de Cristo que continua: o nosso esforço é o seu; as nossas forças as suas; e o nosso triunfo no dia da páscoa será também o seu.
Como lemos no Livro da Imitação de Cristo, “o homem nunca está totalmente isento da tentação, enquanto viver… mas é com a paciência e a verdadeira humildade que nos tornaremos mais fortes do que todos os inimigos” ( Livro l, c. Xlll ), a paciência e a humildade de seguir o Senhor todos os dias, aprendendo a construir a nossa vida sem O excluir, ou como se Ele não existisse, mas nele e com Ele, porque é a fonte da vida verdadeira. A tentação de eliminar Deus, de pôr ordem sozinho em si mesmo e no mundo, contando unicamente com as próprias capacidades, está sempre presente na história do homem.
É a primeira vez que o demônio intervém na vida de Jesus, e faz isto abertamente. Põe à prova Nosso Senhor; talvez queira averiguar se chegou a hora do Messias. Jesus deixa-o agir para nos dar exemplo de humildade e para nos ensinar – diz São João Crisóstomo –, quis também ser conduzido ao deserto e ali travar combate com o demônio a fim de que os batizados, se depois do batismo sofrem maiores tentações, não se assustem com isso, como se fosse algo de inesperado. Se não contássemos com as tentações que temos de sofrer, abriríamos a porta a um grande inimigo: o desalento e a tristeza.
Jesus proclama que “o tempo se cumpriu, e o Reino de Deus está perto” ( Mc1, 15), anuncia que nele acontece algo de novo: Deus dirige – se ao homem de modo inesperado, com uma proximidade singular, concreta, cheia de amor; Deus encarna – se e entra no mundo do homem para assumir sobre si o pecado, para vencer o mal e restituir o homem ao mundo de Deus. Mas este anúncio é acompanhado pelo pedido de corresponder a um dom muito grande. Com efeito, Jesus acrescenta: “Arrependei –vos e crede no Evangelho” ( Mc1, 15); é o convite a ter fé em Deus e a converter todos os dias a nossa vida à sua Vontade, orientando para o bem todas as nossas obras e pensamentos. O tempo da Quaresma é o momento propício para renovar e tornar mais sólida a nossa relação com Deus, através da oração quotidiana, dos gestos de penitência e das obras de caridade fraterna.
A narrativa das tentações que Jesus sofreu mostra que Jesus “foi experimentado em tudo” (Hb 4, 15), comprovando também a veracidade da Encarnação do Verbo de Deus.
Por isso, a existência do ser humano nesta terra é uma batalha contínua contra o mal. É esta luta contra o pecado, a exemplo de Cristo, que devemos intensificar nesta Quaresma; luta que constitui uma tarefa para a vida toda.
O demônio promete sempre mais do que pode dar. A felicidade está muito longe das suas mãos. Toda a tentação é sempre um engano miserável! Mas, para nos experimentar, o demônio conta com as nossas ambições. E a pior delas é desejar a todo o custo a glória pessoal; a ânsia de nos procurarmos sistematicamente a nós mesmos nas coisas que fazemos e projetamos. Muitas vezes, o pior dos ídolos é o nosso próprio eu. Temos que vigiar, em luta constante, porque dentro de nós permanece a tendência de desejar a glória humana, apesar de termos dito ao Senhor que não queremos outra glória que não a dEle. Jesus também se dirige a nós quando diz: “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás”. E é isto o que nós desejamos e pedimos: servir a Deus, alicerçados na vocação a que Ele nos chamou.
Contamos sempre com a graça de Deus para vencer qualquer tentação. Usemos as armas para vencermos na batalha espiritual, que são: a oração contínua, a sinceridade com o diretor espiritual, a Eucaristia, o sacramento da Confissão (Penitência), um generoso espírito de mortificação cristã, a humildade de coração e uma devoção terna e filial a Nossa Senhora.
Lancemo-nos por conseguinte e confiadamente no combate, enchamo-nos de coragem, considerando que o progresso da vida cristã em nós, é a continuação do triunfo de Cristo.