HOMILIA
Santa
Missa com a imposição das cinzas
Basílica
de Santa Sabina
Quarta-feira,
18 de fevereiro de 2014
Como povo de Deus começamos hoje o caminho da
Quaresma, tempo em que procuramos nos unir mais estreitamente ao Senhor Jesus
Cristo, para partilhar o mistério da sua paixão e da sua ressurreição.
A liturgia da Quarta-Feira de Cinzas nos propõe
antes de tudo o trecho do profeta Joel, enviado por Deus para chamar o povo à
penitência e à conversão, por causa de uma calamidade (uma invasão de
gafanhotos) que devasta a Judeia. Somente o Senhor pode salvar do flagelo e
precisa então suplicá-lo com orações e jejuns, confessando o próprio pecado.
O profeta insiste na conversão interior: “retorneis
a mim com todo o coração” (2, 12). Retornar ao Senhor “com todo o coração”
significa tomar o caminho de uma conversão não superficial e transitória, mas
sim um itinerário espiritual que diz respeito ao lugar mais íntimo da nossa
pessoa. O coração, de fato, é a sede dos nossos sentimentos, o centro em que
amadurecem as nossas escolhas, as nossas atitudes.
Aquele “retorneis a mim com todo o coração” não
envolve somente os indivíduos, mas se estende a toda a comunidade, é uma
convocação dirigida a todos: “congregai o povo, realizai cerimônias de culto,
reuni anciãos, ajuntai crianças e lactentes; deixe o esposo seu aposento, e a
esposa, seu leito” (v. 16).
O profeta se concentra em particular na oração dos
sacerdotes, fazendo observar que deve ser acompanhada pelas lágrimas. Fará bem
a nós, a todos, mas especialmente a nós sacerdotes, pedir no início desta
Quaresma o dom das lágrimas, de forma a tornar a nossa oração e o nosso caminho
de conversão sempre mais autêntico e sem hipocrisia. Fará bem a nós fazer esta
pergunta: eu choro? O Papa chora? O cardeal chora? Os bispos choram? Os
consagrados choram? Os sacerdotes choram? O pranto está nas nossas orações?
É justamente essa a mensagem do Evangelho do dia.
No trecho de Mateus, Jesus relê as três obras de piedade previstas pela lei
mosaica: a esmola, a oração e o jejum, distingue-os, o fato externo, o fato
interno, aquele chorar do coração. Ao longo do tempo, estas prescrições foram
corroídas pelo formalismo exterior, ou então se mudaram em um sinal de
superioridade social. Jesus coloca em evidência uma tentação comum nestas três
obras, que se pode resumir justamente na hipocrisia (a nomeia bem três vezes):
“Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para
serdes vistos por eles… Quando deres esmola, não toques a trombeta diante de
ti, como fazem os hipócritas…Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que
gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem
vistos pelos homens…E quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os
hipócritas” (Mt 6,1.2.5.16). Sabem, irmãos, que os hipócritas não sabem chorar,
esqueceram como se chora, não pedem o dom das lágrimas.
Quando se realiza algo de bom, quase
instintivamente nasce em nós o desejo de ser estimados e admirados por esta boa
ação, para obter uma satisfação. Jesus nos convida a realizar estas obras sem
ostentação alguma e a confiar unicamente na recompensa do Pai “que vê no
segredo” (Mt 6,4.6.18).
Queridos irmãos e irmãs, o Senhor nunca se cansa de
ter misericórdia de nós, e quer nos oferecer uma vez mais o seu perdão, todos
precisamos disso, convidando-nos a voltar a Ele com um coração novo, purificado
do mal, purificado pelas lágrimas, para tomar parte da sua alegria. Como
acolher este convite? Sugere isso São Paulo na Segunda Leitura do dia: “Em nome
de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2 Cor 5, 20).
Este esforço de conversão não é somente uma obra humana, é deixar-se
reconciliar. A reconciliação entre nós e Deus é possível graças à misericórdia
do Pai que, por amor a nós, não hesitou em sacrificar o seu Filho unigênito. De
fato, o Cristo, que era justo e sem pecado, por nós foi feito pecado (v.21)
quando na cruz foi encarregado dos nossos pecados e assim nos redimiu e
justificou diante de Deus. “Nele” nós podemos nos tornar justos, Nele podemos
mudar, se acolhemos a graça de Deus e não deixamos passar em vão o “momento
favorável” (6, 2). Por favor, paremos, paremos um pouco e nos deixemos
reconciliar com Deus.
Com essa consciência, começamos confiantes e
alegres o itinerário quaresmal. Maria Mãe, Imaculada, sem pecado, apoie o
nosso combate espiritual contra o pecado, acompanhe-nos neste momento
favorável, para que possamos alcançar e cantar juntos a exultação da vitória na
Páscoa da Ressurreição.
E como sinal de querer nos deixarmos reconciliar
com Deus, em público cumpriremos o gesto da imposição das cinzas sobre a
cabeça. O celebrante pronuncia estas palavras: “Recorda-te que és pó e ao
pó retornarás” (cfr Gen 3, 19), ou repete a exortação de Jesus:
“Convertei-vos e acreditais no Evangelho” (cfr Mc 1, 15). Ambas as fórmulas
constituem um chamado à verdade da existência humana: somos criaturas
limitadas, pecadores sempre necessitados de penitência e conversão. Quanto é
importante escutar e acolher tal chamado neste nosso tempo! O convite à
conversão é então um empurrão a voltar, como fez o filho da parábola, aos
braços de Deus, Pai terno e misericordioso, a chorar naqueles braços, a confiar
Nele e se confiar a Ele.
Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal
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