Há diversas notícias na imprensa dando conta de que
uma Escola de Samba do Estado de São Paulo fará homenagem a Nossa Senhora
Aparecida no próximo carnaval. As notícias dizem ainda que haveria a
autorização do Arcebispo de São Paulo para o desfile – desde que respeitados os
parâmetros de prudência quanto à história da veneração a esta imagem da santa,
e de respeito a ela por parte dos foliões.
Não poucos fiéis, porém, têm se manifestado de
forma enérgica contra esta utilização. De fato, muitos registram o “caráter
essencialmente pagão” do carnaval, que seria, portanto, uma festa em si mesma
incompatível com o cristianismo. Outros preocupam-se com a exposição do
respeitável e venerável símbolo religioso que é a imagem de Nossa Senhora
Aparecida num meio marcado pela embriaguez, culto aos sentidos e sexualidade
desenfreada, totalmente incompatível com a dignidade devida a este símbolo
religioso e mesmo à pessoa que ele representa, Nossa Senhora Maria Santíssima.
Seu sentimento religioso deve ser respeitado. Mas há algumas questões a
ponderar.
Não tenho dúvidas de que o carnaval utiliza, e
mesmo se constitui, de muitos elementos pagãos; o mesmo se poderia dizer, no
entanto, e sem pecar, da própria liturgia católica: cito como exemplo
a coroa do advento. Cristianizar elementos originalmente pagãos
é próprio da fé católica, desde sempre, e representa o reconhecimento de
que a religião cristã é uma religião encarnada e culturalmente respeitosa. É
certo que os elementos pagãos do carnaval, ultimamente, vêm adquirindo um
relevo que ultrapassa o razoável. Abusam-se deles, a ponto de desfigurar
completamente a própria razão de ser do carnaval, como preparação para a
ascese da quaresma, fixado, inclusive civilmente, com base na data da
páscoa. Mas como lembra o ditado latino "abusus non tollit
usus", poderíamos afirmar que o fato de que os elementos pagãos do
carnaval são abusados através, digamos, do culto à sexualidade e à
embriaguez não deve tolher-nos, a nós cristãos, de usar desses dias para
extravasar uma alegria santa, aquela mesma que é a nossa força. Não
podemos permitir que o abuso pagão tolha o nosso uso santo.