A liturgia do 24º Domingo do Tempo Comum diz-nos que o caminho da realização plena do homem passa pela obediência aos projetos de Deus e pelo dom total da vida aos irmãos. Ao contrário do que o mundo pensa, esse caminho não conduz ao fracasso, mas à vida verdadeira, à realização plena do homem.
A primeira leitura apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a testemunhar a Palavra da salvação e que, para cumprir essa missão, enfrenta a perseguição, a tortura, a morte. Contudo, o profeta está consciente de que a sua vida não foi um fracasso: quem confia no Senhor e procura viver na fidelidade ao seu projeto, triunfará sobre a perseguição e a morte. Os primeiros cristãos viram neste “servo de Jahwéh” a figura de Jesus.
A segunda leitura lembra aos crentes que o seguimento de Jesus não se concretiza com belas palavras ou com teorias muito bem elaboradas, mas com gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, de solidariedade para com os irmãos.
A primeira parte do Evangelho tem como objetivo fundamental levar à descoberta de Jesus, como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação. Este percurso de descoberta do Messias termina com a confissão messiânica de Pedro, em Cesaréia de Filipe, uma cidade situada no Norte da Galiléia, perto das nascentes do rio Jordão.
Na segunda parte do Evangelho, o objetivo do Evangelista São Marcos é explicar que Jesus, além de ser o Messias, é também o “Filho de Deus”. No entanto, Jesus não veio ao mundo para cumprir um futuro de triunfos e glórias, mas para oferecer a sua vida como um dom de amor aos homens. Ponto alto desta catequese será a afirmação do centurião romano junto da cruz quando proclama: “Realmente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39). E é neste sentido que o Evangelho traz uma pergunta de Jesus dirigida aos seus discípulos que com ele caminhavam.
Jesus começa por questioná-los: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27). O povo considerava Jesus como o “enviado de Deus”, mas ainda não conseguia reconhecê-lo como o Messias, aquele Messias prenunciado e esperado por todos. Após receber deles respostas bem variadas: João Batista, Elias, um profeta… indica que as pessoas reconhecem apenas que Jesus é um homem enviado ao mundo com uma missão, como os profetas do Antigo Testamento, mas não vão além disso. Na perspectiva dos “homens”, Jesus é apenas um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes dele (v. 28). É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens” não entenderam a novidade de Jesus, nem a profundidade do seu mistério.
Em seguida, Jesus volta a pergunta aos seus discípulos: “E que dizem vós que eu sou?” (Mc 8,29). A resposta adequada só pode dar aquele que aceita seguir o caminho de Cristo e viver em comunhão com Ele, como é o caso de Pedro, que agora responde: “Tu és o Messias” (v. 29). A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião de Pedro e dos Apóstolos. Dizer que Jesus é o “Messias”, o Cristo, significa dizer que ele é o enviado por Deus para oferecer a salvação definitiva ao Povo de Israel. A resposta de Pedro estava correta. No entanto, podia prestar-se a graves equívocos, pois o título de Messias estava relacionado com esperanças no campo político. Por isso, os discípulos recebem ordens para não falarem disso a ninguém. Era preciso clarificar, depurar e completar a catequese sobre o Messias e a sua missão, para evitar perigosos equívocos.
Podemos ainda sublinhar duas questões, a primeira (vv. 31-33) é a explicação dada pelo próprio Jesus de que o seu messianismo passa pela cruz; a segunda (vv. 34-35) é uma instrução sobre o significado e as exigências de ser seu discípulo. Jesus começa por anunciar que o seu caminho vai passar pelo sofrimento e pela morte (vv. 31-33) e sente a necessidade de explicar aos seus discípulos que terá ele que sofrer, ser condenado à morte e depois ressuscitar. Jesus revela a eles a sua identidade: Um Messias sofredor, um Messias servo; obediente à vontade do Pai até perder a sua vida, como já prescrevia o profeta Isaías na primeira leitura (cf. Is 50,5-9).
Pedro não está de acordo com este final e opõe-se a que Jesus caminhe nesta direção. A oposição de Pedro significa que a sua compreensão do mistério de Jesus ainda é imperfeita. Para ele, a missão do “Messias, Filho de Deus” é uma missão gloriosa e vencedora. Para Pedro a vitória de Cristo não pode estar na cruz. Diante desta incompreensão de Pedro, Jesus certifica que aquele que quiser ser seu discípulo deve aceitar ser servo de todos, tomar a cruz e acompanhá-lo neste itinerário.
Diante da sua oposição, Jesus dirige-se a Pedro com certa dureza, pois é preciso que os discípulos corrijam o pensamento e passem a olhar o seu messianismo na perspectiva do Plano de Deus a ser realizado por Jesus. Ao mostrar a sua oposição ao sofrimento pelo qual Cristo teria que passar, Pedro faz recordar as tentações no deserto, que Jesus experimentou no início do seu ministério (cf. Mc 1,13).
As palavras de Pedro pretendem desviar Jesus do cumprimento dos planos de Deus. Jesus não está disposto a aceitar uma proposta que o impeça de concretizar, com amor e fidelidade, os projetos de Deus e insiste: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga (v. 34). Com isto, somos chamados a carregar a nossa cruz e a perder a própria vida por ele, pelo Evangelho, para no final, chegarmos à glória da ressurreição, para estarmos na vida definitiva com Deus. Quem quiser ser seu discípulo deve “renunciar a si mesmo”, “tomar a cruz” e seguir Jesus no caminho do amor.
“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,29). Seríamos, nós, capazes de responder com exatidão essa pergunta? Concedo que respondê-la com exatidão não é tão fácil, pois trata-se de ir aprofundando no conhecimento de Cristo a tal ponto de podermos dizer com o Apóstolo: “julgo como perda todas as coisas, em comparação com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo e estar com ele” (Fl 3,8-9).
Num tempo de relativismo como nosso, é preciso que tenhamos critérios verdadeiros na cabeça, que estejamos bem ancorados na verdade. Guardemo-nos de novidades nocivas: “pois virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos se rodearão de mestres. Desviarão os seus ouvidos da verdade, orientando-se para as fábulas” (2 Tim 4,3-4).
É preciso que sejamos prudentes, para que não sejamos enganados pelos falsos mestres que tanto prometem; geralmente prometem coisas que agradam os nossos sentidos, mas que não preenchem os nossos corações desejosos de Deus e das coisas eternas.
A pergunta feita por Jesus: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” deve, de forma constante, ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, nos esforços que fazemos para segui-lo. Também podemos perguntar: Quem é Cristo para mim? E imbuídos pela fé, saibamos repetir como Pedro: “Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo”.