“Não tinha beleza
que atraia o nosso olhar”.
O meu próximo é aquele do qual eu me aproximo. A
caridade é uma atitude que brota de dentro, foi o que aconteceu com esta mulher
ao ver aquele condenado. Não se preocupou com o “preço” que poderia vir a pagar
por aquele gesto, se por um nada o Cirineu se associou à maldição que carregava
o Cristo, essa mulher livre por dentro e por fora enxuga o rosto e atenua um
pouco os seus sofrimentos. Como o nosso mundo precisa de Verônicas, eu e você
muitas vezes levantamos de nossas quedas e fracassos porque alguém revelou a
fase misericordiosa de Deus para nós.
“É Senhor, o vosso rosto que eu persigo”.
«É, Senhor, o vosso rosto que eu persigo.
Não escondais de mim o vosso rosto» (Sal 27/26,
8). Verónica – Berenice, segundo a tradição grega – encarna este anseio que
irmana todos os homens piedosos do Antigo Testamento, o anseio que provam todos
os homens crentes de verem o rosto de Deus. Em todo o caso, na Via-Sacra de
Jesus, inicialmente ela limitara-se a prestar um serviço de gentileza feminina:
oferecer um lenço a Jesus. Não se deixa contagiar pela brutalidade dos
soldados, nem imobilizar pelo medo dos discípulos. É a imagem da mulher bondosa
que, perante o turbamento e escuridão dos corações, mantém a coragem da
bondade, não permite ao seu coração de entenebrecer-se: «Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus» – dissera o Senhor no Discurso da
Montanha (Mt 5, 8). Ao princípio, Verónica via apenas um
rosto maltratado e marcado pela dor. Mas, o acto de amor imprime no seu coração
a verdadeira imagem de Jesus: no Rosto humano, coberto de sangue e de feridas,
ela vê o Rosto de Deus e da sua bondade que nos acompanha mesmo na dor mais
profunda. Somente com o coração podemos ver Jesus. Apenas o amor nos torna
capazes de ver e nos torna puros. Só o amor nos faz reconhecer Deus, que é o
próprio amor.
Senhor
dai-nos a inquietação do coração que procura o vosso rosto. Protegei-nos do
obscurecimento do coração que vê apenas a superfície das coisas. Concedei-nos
aquela generosidade e pureza de coração que nos tornam capazes de ver a vossa
presença no mundo. Quando não formos capazes de realizar grandes coisas,
dai-nos a coragem de uma bondade humilde. Imprimi o vosso rosto nos nossos
corações, para Vos podermos encontrar e mostrar ao mundo a vossa imagem.
Não há n'Ele parecer, não há formosura que atraia o
olhar nem beleza que agrade. Desprezado, rejeitado pelos homens, varão de dores,
experimentado em todos os sofrimentos, diante de quem se volta a cara,
menosprezado, considerado em nada (Is LIII, 2-3).
E é o Filho de Deus que passa, louco... louco de
Amor!
Uma mulher, de nome Verônica, abre caminho entre a
multidão, levando um pano branco dobrado, com o qual limpa piedosamente o rosto
de Jesus. O Senhor deixa gravada a Sua Santa Face, nas três partes desse véu.
O rosto bem-amado de Jesus, que tinha sorrido às
crianças e se transfigurou de glória no Tabor, está agora como que oculto pela
dor. Mas esta dor é a nossa purificação; esse suor e esse sangue que mancham e
deformam as Suas feições, a nossa limpeza. Senhor, que eu me decida a arrancar,
mediante a penitência, a triste máscara que forjei com as minhas misérias...
Então, só então, pelo caminho da contemplação e da expiação, a minha vida irá
copiando fielmente os traços da Tua vida. Ir-nos-emos parecendo cada vez mais
conTigo.
Seremos outros Cristos, o próprio Cristo, ipse
Christus.