Quinto sermão de Quaresma
O CAMINHO RUMO À UNIDADE DOS CRISTÃOS
Reflexão sobre a “Unitatis Redintegratio”
Reflexão sobre a “Unitatis Redintegratio”
1.
O caminho ecumênico após o
Vaticano II
A moderna ciência hermenêutica tornou familiar o
princípio de Gadamer da “história dos efeitos” (Wirkungsgeschichte). De
acordo com este método, compreender um texto exige levar em conta os efeitos
que ele produziu na história, inserindo-se nessa história e dialogando com ela[1].
O princípio se mostra muito útil quando aplicado à interpretação da Escritura.
Ele nos diz que não podemos compreender plenamente o Antigo Testamento a não
ser à luz do seu cumprimento no Novo – e que não se pode entender o Novo
Testamento se não à luz dos frutos que ele produz na vida da Igreja. Não é
suficiente, portanto, o habitual estudo histórico-filológico das “fontes”, ou
seja, das influências sofriadas por um texto; é necessário levar em conta
também as influências exercidas por ele. É a regra que Jesus tinha formulado
muito tempo antes, dizendo que toda árvore se conhece pelos frutos (cf. Lc 6,
44).
Guardadas as proporções, este princípio – como vimos nas meditações anteriores – também se aplica aos textos do Vaticano II. Hoje eu quero mostrar a sua aplicação, especialmente, ao decreto sobre o ecumenismo, Unitatis Redintegratio, que é o tema desta meditação. Cinquenta anos de caminho e progresso no ecumenismo estão demonstrando as potencialidades contidas naquele texto. Depois de recordar as razões profundas que levam os cristãos a procurar a unidade entre si, e depois de observar entre os crentes das diversas Igrejas a difusão de uma nova atitude a este respeito, os Padres conciliares expressaram assim a intenção do documento:
“Portanto, considerando com alegria todos esses fatos, depois de ter exposto a doutrina sobre a Igreja e movido pelo desejo de restaurar a unidade entre todos os discípulos de Cristo, este sagrado Concílio pretende agora propor a todos os católicos as ajudas, diretrizes e modos para que possam responder a esta vocação e a esta graça divina”[2].
As realizações ou frutos deste documento foram de dois tipos. No âmbito doutrinal e institucional, foi constituído o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos; foram também lançados diálogos bilaterais com quase todas as confissões cristãs, a fim de promover um melhor conhecimento mútuo, um debate de posições e a superação dos preconceitos.
Junto com este ecumenismo oficial e doutrinal, desenvolveu-se desde o início um ecumenismo do encontro e da reconciliação dos corações. Neste âmbito, destacam-se alguns encontros célebres que marcaram o caminho ecumênico nestes 50 anos: o de Paulo VI com o patriarca Atenágoras, os inúmeros encontros de João Paulo II e de Bento XVI com os líderes de diferentes igrejas cristãs, do papa Francisco com o patriarca Bartolomeu em 2014 e, mais recentemente, com o patriarca de Moscou, Cirilo, em Cuba, que abriu um novo horizonte para o caminho ecumênico.
A este mesmo ecumenismo espiritual pertencem ainda as muitas iniciativas em que os crentes de diferentes Igrejas se encontram para orar e proclamar juntos o Evangelho, sem tentativas de proselitismo e na plena fidelidade de cada um à própria Igreja. Eu tive a graça de participar de muitos desses encontros. Um deles permanece particularmente vivo na minha lembrança porque foi como uma profecia visiva daquilo a que o movimento ecumênico deveria nos levar.
Em 2009, foi realizada em Estocolmo uma grande manifestação de fé chamada “Jesus manifestation”, “Manifestação por Jesus”. No último dia, os crentes das várias Igrejas, cada um por uma via diferente, caminhavam em procissão para o centro da cidade. O pequeno grupo local de católicos, liderados pelo bispo local, também andava pelo seu caminho, rezando. Chegados ao centro, as filas se rompiam e era uma única multidão que proclamava o senhorio de Cristo perante 18.000 jovens e transeuntes atônitos. Aquela que pretendia ser uma manifestação “por” Jesus se tornou uma poderosa manifestação “de” Jesus. Sua presença podia quase ser tocada com a mão num país não habituado a manifestações religiosas desse tipo.
Esses desenvolvimentos do documento sobre o ecumenismo também são fruto do Espírito Santo e sinal do invocado novo Pentecostes. Como é que o Ressuscitado convenceu os apóstolos a se abrirem para os gentios e a acolhê-los na comunidade cristã? Levou Pedro até a casa do centurião Cornélio e o fez assistir à vinda do Espírito sobre os presentes com as mesmas manifestações que os apóstolos tinham experimentado no dia de Pentecostes: o falar em línguas, o glorificar a Deus em alta voz. Não restou a Pedro senão tirar a conclusão: “Se Deus deu a eles o mesmo dom que deu a nós… quem era eu para pôr impedimentos a Deus?” (Atos 11, 17).
O Senhor ressuscitado está fazendo a mesma coisa hoje. Ele envia o seu Espírito e os seus carismas para os fiéis das mais diversas Igrejas, mesmo às que acreditávamos mais distantes de nós, muitas vezes com idênticas manifestações externas. Como não ver nisto um sinal de que Ele nos exorta a aceitar-nos e reconhecer-nos como irmãos, embora ainda a caminho de uma unidade visível mais plena? Em todo caso, foi isso o que me converteu ao amor pela unidade dos cristãos, habituado como estava pelos meus estudos pré-conciliares a ver ortodoxos e protestantes apenas como “adversários” a refutar em nossas teses de teologia.