Tempo e espaço.
Duas simples palavras, mas que podem transformar a vida de uma criança e sua
família. Tudo porque é disso que elas precisam: a presença e a atenção dos pais
e de espaço para poder explorar, aprender, descobrir e gastar toda a energia
que aqueles pequenos corpos têm armazenado.
Mas hoje,
será que nossas crianças têm isso? Muito se escuta: “A infância dos anos 80 é
que foi boa. Hoje as crianças não sabem aproveitar”. Qual a parcela de culpa
dos pais e da sociedade em geral nisso tudo? Em uma palestra dada no Rio Grande
do Sul, o pediatra brasileiro, Daniel Becker, falou sobre alguns deslizes da
sociedade em relação à infância. Ele considera que existem sete pecados que os
adultos têm cometido com as crianças e que já tem influenciado toda uma
geração.
1. Privar o
nascimento natural e o aleitamento materno
Não é uma novidade falarmos da cultura da cesárea
no Brasil. Apesar de haver uma corrente de profissionais e mulheres a favor da
conscientização e da informação sobre o parto normal, ainda é recorrente que a
maioria das mulheres tenha seus filhos por meio de uma cesariana. Algumas delas
até querem o parto normal, mas com o passar dos meses, muitas vezes por ajuda
do próprio médico, o medo as fazem escolher pela cirurgia. De acordo com
Becker, as estatísticas brasileiras são vergonhosas e a cesárea traz muitos
malefícios para a mãe e o filho, principalmente nascimentos prematuros. A falta
de suporte para que as mães que trabalham possam amamentar também é algo que
pode prejudicar o desenvolvimento da criança. Além disso, às vezes, com ajuda
do próprio pediatra outros alimentos são introduzidos antes dos seis meses de
vida, quando o bebê deveria apenas mamar o leite materno.
2.
Terceirização da educação
É um assunto que traz muita culpa para pais e mães,
mas, é algo que precisa ser pensado pela família: quanto tempo meu filho fica
na creche ou com babás? Seis, oito, doze horas? Para o pediatra essa é uma
forma de perder algo muito importante da infância, o convívio com os filhos.
“Convívio é aquilo que nos dá a intimidade, a capacidade de estar junto, o
amor, a sensação de estar cuidando de alguém, a sensação de conhecer
profundamente alguém”, disse Becker.
3.
Intoxicação
O que as crianças estão comendo hoje em dia? Tudo
com muito açúcar, muito óleo e gordura. Em que lugar do cardápio ficou a
nutritiva combinação do arroz, do feijão, do bife e da salada? De acordo com
Becker, a obesidade e a diabetes estão sendo problemas recorrentes na infância.
O sinal negativo de que as comidas industrializadas podem até ser mais rápidas,
mas, certamente, não é o melhor caminho.
4.
Confinamento e distração permanente
Qual foi a última vez que seu filho brincou na rua?
Quantas horas ele passa em frente à televisão, celular ou tablet? O que você
fazia para se divertir quando tinha a idade dele? Eles estão perdendo muitas
coisas, não é mesmo? Becker diz que quando deixamos nossos filhos dentro de
casa e permanentemente distraídos com um vídeo, por exemplo, estamos amputando
a criatividade e a imaginação deles que surgem nos momentos de tédio e de
vazio, algo que as crianças raramente têm nos tempos modernos.
5.
Consumismo infantil
Além de todas as publicidades que sugam a atenção
das crianças nos intervalos de vídeos, o consumismo ainda é alimentado pelo
passeio no shopping do final de semana. As crianças dessa geração têm crescido
acreditando que a felicidade está nas praças de alimentação dos centros
comerciais. A publicidade para os pequenos “explora a incapacidade da criança
de distinguir fantasia de realidade, explora o amor dela por personagens e
instigam nela valores como consumismo obsessivo, hipervalorização da aparência,
a futilidade e coisas piores”, explicou o pediatra.
6.
Adultização e erotização das crianças
Quem não se lembra de uma edição de 2014 da Vogue
Kids brasileira que continha fotos de meninas em poses sensuais? A justiça
tirou a revista de circulação por conta das críticas recebidas na internet. Mas
a adultização está nas pequenas coisas também do dia a dia. Nos sapatos de
salto para meninas que mal saíram das fraldas, nas artistas infantis usando
roupas curtíssimas, na camiseta infantil com os dizeres “vem ni mim que eu to
facin”, por exemplo. “Existe uma erotização que usa a criança para vender
produtos de moda. Uma erotização baseada no machismo, na objetificação das
meninas e das mulheres, na valorização excessiva da aparência”.
7.
Superproteção
A compensação que os filhos acabam recebendo pela
falta de tempo que os pais têm para eles criou uma geração de crianças e
adolescentes sem noção alguma de limites. No momento que as crianças decidem
tudo e são colocadas como o principal ser da casa, não mais como mais um membro
da família, elas ficam sem um exemplo de pessoa forte que as conduza com
autoridade. Para Becker o “não” é uma forma também de demonstrar amor para com
os filhos. “A gente precisa dar para os nossos filhos [limites], mas, estamos
perdendo a capacidade. Em vez disso, a gente se interpõe entre as experiências
dos filhos e do mundo fazendo justamente que eles não tenham experiência da
vida e, portanto, não desenvolvam mecanismos de lidar com a frustração, com a
dor e com a dificuldade. Certamente o mundo vai entregar para eles mais tarde”,
explica Becker.
A combinação de todos esses eventos citados acima
tem dado resultado nos consultórios médicos. Segundo Becker, ao invés da
sociedade discutir sobre como a infância mudou, sobre as causas da birra, de ir
mal na escola, da violência gratuita, tem feito o mais fácil: medicamentar as
crianças. O Brasil perde só para os Estados Unidos em consumo da Ritalina –
remédio para combater o TDAH – Déficit de Atenção e Hiperatividade. Em 1999 o
Brasil consumiu cerca de 70 mil caixas da medicação, em 2010, o número pulou
para mais de dois milhões. “Isso não é uma epidemia de doença. É um massacre
contra a infância. Estamos rotulando, normatizando e impedindo que crianças
sejam elas mesmas”, conta.
O resultado dessa equação é fácil e já foi dado no
início do texto: tempo e espaço. É disso que as crianças precisam para se
sentirem amadas, importantes e valorizadas. De bônus as famílias ainda podem
diminuir o consumismo, ensinar as crianças a apreciarem a natureza e fortalecer
o vínculo de amor entre pais e filhos.
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Família /
Catholicus
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