sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Como distinguir os Livros inspirados por Deus?


- “Quais os critérios para se discernir se um livro é inspirado por Deus ou não?” (S.A. - Rio de Janeiro-RJ).

1. Diversos têm sido, nos últimos séculos, os critérios propostos para se resolver tal questão. Eis os mais invocados:

a) A índole mesma do livro examinado, ou seja, a sublimidade de sua doutrina, o encanto singular de seu estilo, a sua aptidão a suscitar sentimentos piedosos;

b) A experiência do respectivo leitor, o qual durante a leitura da Bíblia sentiria alegria e deleite, ou seria movido à compunção ou - como queria principalmente Calvino - perceberia o testemunho interno do Espírito Santo;

c) O fato de ter sido o seu autor Profeta, Apóstolo ou discípulo de Profeta ou Apóstolo;

d) O testemunho de homens eruditos e a constância dos mártires ao confessarem a índole inspirada de determinado livro;

e) O estudo da história do cânon (ou catálogo) bíblico.

Todavia estes critérios são, sem exceção, assaz falhos:

"a" e "b" >> A sublimidade da doutrina e do estilo, assim como as experiências íntimas do leitor, estão sujeitas à apreciação pessoal de cada um, podendo ser diversamente estimadas; além disto, tais características podem convir a qualquer livro religioso (até mesmo ao Corão maometano, na medida em que este corresponde à índole mística da natureza humana). Constituem, por isto, insuficiente indício de que Deus é o Autor do respectivo texto.

"c" >> Quanto à dignidade de Apóstolo, Profeta ou discípulo, ela não se identifica por si com a de escritor inspirado; Deus pode dar a alguém o carisma para pregar sem lhe dar luz especial para escrever ou para se tornar autor de um livro bíblico. Ademais, há partes da Sagrada Escritura das quais não se sabe indicar com segurança o respectivo autor (por exemplo: muitos dos axiomas do livro dos Provérbios se devem a anciãos anônimos da corte de Israel; pergunta-se: qual o autor da epístola aos Hebreus, de João 7,53-8.11 e de Marcos 14,9-20?).

De outro lado, sabe-se que há genuínos escritos dos Apóstolos que se perderam (por exemplo, as cartas de Paulo mencionadas em 1Coríntios 5,9; Colossenses 4,16),

Ademais, alguns escritos na Antiguidade eram explicitamente atribuídos a Apóstolos ou discípulos de Apóstolos, sem que fossem tidos como inspirados; tal é o caso da carta dita "de Barnabé", que Tertuliano e São Jerônimo asseveravam haver sido escrita por Barnabé, "Apóstolo dos gentios", mas não pertencer ao cânon dos livros sagrados (cf. Tertuliano, De pudicitia 20; São Jerônimo, De viris illustribus 6).

Apesar destas considerações, alguns exegetas julgam que todos os Apóstolos e discípulos de Apóstolos gozavam do carisma da inspiração bíblica sempre que escreviam; pode-se aceitar esta sentença, contanto que se admita outro critério, mais amplo e seguro, para se afirmar a índole inspirada de determinado livro.

"d" >> Não se poderia dar valor absoluto ao testemunho de homens eruditos e dos mártires. Embora muito valiosas, nada nos garante que tais asserções gozem de autoridade superior à falível autoridade de homens.

"e" >> O estudo da formação do cânon bíblico mostra ao historiador o que se deu no decorrer dos séculos, mas não dá a ver com que direito isso se deu. Feita a averiguação do que aconteceu, seria preciso ainda discutir a autoridade dos diversos elementos que influíram na formação do cânon; em outros termos: seria preciso discutir a autoridade dos bispos, escritores e Concílios que, de um modo ou de outro, concorreram para a estipulação do catálogo sagrado. De onde se vê que o simples estudo da história do cânon não basta; requer-se um critério, deduzido de outra fonte, que indique quem tinha e quem não tinha autoridade para falar no assunto. Em consequência, muitos protestantes reconhecem que a história do cânon não fornece solução plenamente segura para o problema (cf. R. Knopf, "Einfuehrung in das Neue Testament", Bonn, 1919, p.142; F. Watson, "Inspiration", 1906, p.178).

Como se entende, vão seria apelar para a Bíblia mesma em vista de uma solução, pois nela não se encontra o catálogo dos livros inspirados.

São Cornélio


Cornélio nasceu em Roma. Foi eleito para o pontificado, depois de um período vago na Cátedra de São Pedro. O Papa Cornélio foi eleito quase por unanimidade, mas precisou enfrentar a ousadia de Novaciano. Sem que ninguém esperasse, Novaciano fez-se ordenar bispo e proclamou-se anti-papa. Nesta condição se criou o primeiro cisma da Igreja. 

Segundo os partidários de Novaciano, Cornélio teria adotado um discurso e postura muito indulgente, boa e compreensiva, para com os desertores da fé católica, os chamados “lapsi”. Para socorrer a postura de Cornélio, um bispo de Catargo, chamado Cipriano, entrou em cena. Este bispo ajudou Cornélio a defender a verdadeira autoridade papal. 

Assim, a Igreja viu-se dividida entre duas posturas: os seguidores de Cornélio eram favoráveis a admissão dos cristãos pecadores de volta à Igreja, enquanto os adeptos de Novaciano defendiam a exclusão total dos pecadores. 

Porém, pressionado pelo imperador Valeriano, um grande perseguidor dos cristãos, Cornélio, na sua atitude compreensiva e misericordiosa, acabou sendo exilado, onde viveu seus úlitmos dias. Seu único amigo e defensor era Cipriano, que se correspondia com ele, animando-o através de cartas. Esta amizade custou caro a Cipriano, que também foi condenado a morte. 

Cornélio morreu em junho de 253, sendo sentenciado ao martírio pelo imperador, por não aceitar prestar o culto aos deuses pagãos. Foi sepultado no cemitério de São Calixto. 



Deus eterno e todo-poderoso, quiseste que São Cornélio governasse todo o vosso povo, servindo-o pela palavra e pelo exemplo. Guardai, por suas preces, os pastores de vossa Igreja e as ovelhas a eles confiadas, guiando-os no caminho da salvação. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém. 

São Cipriano de Cartago


A história conhece um São Cipriano que foi bispo do Cartago, no Norte da África entre 249 e 258. Deixou numerosos escritos teológicos, hoje em dia editados, que nada tem a ver com magia ou ocultismo. Gozou de grande fama e estima após a sua morte, pois foi um mártir heróico, que marcou a Igreja do seu tempo.

São Cipriano é «o primeiro bispo que na África alcançou a coroa do martírio».

Sua fama, como testemunha o diácono Pôncio, o primeiro em escrever sua vida, está também ligada à criação literária e à atividade pastoral dos treze anos que se passaram entre sua conversão e o martírio (cf. «Vida» 19, 1; 1,1). Nascido em Cartago no seio de uma rica família pagã, depois de uma juventude dissipada, Cipriano se converte ao cristianismo aos 35 anos. Ele mesmo narra seu itinerário espiritual: «Quando ainda jazia como em uma noite escura, escreve meses depois de seu batismo, me parecia sumamente difícil e fatigoso realizar o que me propunha a misericórdia de Deus… Estava ligado a muitíssimos erros de minha vida passada, e não cria que pudesse libertar-me, até o ponto de que seguia os vícios e favorecia meus maus desejos… Mas depois, com a ajuda da água regeneradora, ficou lavada a miséria de minha vida precedente; uma luz soberana se difundiu em meu coração, um segundo nascimento me regenerou em um ser totalmente novo. De maneira maravilhosa começou a dissipar-se toda dúvida… Compreendia claramente que era terreno o que antes vivia em mim, na escravidão dos vícios da carne, e pelo contrário, era divino e celestial o que o Espírito Santo já havia gerado em mim» («A Donato», 3-4).

Imediatamente depois da conversão, Cipriano, apesar de invejas e resistências, foi eleito ao ofício sacerdotal e à dignidade de bispo. No breve período de seu episcopado, enfrentou as duas primeiras perseguições sancionadas por um edito imperial, a de Décio (250) e a de Valeriano (257-258). Depois da perseguição particularmente cruel de Décio, o bispo teve de empenhar-se com muito esforço por voltar a pôr disciplina na comunidade cristã. Muitos fiéis, de fato, haviam abjurado, ou não haviam tido um comportamento correto ante a prova. Eram os assim chamados «lapsi», ou seja, os «caídos», que desejavam ardentemente voltar a entrar na comunidade. O debate sobre sua readmissão chegou a dividir os cristãos de Cartago em laxistas e rigoristas. A estas dificuldades é preciso acrescentar uma grave epidemia que atingiu a África e que propôs interrogantes teológicos angustiantes, tanto dentro da comunidade como em relação aos pagãos. Deve-se recordar, por último, a controvérsia entre Cipriano e o bispo de Roma, Estevão, sobre a validez do batismo administrado aos pagãos por parte de cristãos hereges.

Nestas circunstâncias realmente difíceis, Cipriano demonstrou elevados dotes de governo: foi severo, mas não inflexível com os «caídos», dando-lhes a possibilidade do perdão depois de uma penitência exemplar; ante Roma, foi firme na defesa das sãs tradições da Igreja africana; foi sumamente compreensivo e cheio do mais autêntico espírito evangélico na hora de exortar os cristãos à ajuda fraterna aos pagãos durante a epidemia; soube manter a justa medida na hora de recordar aos fiéis, muito temerosos de perder a vida e os bens terrenos, que para eles a verdadeira vida e os autênticos bens não são os deste mundo; foi inquebrantável na hora de combater os costumes corruptos e os pecados que devastam a vida moral, sobretudo a avareza.

«Passava dessa forma os dias», conta o diácono Pôncio, «quando por ordem do procônsul, chegou inesperadamente à sua casa o chefe da polícia» («Vidas», 15,1). Nesse dia, o santo bispo foi preso e depois de um breve interrogatório enfrentou valorosamente o martírio no meio de seu povo.

Cipriano compôs numerosos tratados e cartas, sempre ligados a seu ministério pastoral. Pouco proclive à especulação teológica, escrevia sobretudo para a edificação da comunidade e para o bom comportamento dos fiéis. De fato, a Igreja é seu tema preferido. Distingue entre «Igreja visível», hierárquica, e «Igreja invisível», mística, mas afirma com força que a Igreja é uma só, fundada sobre Pedro.

Não se cansa de repetir que «quem abandona a cátedra de Pedro, sobre a qual está fundada a Igreja, fica na ilusão de permanecer na Igreja» («A unidade da Igreja Católica», 4). Cipriano sabe bem, e o disse com palavras fortes, que «fora da Igreja não há salvação» (Epístola 4, 4 e 73,21), e que «não pode ter Deus como Pai que não tem a Igreja como mãe» («A unidade da Igreja Católica», 4). Característica irrenunciável da Igreja é a unidade, simbolizada pela túnica de Cristo sem costura (ibidem, 7): unidade que, segundo diz, encontra seu fundamento em Pedro (ibidem, 4) e sua perfeita realização na Eucaristia (Epístola 63, 13). «Só há um Deus, um só Cristo», exorta Cipriano, «uma só é sua Igreja, uma só fé, um só povo cristão, firmemente unido pelo fundamento da concórdia: e não pode separar-se o que por natureza é um» («A unidade da Igreja Católica», 23).

Falamos de seu pensamento sobre a Igreja, mas não podemos esquecer, por último, o ensinamento de Cipriano sobre a oração. Gosto particularmente de seu livro sobre o «Pai Nosso», que me ajudou muito a compreender melhor e a rezar melhor a oração do Senhor: Cipriano ensina que precisamente no «Pai Nosso» se oferece ao cristão a maneira reta de rezar; e sublinha que esta oração se conjuga no plural «para que quem reza não reze só por si mesmo. Nossa oração — escreve — é pública e comunitária e, quando rezamos, não rezamos só por nós, mas por todo o povo, pois somos uma só coisa com todo o povo» («A oração do Senhor» 8). Deste modo, oração pessoal e litúrgica se apresentam firmemente unidas entre si. Sua unidade se baseia no fato de que respondem à mesma Palavra de Deus. O cristão não diz «Pai meu», mas «Pai nosso», inclusive no segredo de seu quarto fechado, pois sabe que em todo lugar, em toda circunstância, é membro de um mesmo Corpo.

«Rezemos, portanto, irmãos queridos, escreve o bispo de Cartago, como Deus, o Mestre, nos ensinou. É uma oração confidencial e íntima rezar a Deus com o que é seu, elevar a seus ouvidos a oração de Cristo. Que o Pai reconheça as palavras de seu Filho quando elevamos uma oração: que quem habita interiormente no espírito esteja também presente na voz… Quando se reza, também é preciso ter uma maneira de falar e de rezar que, com disciplina, mantenha calma e reserva. Pensemos que estamos ante o olhar de Deus. É necessário ser gratos ante os olhos divinos, tanto com a atitude do corpo como com o tom da voz… E quando nos reunimos junto aos irmãos e celebramos os sacrifícios divinos com o sacerdote de Deus, temos de fazê-lo com temor reverencial e disciplina, sem jogar ao vento por todos os lados nossas orações com vozes desmesuradas, nem lançar com tumultuosa verborréia uma petição que deve ser apresentada a Deus com moderação, pois Deus não escuta a voz, mas o coração (‘non vocis sed cordis auditor est’)» (3-4). Trata-se de palavras que continuam sendo válidas também hoje e que nos ajudam a celebrar bem a santa Liturgia.

Em definitivo, Cipriano se encontra nas origens dessa fecunda tradição teológico-espiritual que vê no «coração» o lugar privilegiado da oração. Segundo a Bíblia e os Padres, de fato, o coração é o íntimo do ser humano, o lugar onde mora Deus. Nele se realiza esse encontro no qual Deus fala ao homem, e o homem escuta Deus; no qual o homem fala a Deus e Deus escuta o homem: tudo isso acontece através da única Palavra divina. Precisamente neste sentido, seguindo São Cipriano, Emaragdo, abade de São Miguel, nos primeiros anos do século IX, testifica que a oração «é obra do coração, não dos lábios, pois Deus não vê as palavras, mas o coração orante» («A diadema dos monges», 1).

Tenhamos este «coração que escuta», do qual nos falam a Bíblia (cf. 1 Reis 3, 9) e os Padres: isso nos faz muita falta! Só assim poderemos experimentar em plenitude que Deus é nosso Pai e que a Igreja, a santa Esposa de Cristo, é verdadeiramente nossa Mãe.



Deus eterno e todo-poderoso, que a vossos pastores associastes São Cipriano, a quem destes a graça de lutar pela justiça até a morte, concedei-nos, por sua intercessão, suportar por vosso amor as adversidades, e correr ao encontro de vós que sois a nossa vida. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

A Mãe de Cristo estava junto à cruz


O martírio da Virgem é recordado tanto na profecia de Simeão como na história da paixão do Senhor. Diz o santo ancião acerca do Menino Jesus: Este foi predestinado para ser sinal de contradição; e, referindo‑se a Maria, acrescenta: E uma espada trespassará a tua alma.
 
Na verdade, ó santa Mãe, uma espada trespassou a vossa alma. Porque nunca ela podia atingir a carne do Filho sem atravessar a alma da Mãe. Depois que aquele Jesus – que é de todos, mas especialmente vosso – expirou, a cruel lança que Lhe abriu o lado, sem respeitar sequer um morto a quem já não podia causar dor alguma, não feriu a sua alma mas atravessou a vossa. A alma de Jesus já não estava ali, mas a vossa não podia ser arrancada daquele lugar. Por isso a violência da dor trespassou a vossa alma, e assim, com razão Vos proclamamos mais que mártir, porque os vossos sentimentos de compaixão superaram os sofrimentos corporais do martírio.
 
Não foi, porventura, para Vós mais que uma espada aquela palavra que verdadeiramente trespassa a alma e penetra até à divisão da alma e do espírito: Mulher, eis o teu Filho? Oh que permuta! Entregam‑Vos João em vez de Jesus, o servo em vez do Senhor, o discípulo em vez do Mestre, o filho de Zebedeu em vez do Filho de Deus, um simples homem em vez do verdadeiro Deus. Como não havia de ser trespassada a vossa afectuosíssima alma ao ouvirdes estas palavras, quando a sua simples lembrança despedaça o nosso coração, apesar de ser tão duro como a pedra e o ferro?
 
Não vos admireis, irmãos, de que Maria seja chamada mártir na sua alma. Admire‑se quem não se recorda de ter ouvido Paulo mencionar entre as maiores culpas dos pagãos o facto de não terem afecto. Como isso estava longe do coração de Maria! Longe esteja também dos seus servos.
 
Mas talvez alguém possa dizer: «Porventura não sabia Ela que Jesus havia de morrer?». Sem dúvida. Não esperava Ela que Jesus havia de ressuscitar?». Com toda a certeza. «E apesar disso sofreu tanto ao vê‑l’O crucificado?». Sim, com terrível veemência. Afinal, que espécie de homem és tu, irmão, e que estranha sabedoria é a tua, se te surpreende mais a compaixão de Maria do que a paixão do Filho de Maria? Ele pôde morrer corporalmente e Ela não pôde morrer com Ele em seu coração? A morte de Jesus foi por amor, aquele amor que nenhum homem pode superar; o martírio de Maria teve a sua origem também no amor, ao qual depois do de Cristo, nenhum outro amor se pode comparar.



Dos Sermões de São Bernardo, abade
(Sermo in dom. infra oct. Assumptionis, 14-15: Opera omnia, ed. Cisterc. 5 [1968], 273-274) (Sec. XII)

Bíblia: ao pé da letra ou não?


- “Haverá algum critério seguro para se distinguir na Bíblia o que é real e o que é poesia? E o que é dogma de fé e o que não é?” (Aníbal - Rio de Janeiro-RJ).

1. Em primeiro lugar, removamos dois conceitos errôneos neste setor.

Os critérios que nos levam a interpretar certas passagens da Bíblia em sentido literal e outras em sentido alegórico, não são:

a) O caráter maravilhoso ou milagroso como tal dos trechos bíblicos. As intervenções do sobrenatural na natureza não assustam o cristão; este reconhece que são sinais muito lógicos da Onipotência Divina, que ele professa. Note-se, porém, que nem por isto o cristão há de admitir milagres a esmo na História Sagrada. Por serem expressões da Sabedoria Divina, o Senhor realiza sempre os seus portentos — derrogações às leis que o próprio Criador incutiu à natureza — em vista de um fim proporcionalmente grande, e não para ostentar sua Onipotência. Tendo Deus comunicado aos elementos sua maneira própria de agir, o Senhor costuma respeitar o curso ordinário das coisas e utilizá-lo ou encaminhá-lo para obter os efeitos intencionados pela Providência (serve-se habitualmente das chamadas «causas segundas»). Por isto, ensina a exegese que, embora o milagre seja uma realidade na História, a realização de um milagre deve ser provada ou deduzida das expressões mesmas do texto sagrado; não pode ser simplesmente pressuposta; o fato de ser Deus todo-poderoso não implica que tenha realmente manifestado sua Onipotência todas as vezes que a piedade ou a fantasia do leitor da Bíblia o julgue,

b) Também não são as descobertas da Ciência moderna, como tais, que levam o exegeta a dar sentido figurado a muitas expressões da Bíblia. Em outras palavras: não é para estar de acordo com os últimos resultados das pesquisas da astronomia, da geologia, da antropologia etc. (norteando-se diretamente pelas teorias das Ciências Naturais) que o cristão «arranja» suas conclusões exegéticas. Esta atitude, de todo errônea, tem o nome de «Concordismo» (isto é, procura de concórdia, às vezes alheia ao texto bíblico, entre a Ciência e a Escritura).

E por que é errônea? Haverá então discórdia ou apenas semiconcórdia?

É errônea simplesmente porque pressupõe que a Bíblia tenha a mesma finalidade que a Ciência, isto é, que vise ensinar aos homens qual a natureza intrínseca dos fenômenos biológicos, astronômicos, geológicos. Se as Escrituras tivessem em mira ensinar isto, então é claro que haveria justificativa para procurarmos ler as teorias da Ciência Moderna, clara ou veladamente formuladas, na Bíblia. — Acontece, porém, que a Sagrada Escritura visa apenas expor aos leitores o sentido religioso que cabe às criaturas e aos seus fenômenos no plano de Deus; não quer senão dizer de onde vêm os seres, para onde vão, qual o seu valor e a sua função aos olhos de Deus e do cristão, sem se preocupar com a estrutura físico-química das criaturas.

Em consequência, a Bíblia, tendo que aludir aos diversos elementos deste mundo, menciona-os na linguagem simples de seus primeiros leitores, que eram judeus rudes (esta linguagem é suficiente à finalidade da Sagrada Escritura), e começa seu ensinamento propriamente dito onde o cientista termina suas afirmações. Este analisa o que lhe cai sob os olhos e vai retrocedendo no curso dos fenômenos até chegar aos mínimos componentes da matéria; depois disto, nada mais sabe dizer. Pois bem, é justamente neste ponto que as Escrituras começam a ensinar; expõem a metafísica ou o sentido transcendente da matéria, do homem e das suas atividades neste mundo. Não há, pois, coincidência entre o ponto de vista das Ciências Naturais e o da Bíblia. De onde se vê quão absurdo seria interpretar tal ou tal passagem escriturística em sentido alegórico a fim de a acomodar às últimas teorias científicas.

Nossa Senhora das Dores


Celebramos sua compaixão, piedade; suas sete dores cujo ponto mais alto se deu no momento da crucificação de Jesus: “Quero ficar junto à cruz, velar contigo a Jesus e o teu pranto enxugar!”.

Assim, a Igreja reza a Maria neste dia, pois celebramos sua compaixão, piedade; suas sete dores cujo ponto mais alto se deu no momento da crucificação de Jesus. Esta devoção deve-se muito à missão dos Servitas – religiosos da Companhia de Maria Dolorosa – e sua entrada na Liturgia aconteceu pelo Papa Bento XIII.

A devoção a Nossa Senhora das Dores possui fundamentos bíblicos, pois é na Palavra de Deus que encontramos as sete dores de Maria: o velho Simeão, que profetiza a lança que transpassaria (de dor) o seu Coração Imaculado; a fuga para o Egito; a perda do Menino Jesus; a Paixão do Senhor; crucificação , morte e sepultura de Jesus Cristo.

Nós, como Igreja, não recordamos as dores de Nossa Senhora somente pelo sofrimento em si, mas sim, porque também, pelas dores oferecidas, a Santíssima Virgem participou ativamente da Redenção de Cristo. Desta forma, Maria, imagem da Igreja, está nos apontando para uma Nova Vida, que não significa ausência de sofrimentos, mas sim, oblação de si para uma civilização do Amor.

Nossa Senhora das Dores, rogai por nós!


Ó Mãe de Jesus e nossa mãe, Senhora das Dores, nós vos contemplamos pela fé, aos pés da cruz, tendo nos braços o corpo sem vida do vosso Filho. Uma espada de dor transpassou vossa alma como predissera o velho Simeão. Vós sois a Mãe das dores. E continuais a sofrer as dores do nosso povo, porque sois Mãe companheira, peregrina e solidária.

Recolhei em vossas mãos os anseios e as angústias do povo sofrido, sem paz, sem pão, sem teto, sem direito a viver dignamente. E com vossas graças, fortalecei aqueles que lutam por transformações em nossa sociedade.


Permanecei conosco e dai-nos o vosso auxílio, para que possamos converter as lutas em vitórias e as dores em alegrias.



Rogai por nós, ó Mãe, porque não sois apenas a Mãe das dores, mas também a Senhora de todas as graças. Amém! 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Homilética: 25º Domingo do Tempo Comum - Ano C: "O bom uso das riquezas: desapego".



Em Lc 16, 1 – 13 o Senhor convida-nos a uma reflexão sobre o uso correto das riquezas: “Não podes servir a Deus e ao dinheiro”. Os cristãos são chamados a investir com sabedoria os bens materiais para adquirirem um tesouro nos céus. Somos chamados a refletir sobre os perigos de um excessivo apego ao dinheiro, aos bens materiais e a tudo o que nos impede de viver em plenitude a nossa vocação para amar Deus e os irmãos. Hoje, a parábola provoca em nós uma certa admiração, pois fala de um administrador desonesto que é elogiado. Como sempre o Senhor inspira-se em acontecimentos da vida quotidiana: narra sobre um administrador que está para ser despedido pela desonesta gestão dos negócios do seu patrão e, para garantir o seu futuro, procura, com astúcia, pôr-se de acordo com os devedores. É sem dúvida um desonesto, mas astuto: o Evangelho não nos apresenta o administrador desonesto como modelo para seguir na sua desonestidade, mas como um exemplo a ser imitado pela sua habilidade previdente. De fato, a breve parábola concluiu-se com estas palavras: “O Senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza” (Lc 16, 8).

Quem não tem esperança, coloca seu apoio sobre os bens materiais. Na virtude da esperança, as pessoas são chamadas a viverem como senhores e senhoras da criação, sem se deixarem escravizar por ela. Por uma inversão de valores, as pessoas caem na tentação de substituir a Deus, que é o Sumo Bem, pelos bens passageiros.

O Senhor, nessa parábola, mostra que o administrador começou a refletir sobre o que o esperava: “Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Já sei o que hei de fazer, para que alguém me receba em sua casa, quando eu for afastado da administração” (Lc 16, 3 – 4). Chamou os devedores do seu patrão e fez com eles um acordo que os favorecia…

O dono teve notícia do que o administrador tinha feito e louvou-o pela sua astúcia. E Jesus, talvez com um pouco de tristeza, acrescentou: “os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz”. O Senhor não louva a imoralidade desse homem que, no pouco tempo que lhe restava, preparou uns amigos que depois o recebessem e ajudassem. “Por que o Senhor narrou esta parábola? – pergunta Santo Agostinho –. Não porque aquele servo fosse um exemplo a ser imitado, mas porque foi prevenido em relação ao futuro, a fim de que se envergonhe o cristão que não tenha essa determinação”; louvou-lhe o empenho, a decisão, a astúcia, a capacidade de sobrepor-se e resolver uma situação difícil, sem deixar-se levar pelo desânimo.

Podemos observar, com frequência, como é grande o esforço e os inúmeros sacrifícios que muitas pessoas fazem para conseguir mais dinheiro, para subir na escala social…

E nós, cristãos, devemos pôr ao menos esse mesmo empenho em servir a Deus, multiplicando os meios humanos para fazê-los render em favor dos mais necessitados. O interesse que os outros têm nos seus afazeres terrenos, devemos nós tê-lo em ganhar o Céu, em lutar contra o que nos separa de Cristo.

Ao escutar o Evangelho de hoje, pode-se perguntar: e “porque os filhos deste mundo são mais prudentes do que os filhos da luz” (Lc 16,8) se o Senhor nos mandou ser “prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas” (Mt 10,16)? Ao citar essa passagem, outra pergunta se impõe à nossa consideração: por que as serpentes servem como modelo de prudência? Quiçá porque, como se diz, elas não se expõem para atacar. Já no livro do Gênesis se dizia que “a serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha formado” (Gn 3,1). Neste capítulo também se pode ver a maneira espertalhona que a serpente, símbolo do diabo nesse caso, teve para levar os nossos primeiros pais ao pecado que nos trouxe a ruína espiritual.

Mas, cuidado, prudência e astúcia são duas realidades distintas, ainda que, à primeira vista, poderíamos confundi-las. A astúcia, na verdade, é uma falsa prudência, porque está penetrada de simulação e interesse. A prudência, ao contrário, é uma virtude que – segundo a maneira de pensar de Santo Tomás de Aquino – nos dá uma visão clara das coisas, fazendo com que valorizemos mais a verdade que nelas há que as nossas tendências apetitivas. Um exemplo das mais variadas manifestações da virtude da prudência é – como dizia um santo – não expor-se como católico quando está de moda ser católico e, ao contrário, manifestar-se católico quando todos se acovardam. Pensemos, por um momento, em qual dessas duas situações nos encontramos.

O uso do dinheiro exige uma grande honestidade, tanto nos negócios mais importantes, como nos mais insignificantes, porque “quem é fiel no pouco é também fiel no muito” (Lc 16, 10).


Papa: 'Não deixemos que nos roubem a esperança".


CATEQUESE
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Durante este Jubileu, refletimos várias vezes sobre o fato de que Jesus se exprime com uma ternura única, sinal da presença e da bondade de Deus. Hoje nos concentramos sobre um trecho comovente do Evangelho (cfr Mt 11, 28-30), no qual Jesus diz: “Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. […] Aprendei de mim, que sou brando e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa vida” (vv. 28-29). O convite do Senhor é surpreendente: chama para segui-lo pessoas simples e sobrecarregadas por uma vida difícil, chama a segui-lo pessoas que têm tantas necessidades e promete a elas que Nele encontrarão repouso e alívio. O convite é dirigido de forma imperativa: “vinde a mim”, “tomai o meu jugo”, “aprendei de mim”. Talvez todos os líderes do mundo pudessem dizer isso! Procuremos colher o significado dessas expressões.

O primeiro imperativo é “Vinde a mim”. Dirigindo-se àqueles que estão cansados e oprimidos, Jesus se apresenta como o Servo do Senhor descrito no livro do profeta Isaías. Assim diz o trecho de Isaías: “o Senhor me deu uma língua de discípulo, para que eu saiba reconfortar pela palavra o que está abatido” (50, 4). A estes desconfiados da vida, o Evangelho coloca ao lado também os pobres (cfr Mt 11,5) e os pequenos (cfr Mt 18, 6). Trata-se de quantos não podem contar com os próprios meios, nem com suas amizades importantes. Esses podem apenas confiar em Deus. Conscientes da própria humildade e mísera condição, sabem depender da misericórdia do Senhor, esperando Dele a única ajuda possível. No convite de Jesus encontram finalmente resposta à sua espera: tornando-se seus discípulos, recebem a promessa de encontrar restauração para toda a vida. Uma promessa que ao término do Evangelho vem expressa a todos os povos: “Ide – diz Jesus aos Apóstolos – e fazei discípulos todos os povos” (Mt 28, 19). Acolhendo o convite para celebrar este ano de graça do Jubileu, em todo o mundo os peregrinos atravessam a Porta da Misericórdia aberta nas catedrais, nos santuários, em tantas igrejas do mundo, nos hospitais, nos presídios. Por que atravessam esta Porta da Misericórdia? Para encontrar Jesus, para encontrar a amizade de Jesus, para encontrar a restauração que só Jesus dá. Este caminho exprime a conversão de cada discípulo que se coloca ao seguimento de Jesus. E a conversão consiste sempre em descobrir a misericórdia do Senhor. Essa é infinita e inesgotável: é grande a misericórdia do Senhor! Atravessando a Porta Santa, portanto, professamos “que o amor está presente no mundo e este amor é mais poderoso que todo tipo de mal, em que o homem, a humanidade, o mundo estão envolvidos” (João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 7).

O segundo imperativo diz: “Tomai o meu jugo”. No contexto da Aliança, a tradição bíblica utiliza a imagem do jugo para indicar o estreito vínculo que liga o povo a Deus e, por consequência, a submissão à sua vontade expressa na Lei. Em polêmica com os escribas e os doutores da lei, Jesus coloca sobre seus discípulos o seu jugo, no qual a Lei encontra o seu cumprimento. Quer ensinar a eles que descobrirão a vontade de Deus mediante a sua pessoa: mediante Jesus, não mediante leis e prescrições frias que o próprio Jesus condena. Basta ler o capítulo 23 de Mateus! Ele está no centro de sua relação com Deus, está no coração das relações entre os discípulos e se coloca como centro da vida de cada um. Recebendo o “jugo de Jesus”, cada discípulo entra assim em comunhão com Ele e se torna partícipe do mistério da sua cruz e do seu destino de salvação.