O presente texto visa mostrar como através dos anos a Igreja tratou com a questão do tabaco. Entenda-se aqui que Igreja tratou através dos anos com o Tabaco puro provindo diretamente da planta, e não do cigarro industrializado como conhecemos hoje, com dezenas de substancias nocivas a saúde e viciantes.
O tabaco in natura por assim dizer, por si só, não causa vícios e não é um substancia ilícita, portanto não é “pecado” sua utilização, contudo não é algo que simplesmente pode ser usado por qualquer um indiscrimidamente, seu uso requer cuidado.
Será tratado aqui as 3 formas de consumo do tabaco: cheirar (pó de fumo ou rapé), mascar (a folha processada) e o fumo direto.
EX FUMO DARE LUCEM
Na época, logo após os exploradores espanhóis conhecerem o tabaco por meio das viagens de Colombo, fumando ou cheirando como os nativos do Novo Mundo faziam - traziam consigo algo de um ar de diabrura porque os nativos viam nele uma conexão com espíritos invisíveis. Para alguns membros mais sinceros do clero missionário, as coroas de sua fumaça e sua ação sobre os espíritos daqueles que se embebiam, eram uma espécie de imitação sacramental dos sacramentos da Igreja, estabelecida no Novo Mundo de antemão pelo Diabo, a fim de impedir a sua evangelização.
Por volta de 1575, sínodos provinciais no Novo Mundo já tiveram que lidar com o fato de que os índios, convertendo-se ao catolicismo, trouxeram a prática de fumar em igrejas durante a liturgia - fumaça do tabaco, em suas tradições, evocavam os espíritos. Eles ofereciam sua fumaça como incenso, ou misturado em outro incenso. Autoridades eclesiásticas mexicanas proibiram o fumo em Igrejas nas Américas.
As autoridades da Igreja no México e Peru definiram a disciplina eclesiástica para a Nova Espanha e outras partes da América. Em 1583, um sínodo em Lima declarou: “É proibido, sob pena de condenação eterna para os sacerdotes, administrar os sacramentos, tanto levando a fumaça do sayri, ou tabaco, na boca, quanto o pó de tabaco no nariz , até mesmo sob o pretexto de remédio, antes do serviço da missa." em 1588, o colégio de cardeais, em Roma aprovou a proibição que se aplicava para as colônias espanholas na América. (A prática voltou na década de 1980, entre alguns americanos católicos índios, com a queima do tabaco e erva antes da Missa como o seu modo de sincretismo entre as crenças indígenas americanas e liturgia católica).
Mas a questão não se limitou às Américas. O uso do tabaco: fumar, cheirar e mastigar, muito rapidamente se espalhou por todo o Velho Mundo também. E se espalhando entre ambos leigos e clérigos. A matéria era confusa: Não faltaram pessoas que abominavam o uso do tabaco como insalubre, sujo, viciante, e até mesmo pecaminoso; mas também houve muitas pessoas que apontavam para os seus benefícios, seus efeitos calmantes, os grandes e pequenos prazeres em seu uso, sua capacidade de fomentar a sociabilidade (talvez para uma esperada paz das nações, uma irmandade internacional da fumaça), e mesmo (no caso de rapé nasal) a sua eficácia médica como uma maneira de limpar as cavidades através da indução de uma purga cefálica.
No entanto, a questão do uso de tabaco na igreja rapidamente surgiu na Europa, tal como tinha acontecido na Nova Espanha, e que tinha a ver com a questão de sacrilégio durante a missa. Num domingo, em Nápoles, um padre enquanto celebrava a Missa deu uma pitada de rapé nasal logo depois de receber a Sagrada Comunhão. Parece que ele não era um cheirador experiente porque ele caiu em um acesso de espirros, que o levou a vomitar o Santíssimo Sacramento no altar na frente de sua congregação horrorizada.
Como o uso do tabaco se espalhou através do clero católico da Europa, a Igreja focou em sua intrusão na igreja. O que foi anatematizado não era o seu uso em si, mas sim o seu uso antes ou durante a liturgia. E, especialmente, pelo clero, que eram esperados para manter a pureza absoluta e limpeza do altar, dos paramentos litúrgicos, e das mãos que consagrariam a hóstia. O tabaco não fumaçava igual o incenso.
O Papa Urbano VIII, em 30 de janeiro de 1642 emitiu uma bula Cum Ecclesiae, em que ele respondeu as denúncias do decano da Catedral de Sevilha, ao declarar que qualquer um que usasse tabaco pela boca ou nariz, tanto em peças inteiras, desfiado, em pó, quanto fumado em um cachimbo, nas igrejas da Diocese de Sevilha, receberia a pena de excomunhão latae sententiae.
A razão para a proibição, explicou, era proteger a missa e as igrejas de contaminação. Em Sevilha, o mau hábito de usar o tabaco tinha aumentado tanto, disse ele, que homens e mulheres, clérigos e leigos, “tanto enquanto eles estavam realizando os seus serviços no coro e no altar, quanto enquanto eles estavam ouvindo a missa e os ofícios divinos, [que] não eram, ao mesmo tempo, e com grande irreverência, tendo tabaco; e com excrementos fétidos mancham o altar, lugares santos, pavimentos e calçadas das igrejas daquela diocese.” Alguns padres, aparentemente, tinham ido tão longe a ponto de colocar as suas caixas de rapé no altar enquanto eles estavam rezando a missa.
Mais tarde, em Roma, um panfleto provocador apareceu como um comentário sobre a Bula: "Contra folium quod vento rapitur ostendis potentiam tuam, et stipulam siccam persequeris." (“Queres, então, assustar uma folha levada pelo vento, ou perseguir uma folha ressequida?” Jó 13, 25 ).
Esta proibição gerou uma grande quantidade de lendas urbana (Urbano?) ao longo dos séculos, agravada por boatos corrompidos e falsamente atribuidos. Alguns relataram isso como uma proibição mundial sobre o uso de tabaco, alguns atribuíram ao papa errado ou deram a data errada, e alguns chegaram mesmo a dizer que o papa proibiu o uso do tabaco, porque ele bizarramente acreditava que o espirros que rapé causavam se assemelhava a êxtase sexual, que era inapropriado na igreja. (Hey, senhor papa! Mantenha seus rosários longe de nosso nariz!) Ultimamente, a lenda tornou-se tão deturpada e desgastada que o pobre Papa Urbano VIII foi acusado de insanidade de tentar proibir espirros.
Em 1650, oito anos após a bula de Urbano VIII, Inocêncio X decretou a mesma pena para o uso do tabaco nas capelas, na sacristia ou no pórtico da Arquibasílica de São João de Latrão, ou na de São Pedro, em Roma, a razão foi que ele tinha gastado muito tempo, talento e dinheiro embelezando-as, instalando mármores preciosos no chão e ornamentando as capelas com baixos-relevos, e ele não queria que eles fossem manchados com suco de tabaco e fumaça. Inocêncio XI depois reiterou a bula.
Por volta de 1685, alguns teólogos estavam debatendo se as bulas de Urbano VIII e Inocêncio X poderiam ser implicitamente entendidas como aplicáveis a Igreja Universal, e, em caso afirmativo, eles se perguntaram como se aplicava a todas as propriedades da igreja (não apenas o santuário e sacristia; alguns se perguntaram se a reitoria estava incluído).
Embora Bento XIII (que usava pó de fumo) reforçou a necessidade de manter o tabaco longe do altar e do tabernáculo, em 1725, ele revogou a pena de excomunhão por fumar na Igreja de São Pedro, porque ele reconheceu que os freqüentadores da igreja eram freqüentemente saiam da Missa por um tempo para pegar um cigarro ou pó de fumo, e ele decidiu que era melhor para eles ficaram por dentro e não interromper ou perturbar a liturgia ou perder parte dela.
Será que o uso do tabaco quebrava o jejum antes da comunhão? Afonso Ligório (usava pó de fumo), em seu manual de instruções para os confessores, considerou que “o tabaco tomado pelo nariz não quebra o jejum, mesmo que uma parte dele desça para o estômago.” Nem “o fumante um cigarro quebra”, nem mesmo o tabaco mastigado ou “mascado pelos dentes, fazendo suco que é cuspido”. Outros de tempo acordado, esclarecendo que, se uma quantidade significativa de tabaco mascado foi engolido, o jejum foi quebrado.