VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA
FRANCISCO
À GEÓRGIA E AO
AZERBAIJÃO
(30 DE SETEMBRO - 2 DE OUTUBRO DE 2016)
ENCONTRO
INTER-RELIGIOSO COM O
CHEFE DOS
MUÇULMANOS DO CÁUCASO
E COM OS REPRESENTANTES DAS COMUNIDADES
RELIGIOSAS DO PAÍS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Mesquita
Heydar Aliyev - Baku
Domingo, 2 de outubro de 2016
Considero uma bênção encontrarmo-nos
aqui juntos. Desejo agradecer ao Presidente do Conselho dos Muçulmanos do
Cáucaso, que nos acolhe com a sua habitual cortesia, e aos Chefes religiosos
locais da Igreja Ortodoxa Russa e das Comunidades Judaicas. É um grande sinal
encontrarmo-nos, em fraterna amizade, neste lugar de oração; um sinal que
manifesta aquela harmonia que as religiões, em conjunto, podem construir, a
partir das relações pessoais e da boa vontade dos responsáveis. Prova disto
mesmo é, por exemplo, a ajuda concreta que o Presidente do Conselho dos
Muçulmanos garantiu em várias ocasiões à comunidade católica, e os sábios
conselhos que partilha, em espírito de família, com ela; são de sublinhar
também o vínculo estupendo que une os católicos à comunidade ortodoxa,
manifestado numa fraternidade concreta e num carinho diário que são um exemplo
para todos, e a amizade cordial com a comunidade judaica.
Desta concórdia beneficia o Azerbaijão,
que se distingue pelo acolhimento e a hospitalidade, dons que pude experimentar
neste dia memorável e pelo qual lhes estou muito grato. Aqui deseja-se guardar
o grande património das religiões e, ao mesmo tempo, procura-se uma abertura
maior e frutuosa: o próprio catolicismo, por exemplo, encontra lugar e harmonia
entre outras religiões muito mais numerosas; um sinal concreto que mostra como
não seja a contraposição mas a colaboração que ajuda a construir sociedades
melhores e pacíficas. Este nosso ajuntamento está em continuidade também com os
numerosos encontros que se realizam em Baku para promover o diálogo e a
multiculturalidade. Ao abrir as portas ao acolhimento e à integração, abrem-se
as portas do coração de cada um e as portas da esperança para todos. Confio que
este país, «porta entre o Oriente e o Ocidente» [João Paulo II, Discurso na cerimônia de boas-vindas, Baku, 22 de maio de 2002: Insegnamenti XXV/1 (2002), 838], cultive sempre a
sua vocação de abertura e encontro, condições indispensáveis para construir
sólidas pontes de paz e um futuro digno do ser humano.
A fraternidade e a partilha que
desejamos incrementar não serão apreciadas por aqueles que querem salientar
divisões, reacender tensões e enriquecer à custa de conflitos e contrastes; mas
são imploradas e esperadas por quem deseja o bem comum, e sobretudo são
agradáveis a Deus, Compassivo e Misericordioso, que quer os filhos e filhas da
única família humana unidos e sempre em diálogo entre si. Assim escreveu um
grande poeta, filho desta terra: «Se és humano, mistura-te com os humanos,
porque os homens sentem-se bem uns com os outros» (Nizami Ganjavi, O livro de Alexandre I, sobre o próprio estado e o passar do
tempo). Abrir-se aos outros não empobrece, mas enriquece, porque nos ajuda a
ser mais humanos: a reconhecer-se parte ativa dum todo maior e a interpretar a
vida como um dom para os outros; a ter como alvo não os próprios interesses,
mas o bem da humanidade; a agir sem idealismos nem intervencionismos, sem
realizar interferências prejudiciais nem ações forçadas, mas sempre no respeito
das dinâmicas históricas, das culturas e das tradições religiosas.
As próprias religiões têm uma grande
tarefa: acompanhar os homens em busca do sentido da vida, ajudando-os a
compreender que as limitadas capacidades do ser humano e os bens deste mundo
nunca se devem tornar absolutos. O mesmo Nizami escreveu: «Não te estabeleças
solidamente sobre as tuas forças, enquanto não encontrares morada no céu! Os
frutos do mundo não são eternos; não adores o que perece!» (Leylā e Majnūn,
Morte de Majnūn no túmulo de Leylā). As religiões são chamadas a fazer-nos
compreender que o centro do homem está fora dele, que tendemos para o Outro
infinito e para o outro que está próximo de nós. Aí o homem é chamado a
encaminhar a vida rumo ao amor mais sublime e, simultaneamente, mais concreto:
este não pode deixar de estar no cume de toda a aspiração autenticamente
religiosa; porque – diz ainda o poeta – «amor é aquilo que nunca muda, amor é
aquilo que não tem fim» (Ibid., Desespero de Majnūn).
A religião é, pois, uma necessidade
para o ser humano realizar o seu fim, uma bússola a fim de o orientar para o
bem e afastá-lo do mal, que sempre jaz deitado à porta do seu coração (cf. Gn 4, 7). Neste sentido, as religiões têm
uma tarefa educativa: ajudar a tirar fora do homem o seu melhor. E nós, como
guias, temos uma grande responsabilidade que é dar respostas autênticas à busca
do homem, hoje frequentemente perdido nos paradoxos vertiginosos do nosso
tempo. De facto vemos como nos nossos dias, por um lado, avança o niilismo
daqueles que não acreditam em nada mais senão nos seus próprios interesses,
benefícios e lucros, daqueles que jogam fora a vida acomodando-se ao ditado «se
Deus não existe, tudo é permitido» (cf. F. M. Dostoievski, Os irmãos Karamazov, XI, 4.8.9); por outro lado, emergem cada vez mais
as reações rígidas e fundamentalistas daqueles que, com a violência da palavra
e dos gestos, querem impor atitudes extremas e radicalizadas, as mais distantes
do Deus vivo.
As religiões, pelo contrário, ajudando
a discernir o bem e a pô-lo em prática com as obras, a oração e o esforço do
trabalho interior, são chamadas a construir a cultura do encontro e
da paz, feita de paciência, compreensão, passos humildes e concretos. É assim
que se serve a sociedade humana. Esta, por sua vez, está sempre obrigada a
vencer a tentação de se servir do fator religioso: as religiões não devem
jamais ser instrumentalizadas e nunca se podem prestar a apoiar conflitos e
confrontos.
Ao contrário, é fecunda uma ligação
virtuosa entre sociedade e religiões, uma aliança respeitosa que deve ser
construída e preservada, e que gostaria de simbolizar com uma imagem querida a
este país. Refiro-me às preciosas janelas artísticas, presentes há séculos
nestas terras, feitas apenas de madeira e vidros coloridos (Shebeke). Na
sua confeção artesanal, há uma particularidade única: não se usam colas nem
pregos, mas são mantidos juntos a madeira e o vidro encaixando-os entre si com
um trabalho longo e cuidadoso. Assim a madeira sustenta o vidro e o vidro faz
entrar a luz. Da mesma forma, é dever de cada sociedade civil sustentar a
religião, que permite a entrada duma luz indispensável para viver: para isso é
necessário garantir-lhe uma efetiva e autêntica liberdade. Assim não se devem
usar as «colas» artificiais que forçam o ser humano a crer, impondo-lhe um
determinado credo e privando-o da liberdade de escolha; nem devem entrar nas
religiões os «pregos» externos dos interesses mundanos, das ambições de poder e
dinheiro. Porque Deus não pode ser invocado para interesses de parte nem para
fins egoístas; não pode justificar qualquer forma de fundamentalismo,
imperialismo ou colonialismo. Mais uma vez, deste lugar tão significativo,
levanta-se o grito angustiado: nunca mais violência em nome de Deus! Que o seu
santo nome seja adorado, e não profanado nem mercantilizado por ódios e
conflitos humanos.
Em vez disso, honremos a providente
misericórdia divina para conosco com a oração assídua e o diálogo concreto,
«condição necessária para a paz no mundo e, por conseguinte, é um dever para os
cristãos e também para as outras comunidades religiosas» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 250). Oração e
diálogo estão profundamente relacionados entre si: partem da abertura do
coração e tendem para o bem dos outros; por isso se enriquecem e reforçam
mutuamente. Convictamente, em continuidade com o Concílio Vaticano II, a Igreja
Católica «exorta os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo diálogo e
colaboração com os seguidores doutras religiões, dando testemunho da vida e fé
cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os
valores socioculturais que entre eles se encontram» (Decl. Nostra aetate, 2). Não se trata de
qualquer «sincretismo conciliador», nem de «uma abertura diplomática que diga
sim a tudo para evitar problemas» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 251), mas de
dialogar com os outros e rezar por todos: estes são os nossos meios para mudar
as lanças em foices (cf. Is 2, 4), para fazer
surgir amor onde há ódio e perdão onde há ofensa, para não nos cansarmos de
implorar e percorrer caminhos de paz.
Uma paz verdadeira, fundada sobre o
respeito mútuo, o encontro e a partilha, sobre a vontade de ultrapassar os
preconceitos e as injustiças do passado, sobre a renúncia à duplicidade e aos
interesses de parte; uma paz duradoura, animada pela coragem de superar as barreiras,
de debelar a pobreza e as injustiças, de denunciar e deter a proliferação de
armas e os ganhos iníquos obtidos à custa da pele dos outros. A voz de
demasiado sangue clama a Deus a partir do solo da Terra, nossa casa comum (cf.Gn 4, 10). Agora somos desafiados a dar uma resposta sem mais adiamentos, a
construir juntos um futuro de paz: não é tempo de soluções violentas e bruscas, mas o
momento urgente de empreender processos pacientes de reconciliação. A
verdadeira questão do nosso tempo não é como promover os nossos interesses –
esta não é a verdadeira questão –, mas que perspetiva de vida oferecer às
gerações futuras, como deixar um mundo melhor do que aquele que recebemos. Deus
e a própria história interrogar-nos-ão se hoje nos gastamos pela paz; já no-lo
perguntam instantemente as gerações jovens, que sonham com um futuro diferente.
Na noite dos conflitos que estamos a
atravessar, as religiões sejam alvoradas de paz, sementes de renascimento por
entre devastações de morte, ecos de diálogo que ressoam incansavelmente,
caminhos de encontro e reconciliação para se chegar mesmo lá onde as tentativas
das mediações oficiais parecem não ter êxito. Especialmente nesta amada região
caucásica, que muito desejei visitar e à qual cheguei como peregrino de paz, as
religiões sejam veículos ativos para a superação das tragédias do passado e das
tensões atuais. As riquezas inestimáveis destes países sejam conhecidas e
valorizadas: os tesouros antigos e sempre novos de sabedoria, cultura e
religiosidade dos povos do Cáucaso são um grande recurso para o futuro da
região e, em particular, para a cultura europeia, bens preciosos a que não
podemos renunciar. Obrigado.
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Santa Sé
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