segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Multiforme Deformidade


"Assassinato sem culpa, amor sem sentido", filme Blow-Up, de Antonioni. Nos tornamos incapazes de culpabilizar o transgressor quando já não temos mais categorias para justificar o Amor. Se não há Mal, não há Bem. Se não há Certo, não há Errado. Se tudo é Bom e Certo, não há mais maldade e tropeço. Se tudo é Bom e Certo, nada é Bom e nada é Certo - o Bom é Mal e o Certo é Errado. Sem distintivos, sem qualificativos, Tudo é Um, Tudo é Nada. Enchemo-nos de nulidade.

O Amor, enquanto doação do eu, depende do reconhecimento das mazelas do outro - e se não há barreiras e ideais, não pode haver mazela ou transgressão; não pode haver Eu e não pode haver Outro. Sem Pecado não existe Compaixão. Sem Eu e sem Outro não há Compaixão e não há Pecado. Na medida em que relativizamos o Crime, relativizamos o Amor; na medida em que "terrorismo" pode ser Tudo e Nada, o Amor dilui-se no matagal de afetividades, perversidades e fluídos humanos e inumanos. Dizem que o Amor é "multiforme" para não dizer "disforme". Se não há "forma", só resta a indeterminação. Assassinar é Amar, e ambos são Qualquer Coisa, são Tudo, são Nada. 

São Gelásio I


Nascido em Roma, Gelásio era de origem africana, culto, inteligente e dotado de personalidade forte. Cristão fervoroso, era conselheiro papal. Em 492 ele foi eleito para assumir a cátedra de Pedro, mas seu pontificado foi muito conturbado por causas de problemas políticos. 

Papa Gelásio lutou para manutenção da doutrina, enfrentando heresias como o pelagianismo. Foi o primeiro pontífice a expressar a máxima autoridade do Bispo de Roma sobre toda a Igreja. Deixou isso claro em uma carta na qual se faz uma nítida distinção entre poder político e poder religioso. 

Organizou e presidiu o sínodo de 494, no qual saiu aprovada a grande renovação litúrgica da Igreja. Assim, ele instituiu o Sacramentário Gelasiano para uniformizar as funções e ritos das várias Igrejas. Trata-se do decreto que levou o seu nome, contendo cerca de cinqüenta prefácios litúrgicos, uma coletânea de orações para recitar durante a missa. 

Papa Gelásio I viveu em oração e insistia que seus clérigos fizessem o mesmo. Por sua caridade, foi chamado "Papa dos pobres". Morreu em 21 de novembro de 496, em Roma. 



Deus eterno e todo-poderoso, quiseste que São Gelásio Primeiro governasse todo o vosso povo, servindo-o pela palavra e pelo exemplo. Guardai, por suas preces, os pastores de vossa Igreja e as ovelhas a eles confiadas, guiando-os no caminho da salvação. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Apresentação de Nossa Senhora no Templo


A memória que a Igreja celebra hoje, ao contrário da Apresentação do Senhor, não encontra fundamentos explícitos nos Evangelhos Canônicos, mas algumas pistas no chamado proto-evangelho de Tiago, livro de Tiago, ou ainda, História do nascimento de Maria. A validade do acontecimento que lembramos possui real alicerce na Tradição que a liga à Dedicação da Igreja de Santa Maria Nova, construída em 543, perto do templo de Jerusalém.

Os manuscritos não canônicos, contam que Joaquim e Ana, por muito tempo não tinham filhos, até que nasceu Maria, cuja infância se dedicou totalmente, e livremente a Deus, impelida pelo Espírito Santo desde sua concepção imaculada. Tanto no Oriente, quanto no Ocidente observamos esta celebração mariana nascendo do meio do povo e com muita sabedoria sendo acolhida pela Liturgia Católica, por isso esta festa aparece no Missal Romano a partir de 1505, onde busca exaltar a Jesus através daquela muito bem soube isto fazer com a vida, como partilha Santo Agostinho, em um dos seus Sermões:

“Acaso não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que creu pela fé, pela fé concebeu, foi escolhida dentre os homens para que dela nos nascesse a salvação; criada por Cristo antes que Cristo nela fosse criado? Fez Maria totalmente a vontade do Pai e por isto mais valeu para ela ser discípula de Cristo do que mãe de Cristo; maior felicidade gozou em ser discípula do que mãe de Cristo. E assim Maria era feliz porque já antes de dar à luz o Mestre, trazia-o na mente”.

Foi no dia 21 de novembro de 1964 que o Papa Paulo VI, na clausura da 3ª Sessão do Concílio Vaticano II, consagrou o mundo ao Coração de Maria e declarou Nossa Senhora Mãe da Igreja.



Ó Deus, Pai de Misericórdia, que te revelas aos puros de coração: ao venerar hoje a memória de Maria, consagrada desde sempre a ti no corpo e na alma, suplicamos-te que nos leves a alcançar a mesma disposição de Maria em aceitar tua santa vontade. Amém. Nossa Senhora da Apresentação, rogai por nós!

domingo, 20 de novembro de 2016

Continua escancarada porta da misericórdia que é o Coração de Cristo, diz Papa


HOMILIA
Santa Missa do encerramento do Ano da Misericórdia
Praça São Pedro
Domingo, 20 de novembro de 2016

A solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo coroa o ano litúrgico e este Ano Santo da Misericórdia. Na verdade, o Evangelho apresenta a realeza de Jesus no auge da sua obra salvadora e fá-lo duma maneira surpreendente. «O Messias de Deus, o Eleito, (…) o Rei» (Lc 23, 35.37) aparece sem poder nem glória: está na cruz, onde parece mais um vencido do que um vencedor. A sua realeza é paradoxal: o seu trono é a cruz; a sua coroa é de espinhos; não tem um cetro, mas põem-Lhe uma cana na mão; não usa vestidos sumptuosos, mas é privado da própria túnica; não tem anéis brilhantes nos dedos, mas as mãos trespassadas pelos pregos; não possui um tesouro, mas é vendido por trinta moedas.

Verdadeiramente não é deste mundo o reino de Jesus (cf. Jo 18, 36); mas precisamente nele – diz-nos o apóstolo Paulo na segunda leitura – é que encontramos a redenção e o perdão (cf. Col 1, 13-14). Porque a grandeza do seu reino não está na força segundo o mundo, mas no amor de Deus, um amor capaz de alcançar e restaurar todas as coisas. Por este amor, Cristo abaixou-Se até nós, viveu a nossa miséria humana, provou a nossa condição mais ignóbil: a injustiça, a traição, o abandono; experimentou a morte, o sepulcro, a morada dos mortos. Assim Se aventurou o nosso Rei até aos confins do universo, para abraçar e salvar todo o vivente. Não nos condenou, nem sequer nos conquistou, nunca violou a nossa liberdade, mas abriu caminho com o amor humilde, que tudo desculpa, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13, 7). Unicamente este amor venceu e continua a vencer os nossos grandes adversários: o pecado, a morte, o medo.

Hoje, amados irmãos e irmãs, proclamamos esta vitória singular, pela qual Jesus Se tornou o Rei dos séculos, o Senhor da história: apenas com a onipotência do amor, que é a natureza de Deus, a sua própria vida, e que nunca terá fim (cf. 1 Cor 13, 8). Jubilosamente compartilhamos a beleza de ter Jesus como nosso Rei: o seu domínio de amor transforma o pecado em graça, a morte em ressurreição, o medo em confiança.

Mas seria demasiado pouco crer que Jesus é Rei do universo e centro da história, sem fazê-Lo tornar-Se Senhor da nossa vida: tudo aquilo será vão, se não O acolhermos pessoalmente e se não acolhermos também o seu modo de reinar. Nisto, ajudam-nos os personagens presentes no Evangelho de hoje. Além de Jesus, aparecem três tipos de figuras: o povo que olha, o grupo que está aos pés da cruz e um malfeitor crucificado ao lado de Jesus. 

O Reino que já chegou e virá


Os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Jesus respondeu: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘Está ali’, porque o Reino de Deus está entre vós”.

E Jesus disse aos discípulos: “Dias virão em que desejareis ver um só dia do Filho do Homem e não podereis ver. As pessoas vos dirão: ‘Ele está ali’ ou ‘Ele está aqui’. Não deveis ir, nem correr atrás. Pois, como o relâmpago brilha de um lado até o outro do céu, assim também será o Filho do Homem, no seu dia. Antes, porém, Ele deverá sofrer muito e ser rejeitado por esta geração”. (Lc 17,20-25)

Os fariseus não compreenderam Jesus – como muitos cristãos ainda hoje não o compreendem. Perguntam pelo Reinado de Deus, sem compreender que este Reinado já chegou com Jesus: Nele, nosso Salvador, Deus o Pai reina plenamente; e todo aquele que adere a Jesus e segue Seus passos, todo aquele que sendo Nele batizado e Dele se alimentando, forma com Ele um só Espírito, esse experimenta em si o Reinado de Deus, pois vive não para si, mas em parceria com o Deus santo de Jesus.

O Reinado de Deus não são estruturas sociais ou econômicas (deixemos esta ilusão para os pobres e ideologizados comentários da maioria dos jornaizinhos de missa e de livretos da missa diária de nossas editoras católicas... Comentários em sua maioria tortos, distorcidos, reducionistas e violentadores do sentido da Palavra de Deus); o Reinado de Deus acontece quando cada pessoa vai se abrindo para que Deus reine em sua vida, como reinou na vida e na missão de Jesus. “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘Está ali’, porque o Reino de Deus está entre vós”.

Isto: o Reino está entre nós, e somente estará entre nós se, primeiro, em nós! Reino de Deus tão forte e tão frágil, tão experimentado e tão escondido! Reino de Deus que eu posso acolher em cada vitória sobre o meu pecado, meu fechamento, minha autossuficiência e que eu posso repelir e até matar em mim, quando me entrego ao pecado, pensando que eu mesmo sou meu rei e senhor da minha vida!

Esse Reino, não se pode dizer dele “está aqui” ou “está ali”, pois o Reinado é de Deus: é obra Dele, iniciativa Dele e desenvolve-se pela divina potência Dele! O Reino somente pode ser percebido pela medida do amor: ele é edificado somente pelo coração que ama, que se abre para o Cristo de Deus e, através Dele e por Ele, espraia-se no amor aos irmãos, sobretudo os mais frágeis, os mais pobres, os machucados pela existência. 

Estátua de Cristo Rei é iluminada de vermelho, pelos cristãos perseguidos, em Portugal


A estátua de Cristo Rei, em Almada, Portugal, será iluminada de vermelho neste fim de semana, a fim de alertar as populações das duas margens do Rio Tejo para o drama da perseguição religiosa no mundo e assinalar o encerramento do Ano Santo da Misericórdia.

A inciativa é da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), juntamente com o Santuário Cristo Rei e com esse gesto de iluminar o monumento com a cor do sangue dos mártires, pretende-se também destacar também a importância do Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, apresentado em Lisboa na última quinta-feira.

A Fundação ACN explica ainda que, “além da perseguição religiosa”, essa iniciativa simbólica busca “assinalar o encerramento do Ano Santo da Misericórdia, proclamado pelo Papa Francisco e que mobilizou particularmente a Fundação ACN em todo o mundo”.

De fato, o Santo Padre lançou um desafio a todos os Cristãos do mundo para, em conjunto com a Ajuda à Igreja que Sofre, fazerem “obras de misericórdia” que permaneçam, que sejam sinais visíveis do amor e da “carícia de Deus”. 

Venha a nós o vosso Reino


Segundo as palavras de Nosso Senhor e Salvador, o reino de Deus não vem ostensivamente, e ninguém dirá: ‘Ei-lo aqui ou acolá’, porque o reino de Deus está dentro de nós, e a sua palavra está junto de nós, na nossa boca e no nosso coração; por isso, sem dúvida alguma, quando alguém implora a vinda do reino de Deus, o que pede realmente é que o reino de Deus, que está dentro de si, se desenvolva, frutifique e chegue à sua plenitude. Efetivamente, Deus reina em todos os seus santos, em todos aqueles que observam as suas leis espirituais; e assim Deus habita neles como numa cidade bem governada. Na alma perfeita está presente o Pai e, juntamente com o Pai, reina Cristo, segundo aquela palavra: Viremos a ele e nele estabeleceremos a nossa morada. 

O reino de Deus, que está em nós, chegará à sua plenitude, através do nosso aperfeiçoamento contínuo, quando se verificar o que afirma o Apóstolo, isto é, quando Cristo, depois de ter submetido todos os seus inimigos, entregar o reino a Deus seu Pai, para que Deus seja tudo em todos. Por isso, orando incessantemente com aquele afeto de alma que pelo Verbo se tornou divino, digamos ao nosso Pai que está nos Céus: Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino. 

A respeito do reino de Deus devemos ter isto presente: assim como não pode haver consórcio da justiça com a iniquidade, nem união da luz com as trevas, nem acordo de Cristo com Belial, também o reino de Deus não pode associar-se com o reino do pecado. 

Por isso, se queremos que Deus reine em nós, de nenhum modo reine o pecado em nosso corpo mortal; mortifiquemos os nossos membros terrenos e dêmos frutos pelo Espírito, para que Deus habite em nós como num paraíso espiritual e só Ele reine em nós com Cristo; tenha Cristo em nós o seu trono, onde Se sente à direita daquele poder espiritual que também nós esperamos receber, e conosco permaneça, até que todos os seus inimigos que há em nós se prostrem como escabelo de seus pés e desapareça de nós todo o principado, potestade e virtude (que não sejam os seus). 

Tudo isto pode realizar-se em cada um de nós, onde o último inimigo a ser destruído será a morte. Então Cristo poderá dizer também em nós: Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, inferno, a tua vitória? Que desde agora, portanto, este nosso corpo corruptível se revista de santidade e incorrupção, e este nosso corpo mortal expulse a morte e se revista da imortalidade do Pai, para que assim, reinando Deus em nós, comecemos já a gozar os bens da regeneração e da ressurreição.


Do Opúsculo de Orígenes, presbítero, sobre a oração

(Cap. 25: PG 11, 495-499) (Sec. III)

Só a Deus se deve amar


Quem se ama a si mesmo não pode amar a Deus; aquele que, movido pela riqueza superior do amor divino, não se ama a si mesmo, esse ama a Deus. E como consequência, tal homem nunca busca a própria glória, mas a glória de Deus. Quem se ama a si mesmo procura a sua glória; quem ama a Deus procura a glória do seu Criador. É próprio da alma que sente o amor de Deus procurar sempre a glória de Deus em todos os preceitos que cumpre e deleitar-se na submissão à vontade divina, pois a glória pertence à magnificência de Deus, enquanto ao homem convém a submissão, que o leva a formar parte da família de Deus. Quando procedemos assim, a nossa felicidade está na glória do Senhor e não nos cansamos de repetir, a exemplo de João Batista: É necessário que Ele cresça e eu diminua. Sei de alguém que sofre por ainda não amar a Deus como deseja; e contudo ama-O de tal modo que o maior desejo da sua alma é ver a Deus glorificado nele e ver-se a si mesmo como se nada fosse. Tal homem não se deixa impressionar por palavras elogiosas, porque sabe quem é na realidade; ao contrário, no seu grande desejo de humilhação, não pensa na própria dignidade; entrega-se ao serviço divino como a lei prescreve aos sacerdotes, mas o seu ardente desejo de amar a Deus fá-lo esquecer a própria dignidade e ocultar a própria glória nas profundidades do amor de Deus; pelo seu espírito de humildade, não pensa em si mesmo e apenas se considera como servo inútil. Assim devemos proceder nós também, evitando as honras e a glória, atraídos pela superior riqueza do amor de Deus que tanto nos amou. Deus conhece aqueles que O amam de coração sincero; esses são de facto amigos de Deus na medida em que sentem na alma a caridade divina. Quem atinge essa perfeição deseja ardentemente que a luz do conhecimento divino penetre até ao mais íntimo do seu ser, a ponto de se esquecer de si mesmo e de se transformar totalmente no amor divino. Assim transformado, vive no mundo como se não vivesse; vive no corpo, mas a sua alma encontra-se numa permanente peregrinação para Deus; o seu coração, inflamado pelo fogo da caridade, está tão unido a Deus e tão livre do amor próprio, que pode dizer com o Apóstolo: Se estamos fora de nós, é por Deus; se somos sensatos, é por vós.



Dos Capítulos de Diádoco de Foticeia, bispo, sobre a perfeição espiritual (Cap. 12.13.14: PG 65, 1171-1172) (Sec. V)