"Assassinato sem culpa, amor sem
sentido", filme Blow-Up, de Antonioni. Nos tornamos incapazes de
culpabilizar o transgressor quando já não temos mais categorias para justificar
o Amor. Se não há Mal, não há Bem. Se não há Certo, não há Errado. Se tudo é
Bom e Certo, não há mais maldade e tropeço. Se tudo é Bom e Certo, nada é Bom e
nada é Certo - o Bom é Mal e o Certo é Errado. Sem distintivos, sem
qualificativos, Tudo é Um, Tudo é Nada. Enchemo-nos de nulidade.
O Amor, enquanto doação do eu, depende do
reconhecimento das mazelas do outro - e se não há barreiras e ideais, não pode
haver mazela ou transgressão; não pode haver Eu e não pode haver Outro. Sem
Pecado não existe Compaixão. Sem Eu e sem Outro não há Compaixão e não há
Pecado. Na medida em que relativizamos o Crime, relativizamos o Amor; na medida
em que "terrorismo" pode ser Tudo e Nada, o Amor dilui-se no matagal
de afetividades, perversidades e fluídos humanos e inumanos. Dizem que o Amor é
"multiforme" para não dizer "disforme". Se não há
"forma", só resta a indeterminação. Assassinar é Amar, e ambos são
Qualquer Coisa, são Tudo, são Nada.
Ao tornarmo-nos incapazes de culpar o assassino em
seu terrorismo, fazemo-nos inaptos para amar aqueles que morrem em suas mãos.
Resta apenas o cinismo e a defesa do status quo para a manutenção narcísica do
próprio hedonismo.
Natanael Castoldi
*Ilustração: Saturn
Devouring His Son (Detail),1636, Peter Paul Rubens
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Contra os Intelectuais
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