domingo, 14 de maio de 2017

100 anos de Fátima: a “escandalosa traição” da Irmã Lúcia


O texto que reproduzimos a seguir parece uma “provocação”, à primeira vista, entre as tantas que se fazem no mundo sem fé em que vivemos. No entanto, ele se revela uma sensível e iluminadora reflexão sobre o sentido de “fracasso” e “sucesso” na missão, conforme seja visto aos olhos do mundo ou aos olhos de Deus. O que parece “traição” do ponto de vista meramente humano pode ser o maior triunfo aos olhos de Deus, que enxerga a essência. O texto é do pe. Gonçalo Portocarrero, de Portugal, e está aqui adaptado ao português brasileiro. 

É escandaloso, mas é verdade: decorridos cem anos das aparições de Fátima, é possível afirmar que a principal vidente, não obstante a sua tão longa existência, não cumpriu, com eficiência, a sua missão aqui na Terra. É estranho que os jornalistas, tão argutos e corajosos na descoberta e publicitação dos “podres” da Igreja, nunca tenham denunciado este caso.

Como misterioso é o silêncio que salvaguarda a memória da última vidente de Fátima, quando é por demais óbvio que defraudou as expectativas que sobre ela recaíram, nomeadamente como confidente da “Senhora mais brilhante do que o sol”.

A matéria de fato é conhecida. Na segunda aparição da Cova da Iria, Lúcia expressou um desejo comum aos três pastorinhos: “Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu“. A esta súplica, a resposta de Maria não se fez esperar:

“Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.

Com efeito, em 4 de abril de 1919, menos de dois anos depois das aparições marianas, o beato Francisco Marto “morreu a sorrir-se”, como seu pai confidenciou. Sua irmã, a Beata Jacinta, faleceria menos de um ano depois, em 20 de fevereiro de 1920, em Lisboa, depois de um longo martírio vivido com exemplar espírito de penitência.

Não assim a prima Lúcia, a mais velha dos três e que, efetivamente, como Nossa Senhora tinha dito, ficou aqui “mais algum tempo”. Como Maria vive na eternidade de Deus, os 97 anos que tinha a Irmã Lúcia quando faleceu são só “algum tempo”. Mas, se não acompanhou os seus primos no seu tão apressado trânsito para o Céu, foi – recorde-se – para dar a conhecer e amar a Mãe de Deus e para estabelecer, em âmbito mundial, a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

No entanto, como Lúcia cumpriu este encargo que lhe foi expressamente pedido? O que ela fez para espalhar mundialmente a devoção mariana?

Pois bem: fecha-se, sob rigoroso anonimato, numa instituição religiosa em que nem sequer às outras religiosas ou às educandas pode confidenciar a revelação de que fora alvo. Pior ainda: alguns anos depois, não satisfeita com aquele regime de voluntária reclusão, pede e alcança a graça de transferir-se para um convento de mais estrita clausura, onde se encerra para sempre, proibida, pela respectiva regra, de ter contato com o mundo exterior, salvo em muito contadas ocasiões.

Qual é o sentido da ressurreição de Jesus para um cristão?

 

Acreditar na ressurreição de Jesus, para o cristão, é uma condição de existência: é-se cristão porque se acredita que Jesus está vivo, triunfou da morte, ressuscitou, e é, para todos os humanos, o único mediador entre Deus e os homens. Dessa mediação participam a seu modo tudo aquilo (o universo e tudo aquilo que contém) e todos aqueles (dos mais sábios aos mais humildes) que, pela vida e pela palavra, proclamam o poder e a misericórdia de Deus que sustenta todo o universo e chama todos a participar de sua vida.

A fé na ressurreição de Jesus Cristo é o fundamento da mensagem cristã. A fé cristã estaria morta se lhe fosse retirada a verdade da ressurreição de Cristo. A ressurreição de Jesus são as primícias de um mundo novo, de uma nova situação do homem. Ela cria para os homens uma nova dimensão de ser, um novo âmbito da vida: o estar com Deus. Também significa que Deus manifestou-se verdadeiramente e que Cristo é o critério no qual o homem pode confiar.

A fé na ressurreição de Jesus é algo tão essencial para o cristão que São Paulo chegou a escrever: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia, e vazia também a vossa fé” (1Cor 15, 14).

A ressurreição de Cristo não é apenas o milagre de um cadáver reanimado. Não se trata do mesmo evento que ocorreu com outros personagens bíblicos como a filha de Jairo (cf. Mc 5, 22-24) ou Lázaro (cf. Jo 11, 1-44), que foram trazidos de volta à vida por Jesus, mas que, mais tarde, num certo momento, morreriam fisicamente.

A ressurreição de Jesus “foi a evasão para um gênero de vida totalmente novo, para uma vida já não sujeita à lei do morrer e do transformar-se, mas situada para além disso: uma vida que inaugurou uma nova dimensão de ser homem”, explica o Papa Bento XVI no segundo volume do seu livro “Jesus de Nazaré”.

Jesus ressuscitado não voltou à vida normal que tinha neste mundo. Isso foi o que aconteceu com Lázaro e outros mortos ressuscitados por Ele. Jesus “partiu para uma vida diversa, nova: partiu para a vastidão de Deus, e é a partir dela que Ele se manifesta aos seus”, prossegue o Papa.

A ressurreição de Cristo é um acontecimento dentro da história que, ao mesmo tempo, rompe o âmbito da história e a ultrapassa. Bento XVI a explica com uma analogia. “Se nos é permitido por uma vez usar a linguagem da teoria da evolução”, a ressurreição de Jesus é “a maior ‘mutação’, em absoluto o salto mais decisivo para uma dimensão totalmente nova, como nunca se tinha verificado na longa história da vida e dos seus avanços: um salto para uma ordem completamente nova, que tem a ver conosco e diz respeito a toda a história” (homilia da Vigília Pascal de 2006).

Portanto, a ressurreição de Cristo não se reduz à revitalização de um indivíduo qualquer. Com ela foi inaugurada uma dimensão que interessa a todos seres humanos, uma dimensão que criou para os homens “um novo âmbito da vida, o estar com Deus”, explica o Papa no livro “Jesus de Nazaré”. 

sábado, 13 de maio de 2017

O significado de mãe nos santos padres


Ainda que seja uma festa de origem da mitologia grega, a comunidade cristã fará uma comemoração do dia das mães no segundo domingo de maio. Será sempre um motivo de alegria pela pessoa que é a mãe de todos nós, filhos e filhas. Ora este sentido já fora falado na Sagrada Escritura onde Deus, se assim o ser humano pudesse afirmar como mãe, cuida de todos nós, filhos e filhas (cfr. Is 49,15). O profeta Jeremias falou que antes de nós entrarmos no seio da mãe, Ele já nos conhecia (cfr. Jr 1,5). Vemos Deus que ama a todos nós antes mesmo do seio materno. Ora a tradição patrística falou também da importância da mãe, como ser que gera outros seres, mas sobretudo como pessoa que possui muito amor a ser dado porque Deus é amor, criou-nos para a vida presente e um dia a eterna.

A vida é uma viagem

São Basílio Magno, Bispo do século IV, teve presentes não tanto o significado de ser mãe, mas a pessoa que nos gerou para a vida. Neste sentido afirmou que a vida é uma viagem curta para alguns e longa para outros, desde o seio materno até a sepultura, para um dia ocorrer a ressurreição. Assim como alguns, empreendem uma viagem, movem continuamente um pé diante do outro, para que o movimento se torne veloz de modo que alcançam facilmente o fim de um percurso. Da mesma forma, aqueles e aquelas que pelo Criador foram introduzidos na vida, deixam atrás de si, como último aquilo que estava em primeiro lugar, para alcançar o fim da sua vida. Também a vida presente está subdivida em diversas etapas. É sem dúvida uma viagem que desde o início para todos, apresenta a missão da mãe que nos gerou para a vida, e com o tempo vamos ao encontro da morte terrena para viver com Deus, para sempre. Assim devemos nos alegrar se andamos para frente, porque saídos do ventre da mãe, avançamos em idade e nos alegramos como que alguém seja um ganhador extraordinário. Julgamos bem-aventurado quando passamos da etapa de criança para adulto, pessoa idosa e aos poucos a nossa vida vai se desgastando, e quando realizamos o bem nos consumamos mais para os outros e para Deus.

A consolação de uma mãe cristã

São Basílio teve presente seja a mãe que está bem, aquela que vive junto com o seu marido, filhos e filhas de modo que tudo concorre para o bom andamento da família, seja a mãe que perdeu o seu filho prematuramente, por doenças, que na época, os recursos medicinais eram poucos. Hoje poderíamos dizer que muitas mães choram a morte de seus filhos pela violência, doenças, balas perdidas, perseguições, ou por assassinatos.

O Bispo diz que conheceu uma mãe, e ainda que ela tivesse um coração manso e bom, não sabia medir a dor nas circunstâncias presentes ao não ter mais o filho vivo por causa da doença. Perdeu um filho que quando era vivo todas as mães estimavam bem-aventurado desejando que o seu filho fosse como a mãe própria, forte, alegre e vigorosa. Mas como veio a morte improvisada, tudo mudou, porque algo mais forte ocorreu para o filho presente que os recursos medicinais não conseguiram controlar a doença. Neste sentido algumas pessoas se revoltam pelas coisas ocorridas, os acontecimentos, fato não ocorrido para aquela mãe. Por isso São Basílio teve presente para a comunidade a ação de não acusar o reto juízo de Deus, que quer sempre o bem de seus filhos e de suas filhas. O bispo colocou ainda em seu argumento a mãe que ela se tornando mãe, olhou para o seu filho e agradeceu imensamente a Deus; no entanto ela sabia também que ela como mulher mortal, gerou um homem mortal. Aquilo que assustou foi que o filho morreu assim tão logo. Mas São Basílio afirmou a relatividade das coisas. Tudo passa. O que permanece é o amor do Senhor na vida da gente, a caridade. Por isso ele rezava ao Senhor para que essa mãe encontrasse um modo de receber o consolo no Deus mesmo, porque Ele é a fonte de alegria e de amor para aqueles e aquelas que esperam nele e dos que choram a morte prematura de seus filhos e filhas. 

Papa Francisco sobre Medjugore: "Sobre as supostas aparições atuais o relatório tem suas dúvidas".


No marco dos 100 anos das aparições da Virgem de Fátima, durante seu voo de regresso a Roma, o Papa Francisco expressou pela primeira vez sua opinião pessoal sobre as possíveis aparições marianas do Medjugorje, na Bosnia-Herzegovina.

O Santo Padre explicou que “todas as aparições ou as supostas aparições pertencem à esfera privada, não são parte do magistério público ordinário da Igreja”.

No caso de Medjugorje, recordou, Bento XVI estabeleceu uma comissão “de bons teólogos, bispos,  e cardeais, dos bons, dos bons”, presidida pelo Cardeal Camillo Ruini.

“Ao final de 2013 ou ao início de 2014 recebi do Cardeal Ruini o resultado”, disse.

“O relatório Ruini é muito, muito bom”, destacou.

O Papa precisou que no caso de Medjugorje “deve-se distinguir 3 coisas: as primeiras aparições, quando eram crianças. O relatório mais ou menos diz que se deve continuar investigando isso”.

Sobre as “supostas aparições atuais”, disse Francisco, “o relatório tem suas dúvidas”.

“Eu pessoalmente sou mais malvado, eu prefiro a Virgem Mãe, nossa Mãe e não a Virgem Chefe do Escritório Telegráfico, que todos os dias envia uma mensagem a tal hora. Esta não é a Mãe de Jesus”. 

Papa aos doentes: presença silenciosa, mais eloquente do que palavras


PEREGRINAÇÃO DO PAPA FRANCISCO AO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES
DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA NA COVA DA IRIA
(12-13 DE MAIO DE 2017)

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE
AOS DOENTES NO FINAL SANTA MISSA
Adro do Santuário, Fátima
Sábado, 13 de maio de 2017


Queridos irmãos e irmãs doentes!

Como disse na homilia, o Senhor sempre nos precede: quando passamos através dalguma cruz, Ele já passou antes. Na sua Paixão, tomou sobre Si todos os nossos sofrimentos. Jesus sabe o que significa o sofrimento, compreende-nos, consola-nos e dá-nos força, como fez a São Francisco Marto e a Santa Jacinta, aos Santos de todos os tempos e lugares. Penso no apóstolo Pedro, acorrentado na prisão de Jerusalém, enquanto toda a Igreja rezava por ele. E o Senhor consolou Pedro. Isto é o mistério da Igreja: a Igreja pede ao Senhor para consolar os atribulados como vós e Ele consola-vos, mesmo às escondidas; consola-vos na intimidade do coração e consola com a fortaleza.

Amados peregrinos, diante dos nossos olhos, temos Jesus escondido mas presente na Eucaristia, como temos Jesus escondido mas presente nas chagas dos nossos irmãos e irmãs doentes e atribulados. No altar, adoramos a Carne de Jesus; neles encontramos as chagas de Jesus. O cristão adora Jesus, o cristão procura Jesus, o cristão sabe reconhecer as chagas de Jesus. Hoje a Virgem Maria repete a todos nós a pergunta que fez, há cem anos, aos Pastorinhos: «Quereis oferecer-vos a Deus?» A resposta – «Sim, queremos!» – dá-nos a possibilidade de compreender e imitar as suas vidas. Viveram-nas, com tudo o que elas tiveram de alegria e de sofrimento, em atitude de oferta ao Senhor. 

Em Portugal, Papa proclama santidade de Francisco e Jacinta Marto


HOMILIA DO PAPA FRANCISCO NA CANONIZAÇÃO
DE FRANCISCO E JACINTA MARTO
Sábado, 13 de maio, Fátima, Portugal

«Apareceu no Céu (…) uma mulher revestida de sol»: atesta o vidente de Patmos no Apocalipse (12, 1), anotando ainda que ela «estava para ser mãe». Depois ouvimos, no Evangelho, Jesus dizer ao discípulo: «Eis a tua Mãe» (Jo 19, 26-27). Temos Mãe! Uma «Senhora tão bonita»: comentavam entre si os videntes de Fátima a caminho de casa, naquele abençoado dia treze de maio de há cem anos atrás. E, à noite, a Jacinta não se conteve e desvendou o segredo à mãe: «Hoje vi Nossa Senhora». Tinham visto a Mãe do Céu. Pela esteira que seguiam os seus olhos, se alongou o olhar de muitos, mas… estes não A viram. A Virgem Mãe não veio aqui, para que A víssemos; para isso teremos a eternidade inteira, naturalmente se formos para o Céu.

Mas Ela, antevendo e advertindo-nos para o risco do Inferno onde leva a vida – tantas vezes proposta e imposta – sem-Deus e profanando Deus nas suas criaturas, veio lembrar-nos a Luz de Deus que nos habita e cobre, pois, como ouvíamos na Primeira Leitura, «o filho foi levado para junto de Deus» (Ap 12, 5). E, no dizer de Lúcia, os três privilegiados ficavam dentro da Luz de Deus que irradiava de Nossa Senhora. Envolvia-os no manto de Luz que Deus Lhe dera. No crer e sentir de muitos peregrinos, se não mesmo de todos, Fátima é sobretudo este manto de Luz que nos cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra quando nos refugiamos sob a proteção da Virgem Mãe para Lhe pedir, como ensina a Salve Rainha, «mostrai-nos Jesus».

Queridos peregrinos, temos Mãe. Agarrados a Ela como filhos, vivamos da esperança que assenta em Jesus, pois, como ouvíamos na Segunda Leitura, «aqueles que recebem com abundância a graça e o dom da justiça reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo» (Rm 5, 17). Quando Jesus subiu ao Céu, levou para junto do Pai celeste a humanidade – a nossa humanidade – que tinha assumido no seio da Virgem Mãe, e nunca mais a largará. Como uma âncora, fundeemos a nossa esperança nessa humanidade colocada nos Céus à direita do Pai (cf. Ef 2, 6). Seja esta esperança a alavanca da vida de todos nós! Uma esperança que nos sustente sempre, até ao último respiro.

Com esta esperança, nos congregamos aqui para agradecer as bênçãos sem conta que o Céu concedeu nestes cem anos, passados sob o referido manto de Luz que Nossa Senhora, a partir deste esperançoso Portugal, estendeu sobre os quatro cantos da Terra. Como exemplo, temos diante dos olhos São Francisco Marto e Santa Jacinta, a quem a Virgem Maria introduziu no mar imenso da Luz de Deus e aí os levou a adorá-Lo. Daqui lhes vinha a força para superar contrariedades e sofrimentos. A presença divina tornou-se constante nas suas vidas, como se manifesta claramente na súplica instante pelos pecadores e no desejo permanente de estar junto a «Jesus Escondido» no Sacrário.

Papa Francisco: "Com Cristo e Maria permaneçamos em Deus".


DISCURSO
Viagem do Papa Francisco à Portugal
Bênção das Velas no Santuário de Fátima
Sexta-feira, 12 de maio de 2017

Amados peregrinos de Maria e com Maria!

Obrigado por me acolherdes entre vós e vos associardes a mim nesta peregrinação vivida na esperança e na paz. Desde já desejo assegurar a quantos estais unidos comigo, aqui ou em qualquer outro lugar, que vos tenho a todos no coração. Sinto que Jesus vos confiou a mim (cf. Jo 21, 15-17) e, a todos, abraço e confio a Jesus, «principalmente os que mais precisarem» – como Nossa Senhora nos ensinou a rezar (Aparição de julho de 1917). Que Ela, Mãe doce e solícita de todos os necessitados, lhes obtenha a bênção do Senhor! Sobre cada um dos deserdados e infelizes a quem roubaram o presente, dos excluídos e abandonados a quem negam o futuro, dos órfãos e injustiçados a quem não se permite ter um passado, desça a bênção de Deus encarnada em Jesus Cristo: «O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça! O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz» (Nm 6, 24-26). 

Esta bênção cumpriu-se cabalmente na Virgem Maria, pois nenhuma outra criatura viu brilhar sobre si a face de Deus como Ela, que deu um rosto humano ao Filho do eterno Pai, podendo nós agora contemplá-Lo nos sucessivos momentos gozosos, luminosos, dolorosos e gloriosos da sua vida, que repassamos na recitação do Rosário. Com Cristo e Maria, permaneçamos em Deus. Na verdade, «se queremos ser cristãos, devemos ser marianos; isto é, devemos reconhecer a relação essencial, vital e providencial que une Nossa Senhora a Jesus e que nos abre o caminho que leva a Ele» (PAULO VI, Alocução na visita ao Santuário de Nossa Senhora de Bonaria-Cagliari, 24/IV/1970). Assim, sempre que rezamos o Terço, neste lugar bendito como em qualquer outro lugar, o Evangelho retoma o seu caminho na vida de cada um, das famílias, dos povos e do mundo. 

Peregrinos com Maria… Qual Maria? Uma «Mestra de vida espiritual», a primeira que seguiu Cristo pelo caminho «estreito» da cruz dando-nos o exemplo, ou então uma Senhora «inatingível» e, consequentemente, inimitável? A «Bendita por ter acreditado» (cf. Lc 1, 42.45) sempre e em todas as circunstâncias nas palavras divinas, ou então uma «Santinha» a quem se recorre para obter favores a baixo preço? A Virgem Maria do Evangelho venerada pela Igreja orante, ou uma esboçada por sensibilidades subjetivas que A veem segurando o braço justiceiro de Deus pronto a castigar: uma Maria melhor do que Cristo, visto como Juiz impiedoso; mais misericordiosa que o Cordeiro imolado por nós? 

Vigília em Fátima: Maria traz mensagem de esperança


PEREGRINAÇÃO DO PAPA FRANCISCO AO SANTUÁRIO 
DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA 
POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES 
DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA NA COVA DA IRIA 
(12-13 DE MAIO DE 2017)


«Com Maria, peregrino na esperança e na paz»

HOMILIA DO CARDEAL PAROLIN 
NA EUCARISTIA DA VIGÍLIA

(Fátima, 12 de maio de 2017)

Queridos peregrinos de Fátima!

Jubilosos e agradecidos, aqui nos congregamos neste Santuário que guarda a memória das Aparições de Nossa Senhora aos três Pastorinhos, juntando-nos à multidão de peregrinos que, ao longo destes cem anos, aqui acorreu a testemunhar a sua confiança na Mãe do Céu. Em honra do seu Imaculado Coração, celebramos esta Eucaristia; na Primeira Leitura, ouvimos o povo exclamar: «Vieste afastar a nossa ruína, procedendo com retidão na presença do nosso Deus» (Jdt 13, 20). São palavras de louvor e gratidão da cidade de Betúlia a Judite, sua heroína, a quem «Deus, criador do céu e da terra, (…) conduziu para esmagar a cabeça do chefe dos nossos inimigos» (Jdt 13, 18). No entanto estas palavras ganham o seu sentido pleno na Imaculada Virgem Maria, que, graças à sua descendência – Cristo Senhor –, pôde «esmagar a cabeça» (cf. Gen 3, 15) da «Serpente antiga – a que chamam também Diabo e Satanás – o sedutor de toda a humanidade, o qual (…), furioso contra a Mulher, foi fazer guerra contra o resto da sua descendência, isto é, os que observam os mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus» (Ap 12, 9.17).

Como mãe preocupada com as tribulações dos filhos, Ela apareceu aqui com uma mensagem de consolação e esperança para a humanidade em guerra e para a Igreja sofredora: «Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará» (Aparição de julho de 1917). Por outras palavras: «Tende confiança! No fim, vencerão o amor e a paz, porque a misericórdia de Deus é mais forte que o poder do mal. O que parece impossível aos homens, é possível a Deus». E Nossa Senhora convida a alistarmo-nos nesta luta do seu divino Filho, nomeadamente com a oração diária do terço pela paz no mundo. Porque, embora tudo dependa de Deus e da sua graça, é preciso agir como se tudo dependesse de nós, pedindo aVirgem Maria que o coração dos indivíduos, o lar das famílias, a caminhada dos povos e a alma fraterna da humanidade inteira Lhe sejam consagrados e colocados sob a sua proteção e guia. Ela quer gente entregue! «Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz» (Aparição de julho de 1917). Enfim, o que deverá vencer a guerra é um coração: o Coração da Mãe alcançará vitória, à frente de milhões dos seus filhos e filhas.

Nesta noite, rendemos graças e louvores à Santíssima Trindade pela adesão de tantos homens e mulheres a esta missão de paz confiada à Virgem Mãe. Do oriente ao ocidente, o amor do Imaculado Coração de Maria conquistou um lugar no coração dos povos como fonte de esperança e consolação. Reuniu-se o II Concílio Ecuménico do Vaticano para renovar a face da Igreja, apresentando-se substancialmente como o Concílio do amor. O povo, os bispos, o Papa não ficaram surdos aos pedidos da Mãe de Deus e dos homens: foi-Lhe consagrado o mundo inteiro. Por toda a parte se formam grupos e comunidades crentes que vão despertando da apatia de ontem e se esforçam, agora, por mostrar ao mundo o verdadeiro rosto do cristianismo.

«Se fizerem o que Eu vos disser, terão paz». O certo é que, cem anos depois das Aparições, «se, para muitos – como diz o Papa Francisco –, a paz aparece de certo modo como um bem indiscutido, quase um direito adquirido a que já não se presta grande atenção, entretanto, para outros, é apenas uma miragem distante. Milhões de pessoas vivem ainda no meio de conflitos insensatos. Mesmo em lugares outrora considerados seguros, nota-se uma sensação geral de medo. Com frequência somos surpreendidos por imagens de morte, pela dor de inocentes que imploram ajuda e consolação, pelo luto de quem chora uma pessoa querida por causa do ódio e da violência, surpreendidos pelo drama dos deslocados que fogem da guerra ou dos migrantes que morrem tragicamente» (Discurso ao Corpo diplomático, 09/I/2017). No meio de toda esta preocupação e incerteza quanto ao futuro, que nos pede Fátima? Perseverança na consagração ao Imaculado Coração de Maria, diariamente vivida com a reza do terço. E se, não obstante a oração, as guerras persistirem? Ainda que não se veja resultados imediatos, perseveremos na oração; esta nunca é inútil. Mais cedo ou mais tarde, frutificará. A oração é um capital que está nas mãos de Deus e que Ele tem a render segundo os seus tempos e os seus desígnios, muito diferentes dos nossos.

Como Salmo Responsorial, tivemos o cântico do Magnificat, onde sobressai o contraste entre a «grande» história das nações e seus conflitos, a história dos grandes e poderosos com a sua própria cronologia e geografia do poder, e a «pequena» história dos pobres, humildes e sem poder. Estes últimos são chamados a intervir a favor da paz com outra força, outros meios aparentemente inúteis ou ineficazes, como a conversão, a oração reparadora, a consagração. É um convite a travar o avanço do mal, entrando no oceano do Amor divino como resistência – e não capitulação – à banalidade e à fatalidade do mal.