quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Homilética: 22º Domingo Comum - Ano B: "Em que consiste a verdadeira religião?"


“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7,6).

De nada adiantaria dizermos que acreditamos em Deus, mas termos inveja dos dons que Ele dá aos outros.

Cristo, Nosso Senhor, elenca no Evangelho de hoje uma série do que chama de impurezas que saem do interior do homem. Tratamos agora de uma delas, a saber, a inveja.

Todos sabemos que é um dos sete pecados capitais, isto é, pecados que dão origem a muitos outros.

Nós a achamos muito feia nos outros, sobretudo se é a nós direcionada, mas nunca assumimos que somos invejosos. Talvez porque não notamos as suas sutilezas dentro do nosso coração. A inveja sabe ser “humilde” e “discreta” dentro de nós.

A inveja não se limita a querer ter algo igual ao que o outro tem. Não se trata de querer ter um carro igual ao de um vizinho, um telefone igual ao de um parente, uma casa igual à de um amigo. A inveja caracteriza-se por querer ter o que o outro tem, deixando-o sem possuir. Mas como a própria inveja sabe que o seu “hospedeiro” não pode fazer isso de forma literal, pois se assim o fizesse a pessoa iria para a cadeia acusada de roubo, vai achando subterfúgios discretos a fim de que sua atuação sutil seja mais aceita.

Em vez de tomar o desejado carro do vizinho, o que seria um crime, o invejoso passa a criticá-lo dizendo que ele só quer se mostrar, que ele não tem idade para usar um veículo daquele modelo, ou que ele não precisa de um transporte daquele tamanho. Já que o invejoso não consegue tomar o carro, vai minando a boa fama de dono do carro.

Isso acontece com as propriedades materiais, mas também com as qualidades intelectuais, psicológicas e espirituais dos invejados.

Os invejosos querem ter a inteligência dos invejados, ou a sua bondade, ou a sua formação acadêmica, ou os seus dotes musicais, ou alguma outra característica sua. Como não conseguem, então, começam com certos comportamentos infantis que são as risadinhas, as fofocas, as calúnias, ou o colocar o invejado numa espécie de quarentena que nada mais é do que uma tentativa de neutralizar os tantos dons que a pessoa tem.

Admirar os dons dos outros não é pecado. Pelo contrário, é virtude. Querer ser, em alguns aspectos, parecido com determinadas pessoas também não é pecado; no máximo seria falta de criatividade. Podemos muito bem querer ser como o Cristo – justamente aí se encontra a criatividade do cristão – como alguns santos em determinados âmbitos da nossa vida, ou como as pessoas boas que conhecemos. O que seria de repudiar é a conduta daqueles que querem para si a virtude de outrem, aniquilando as qualidades dele. Ele não tem direito de ser assim tão bom. Eu tenho de ter as qualidades dele. Assim pensa o invejoso.

Ser invejoso é entristecer-se pela felicidade alheia.

A doutrina católica não é um conjunto de idéias inventadas por eclesiásticos, ou uma coleção de preceitos humanos, mas é a verdade de Cristo que deve ser vivida por todos.

Se a Igreja ensina que a inveja é um pecado capital é  porque foi o próprio Cristo quem a listou como impureza que sai do interior do homem e que dá origem a tantos outros pecados.

Dificilmente assumimos que somos invejosos. Raramente confessamos que somos invejosos. Mas muitas das nossas impaciências, muitas das nossas brigas, muitas mortes, muitas calúnias têm raiz na inveja.

Desde o começo da humanidade foi assim. O demônio, com inveja da felicidade do homem e da mulher no paraíso terrestre, fez com que já que ele não vivia esta felicidade, os dois também não a vivessem. Adão e Eva ficaram com inveja de Deus e quiseram ser iguais a Ele. Resultado: perderam a felicidade que tinham e não conseguiram ser iguais a Deus. Perderam o que tinham e não conseguiram o que queriam.

O pior de tudo isso não é o fato de existirem pessoas ruins, invejosas, que falam mal dos outros, que fazem o mal para os outros. O pior de tudo é que há pessoas que se colocam na boca do leão, ou seja, deixam-se comandar e pautam sua vida pelas ordens dos invejosos.

Os invejosos, na verdade, são pessoas inseguras que vestem a pele de autoritarismo para dominar pessoas mais frágeis que eles.

Um invejoso, de fato, nunca conseguirá nada com uma pessoa feliz, segura e equilibrada.

“É do interior dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez” (Mc 7,21-22). Como é importante, portanto, purificar o coração. Caso não cuidemos o nosso coração, ele poderia endurecer e Jesus nos diria, com razão, que nós pensamos diferente dele “devido à dureza do vosso coração” (Mc 10,5). A tradição cristã sempre gostou de resumir a atitude que devemos ter para com o Espírito Santo numa só palavra: docilidade! Um coração dócil sempre recebe com alegria a mensagem de Jesus e de sua Igreja, produzindo frutos abundantes.

Há pessoas que se dizem a favor do divórcio porque “já é normal, ninguém liga mais para isso”, outras dizem que são a favor das relações pré-matrimoniais porque “já é normal, todo mundo faz”; outras ainda são a favor do aborto porque “já é normal, estamos num mundo moderno”, outras se dizem a favor da legalização dos “casamentos” de pessoas do mesmo sexo porque “já é normal, os países modernos já não põem barreiras” etc. Estes são alguns exemplos ou da falta de conhecimento ou do endurecimento do coração.

Jesus continua a recordar-nos que “no começo não foi assim” (Mt 19,8), isto é, no plano originário de Deus não foi assim, não é assim e não pode ser assim!

Frequentemente, antes desse estado de endurecimento do coração encontra-se uma disposição que provém da falta de ideias claras e de critérios retos. Daí a importância da formação do coração. A Igreja Católica quer formar; ela não quer impor nada a ninguém, o que ela faz é propor a verdade… Aceita quem quer! Contudo, está em jogo a própria felicidade terrena e eterna. Você decide!

É necessário parar um pouco todos os dias e examinar-se para ver o que está no coração, em que ocupo meus pensamentos, afetos e desejos. “Onde está o teu tesouro aí está o teu coração”. Pedir que Deus conceda um coração limpo, puro, capaz de realizar ações santas, conforme a justiça e a caridade. Com a graça de Deus, todos os dias podemos limpá-lo um pouco. Que tenhamos um desejo firme de lutar para que não fiquemos manchados. Pois, não sou melhor quando os outros me elogiam, nem sou pior quando os outros me criticam. Sou o que sou diante de Deus.

É hipocrisia lavar escrupulosamente as mãos ou dar importância a qualquer outra exterioridade, se o coração estiver cheio de vícios.

Sozinhos nós não somos capazes de purificar nosso coração das intenções más e de nos abrirmos de modo justo à novidade do Espírito: devemos confiar-nos, para tanto, à força redentora de Cristo que se torna operante em nós, na Eucaristia… Graças à Eucaristia, podemos dizer com ainda maior razão aquilo que dizia Moisés: “Qual é a grande nação cujos deuses lhe são tão próximos, como o Senhor nosso Deus?” (Dt 4,7).

A nossa religião não está feita de exterioridades, como acreditavam fariseus os quais Cristo trata com tanta dureza no evangelho, até o ponto de querer agradar a Deus e ganhar a salvação. 

A quem dirige Jesus todas essas observações? Somente aos fariseus de seu tempo? Não! Diz-nos Jesus: “Escutai, TODOS, e compreendei…” (Mc 7,14).

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Leituras: Dt 4, 1-2, 6-8; Tg 1, 17-18. 21-27; Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23

Caros irmãos, a liturgia da Palavra deste domingo nos propõe uma reflexão sobre a Lei, cujo objetivo é indicar ao homem um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude.  A Palavra de Deus é um caminho sempre atual e nos conduz a um encontro com a verdade. Como, de fato, a escuta atenta e o compromisso firme com a Palavra de Deus devem ser para nós uma experiência a nos projetar para o amor e para o bem e, devem nos impulsionar para a ação, para a mudança de vida, para o abandono da vida antiga, a fim de abraçar uma vida nova, segundo as prescrições do Senhor.

É preciso transformar a Palavra que escutamos em gestos concretos, que nos levem à conversão.  O apóstolo Tiago, na sua carta, alerta para o perigo de uma religiosidade falsa. Ele escreve aos cristãos: “Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22).  O Evangelho, por sua vez, sequencia esta mesma temática, onde sobressai o tema da Lei de Deus, do seu mandamento: um elemento essencial da religião judaica e também da cristã, que encontra o seu pleno cumprimento no amor (cf. Rm 13,10). A Lei de Deus é a sua Palavra que orienta o homem pelo caminho da vida, que o leva a sair da escravidão do pecado e o introduz na “terra” da verdadeira vida.

Para entendermos melhor o Evangelho deste domingo devemos recordar inicialmente que os povos antigos em geral e os judeus em particular, sentiam um grande desconforto quando tinham de lidar com certas realidades desconhecidas e misteriosas, que não podiam controlar nem dominar. Criaram, então, um conjunto de regras e normas, com a finalidade de se protegerem diante de cadáveres,  sangue e lepra, por exemplo. No contexto judaico, quem infringia essas regras se colocava numa situação de marginalidade e indignidade, que o impedia de se aproximar do Templo, do culto e de se integrar à comunidade do Povo de Deus. Dizia-se então que a pessoa ficava “impura”. Para readquirir o estado de “pureza” e poder reintegrar a comunidade do Povo santo, o crente necessitava realizar um rito de “purificação”, cuidadosamente estipulado pela Lei.

Na época de Jesus, as regras da “pureza” tinham sido ampliadas pelos doutores da Lei e existia uma lista imensa de atividades que tornavam o homem “impuro” e o afastavam da comunidade do Povo santo de Deus. Daí a obsessão com os rituais de “purificação”, que deviam ser cumpridos a cada passo da vida diária.  Sobressaem assim os questionamentos sobre como se libertar da impureza que separa o homem de Deus. Por esta razão, nas diversas religiões, foram introduzidos ritos purificadores, como caminhos de purificação interior e exterior.

Já no Antigo Testamento encontramos inúmeras prescrições de purificação pela água, seja banhando o corpo, as vestes ou as mãos, para se libertar da impureza. As purificações se faziam fundamentalmente com água, sangue ou fogo. Este é um dos sentidos do incenso nas celebrações litúrgicas: simboliza pureza, virtude, doçura e oração que se eleva. As brasas aludem ao fogo do amor de Deus que nos queima o coração na dupla linha da purificação em vista de uma missão. Faz pensar no profeta Isaías ao qual um dos serafins com brasa ardente tocou os seus lábios dizendo: “…o teu pecado está perdoado” e em seguida a voz de Deus lhe confia a missão (cf. Is 6,6-9).

Lavar, aspergir com sangue ou queimar, eram gestos purificatórios. O Sl 50 já nos lembra: “Aspergi-me, Senhor, com o hissopo e serei purificado. Lavai-me e ficarei mais branco do que a neve”. Em muitas igrejas, à entrada, existe uma pia de água benta, e as pessoas se persignam com ela em sinal de purificação. Em certas celebrações, os fiéis são aspergidos com água benta, como rito penitencial, a recordar o batismo, que confere àquele que o recebe, a purificação de todos os pecados. E ao sacerdote, antes de iniciar o momento principal da ação litúrgica, cabe também um gesto de purificação. O celebrante pede claramente a graça da pureza, dizendo: “Lavai-me, Senhor, das minhas faltas e purificai-me do meu pecado”.  A origem desse rito está, provavelmente, no preceito que encontramos no Livro do Êxodo, que prescrevia aos sacerdotes lavarem os pés e as mãos, antes de se aproximarem do altar para o exercício do culto (cf. Ex 30,17-21).

Voltando ao Evangelho, observa-se que, por esta razão, na perspectiva dos doutores da Lei, a purificação das mãos antes das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa.  Os fariseus vindos de Jerusalém observavam como os discípulos de Jesus comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos e ficavam escandalizados.  Tudo indica que o fato serviu aos fariseus para sondar e para averiguar a ortodoxia de Jesus e o seu respeito pela tradição dos antigos.

Contudo, para Jesus, a obsessão dos fariseus para com os ritos externos de purificação é sintoma de uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a religião; por isso, ele responde aos fariseus com certa dureza. E tendo como base a própria Palavra de Deus, denuncia essa vivência religiosa sintetizada apenas na repetição de práticas externas e formalistas. Por isso, ele diz: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (v. 6).

Em seguida, Jesus aproveita a ocasião para catequizar os seus discípulos, dizendo: “O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (v. 15). Este princípio geral, à primeira vista, passível de várias interpretações, será explicado mais à frente: “Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (v. 22-23). Jesus se refere, naturalmente, a dois “circuitos” diversos: o do estômago, onde entram os alimentos que se ingerem; e o do coração, de onde saem os pensamentos, os sentimentos e as ações.

Na antropologia judaica, o “coração” é o “interior do homem” em sentido amplo; ele é a sede dos sentimentos, dos desejos, dos pensamentos, dos projetos e das decisões do homem. É nesse “centro vital” de onde tudo parte que é preciso atuar.   É no interior do homem que se definem as suas opções, os seus valores e as suas ações.  Cabe a ele buscar na Palavra de Deus o caminho que o leva à purificação interna. Por isso mesmo o Salmo 118 nos diz: “A palavra de Deus é uma lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho”.

Jesus não muda a Lei, ele não muda os mandamentos.  A observância dos mandamentos continua sendo a condição para entrar na terra prometida: “Se queres entrar na vida eterna, observa os mandamentos” (Mt 19,17).  Fazer a vontade do Pai, colocar em prática os seus mandamentos, é um dos temas constantes do Evangelho.  Mas a novidade está que Jesus desloca todo o sentido da lei do exterior para o interior, da boca para o coração, de “fora” do homem para “dentro” do homem. E Jesus, no sermão das bem-aventuranças, dirá: “Os puros de coração verão a Deus” (Mt 5,8), ou seja, os que têm um interior puro.

A Lei, como palavra de amor, é uma renovação a partir de dentro, mediante a amizade com Deus. Algo semelhante se manifesta quando Jesus, no sermão sobre a videira, diz aos discípulos: “Vós já estais puros, devido à palavra que vos tenho dirigido” (Jo 15,3). Na medida em que nos deixamos tocar por Ele e pela sua palavra, também somos purificados. 

Que o Senhor venha em nosso auxílio e converta o nosso interior, o nosso coração, assim como aconteceu com muitos santos, para que a nossa vida pessoal, familiar e profissional, seja pautada pelo Evangelho.  Que possamos tender sempre para a plenitude da Verdade e do Amor, que é Cristo, o único que pode saciar os profundos desejos do coração humano; e que possamos difundir no mundo a sua luz, a sua pureza e a sua bondade.  Assim seja.

PARA REFLETIR

A palavra de Deus deste XXII Domingo chama atenção para o modo como o cristão deve viver sua prática religiosa: com sinceridade diante de Deus, humildade e amor para com os outros e não de forma legalista, fria e auto-suficiente. Com efeito, Jesus critica duramente os escribas e fariseus, que vieram de Jerusalém para observá-lo e questioná-lo. Qual é o problema deles? Certamente eram homens piedosos e queriam seguir a Lei de Deus. O problema era o espírito com o qual faziam: extremamente legalista. Vejamos:

1) A lei de Deus (para os judeus, expressa na Torah) é santa: “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir… Nada acrescentareis, nada tirareis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus…” (1a. leitura). Ora, o zelo dos fariseus e dos escribas eram tais e com uma mentalidade de tanto apego à letra pela letra, que se tornaram extremamente legalistas. Eles diziam: “Façamos uma cerca em torno da Lei”, ou seja, criaram pouco a pouco um número enorme de preceitos para evitar qualquer desobediência, ao menos remota, à lei. Preceitos humanos que foram obscurecendo a pureza da lei de Deus e sua característica de ser sinal de amor. Por exemplo: (a) A Lei dizia que o castigo não poderia ultrapassar as quarenta varadas. Os fariseus permitam somente trinta e nove, para evitar qualquer perigo de ultrapassar a conta da lei. (b) A lei proibia o trabalho no sábado. Os escribas e fariseus insistiam que até carregar o instrumento de trabalho no sábado era já um pecado: o alfaiate não poderia carregar sua agulha no sábado. (c) A lei prescrevia abluções (banhos rituais para o culto) só para os sacerdotes. Os fariseus queriam impô-las a todo o povo. A intenção era boa…. mas o resultado, não: tornava a religião algo pesado, legalista e apegado a tantos detalhes que fazia esquecer o essencial: o amor a Deus e ao irmão! Os preceitos humanos obscureciam a intenção divina!

2) A Lei não fora dada para ser um fardo que tira a liberdade e entristece a vida, mas como sinal do amor de Deus, que orienta e indica o caminho com ternura: “Vós os guardareis… porque neles está a vossa sabedoria e inteligência… Ouve as leis que vos ensino a cumprir para que vivais e entreis na posse da terra prometido pelo Senhor Deus” (1a. leitura). A lei e toda prática religiosa devem ser caminho de vida, e não um fardo insuportável e asfixiante, tornando a religião algo tristonho e pesado, como se fosse obra de um Deus ciumento e invejoso da nossa felicidade! Jesus critica os fariseus e os escribas por isso: tornaram a religião um fardo pesado e triste, ao invés de ser primeiramente um relacionamento com Deus, íntimo, feliz e amoroso!

3) Jesus censura também os escribas e fariseus pela incapacidade de distinguir entre o essencial e o secundário; em discernir o que vem Deus e o que é meramente prática e tradição humanas, talvez boas e louváveis, mas não essenciais. Em matéria de religião, nem tudo tem igual valor, nem tudo tem a mesma importância. A medida de tudo é o amor: o amor é a plenitude da lei (Rm 13,10); só o amor dá sentido a todas as coisas!

3) Outro motivo de crítica é que uma religião assim, apegada a preceitos exteriores, torna-se desatenta do coração, sem olhar a intenção com que se faz e se vive. Cai-se na hipocrisia (a palavra hipócrita vem de hypokrités = ator teatral): uma religião meramente exterior, sem aquelas atitudes interiores, que são as que importam realmente: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam!” (evangelho). É sério: a atitude exterior (lábios) não combina com o interior (coração)! As práticas externas valem quando são sinal de um compromisso interior de amor e conversão em relação a Deus. É importante observar que Jesus não condena as práticas exteriores, mas a sua supervalorização e a sua atuação sem sinceridade: “Importava praticar estas coisas, mas sem omitir aquelas” (Mt 23,23).

4) Há também o perigo da auto-suficiência: a pessoa sente-se segura de si mesma por causa de suas práticas: “Ah, eu vou à missa todo domingo, rezo o terço e dou esmola! Estou em dia com Deus!” O homem nunca está em dia com Deus. Pensar assim, é deixar de perceber que tudo é graça e que jamais mereceremos o amor que Deus nos tem gratuitamente. Sem contar que tal atitude nos leva, muitas vezes, a nos julgar melhores que os outros, desprezando os que julgamos mais fracos ou imperfeitos! Era exatamente o que ocorria com os fariseus: “Este povo que não conhece a lei são uns malditos!” (Jo 7,49); “Tu nasceste todo no pecado e nos ensinas?” (Jo 9,34); “Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano!” (Lc 18,11). É interessante comparar estas atitudes com as que São Paulo recomenda aos cristãos em Rm 12,3-13.

5) Jesus convida a ir ao essencial: vigiar as intenções e atitudes do nosso coração, pois “o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (evangelho). Com um coração puro, poderemos reconhecer que tudo de bom que temos é dom de Deus (“Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto; descem do Pai das luzes!” – 2a. leitura) e que, diante dele, somos sempre pobres e pecadores, necessitados de sua misericórdia. Isto nos abre de verdade para o amor aos outros e para a compaixão: somos todos pobres diante de Deus: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”.

6) Concluindo:

Como vai nossa prática religiosa, pessoal e comunitariamente? Buscamos um relacionamento amoroso, íntimo e pessoal com o Senhor ou nos contentamos com uma prática meramente exterior? Julgamo-nos melhores que os outros diante de Deus? Às vezes dizemos: “Eu não merecia este mal…” – julgando-nos credores de Deus! Dizemos também: “Há tanta gente pior que eu; por que aconteceu comigo?” – julgando-nos melhores que os outros!

O que é mais importante na nossa vida de fé? E na nossa vida em comunidade? O salmo de meditação da missa de hoje dá ótimas pistas para uma exame de consciência.

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