O texto que reproduzimos a seguir parece uma “provocação”, à primeira vista, entre as tantas que se fazem no mundo sem fé em que vivemos. No entanto, ele se revela uma sensível e iluminadora reflexão sobre o sentido de “fracasso” e “sucesso” na missão, conforme seja visto aos olhos do mundo ou aos olhos de Deus. O que parece “traição” do ponto de vista meramente humano pode ser o maior triunfo aos olhos de Deus, que enxerga a essência. O texto é do pe. Gonçalo Portocarrero, de Portugal, e está aqui adaptado ao português brasileiro.
É escandaloso, mas é verdade: decorridos cem anos das aparições de Fátima, é possível afirmar que a principal vidente, não obstante a sua tão longa existência, não cumpriu, com eficiência, a sua missão aqui na Terra. É estranho que os jornalistas, tão argutos e corajosos na descoberta e publicitação dos “podres” da Igreja, nunca tenham denunciado este caso.
Como misterioso é o silêncio que salvaguarda a memória da última vidente de Fátima, quando é por demais óbvio que defraudou as expectativas que sobre ela recaíram, nomeadamente como confidente da “Senhora mais brilhante do que o sol”.
A matéria de fato é conhecida. Na segunda aparição da Cova da Iria, Lúcia expressou um desejo comum aos três pastorinhos: “Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu“. A esta súplica, a resposta de Maria não se fez esperar:
“Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.
Com efeito, em 4 de abril de 1919, menos de dois anos depois das aparições marianas, o beato Francisco Marto “morreu a sorrir-se”, como seu pai confidenciou. Sua irmã, a Beata Jacinta, faleceria menos de um ano depois, em 20 de fevereiro de 1920, em Lisboa, depois de um longo martírio vivido com exemplar espírito de penitência.
Não assim a prima Lúcia, a mais velha dos três e que, efetivamente, como Nossa Senhora tinha dito, ficou aqui “mais algum tempo”. Como Maria vive na eternidade de Deus, os 97 anos que tinha a Irmã Lúcia quando faleceu são só “algum tempo”. Mas, se não acompanhou os seus primos no seu tão apressado trânsito para o Céu, foi – recorde-se – para dar a conhecer e amar a Mãe de Deus e para estabelecer, em âmbito mundial, a devoção ao Imaculado Coração de Maria.
No entanto, como Lúcia cumpriu este encargo que lhe foi expressamente pedido? O que ela fez para espalhar mundialmente a devoção mariana?
Pois bem: fecha-se, sob rigoroso anonimato, numa instituição religiosa em que nem sequer às outras religiosas ou às educandas pode confidenciar a revelação de que fora alvo. Pior ainda: alguns anos depois, não satisfeita com aquele regime de voluntária reclusão, pede e alcança a graça de transferir-se para um convento de mais estrita clausura, onde se encerra para sempre, proibida, pela respectiva regra, de ter contato com o mundo exterior, salvo em muito contadas ocasiões.