A tese que afirma a ressurreição logo após a morte, baseia-se, entre outras, sobre a alegação de que, com a morte, acaba o tempo e começa a eternidade para o indivíduo. Por isto não há que esperar o dia do juízo (supostamente no fim dos tempos), mas este já está presente ao indivíduo falecido, ocasionando-lhe a ressurreição final.
Ora, tal argumento vem a ser autêntico sofisma. Na verdade, entre tempo e eternidade existe um meio-termo, que é o evo ou a eviternidade. Com efeito, o tempo implica mutabilidade substancial e mutabilidade acidental; a eternidade implica imutabilidade substancial e imutabilidade acidental. — Pois bem; o evo significa i-mutabilidade substancial e mutabilidade acidental.
Estes vocábulos filosóficos e técnicos são explicados no corpo do artigo, de modo a evidenciar que, após a morte, o indivíduo não goza da eternidade (esta é própria e exclusiva de Deus), mas goza da imortalidade e do evo. A eternidade compete ao Único Ser que não tem princípio nem fim: Deus. É impensável para o homem, caracterizado por uma sucessão de atos de conhecimento e amor (o que vem a ser precisamente o evo).
Este artigo já foi publicado em PR 275/1984, pp. 274-281. Tornamos a publicá-lo a fim de complementar as reflexões sobre a ressurreição contidas em PR 390/1994.
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É sempre difícil ao pensador refletir sobre o Além, embora a própria razão possa por si chegar à convicção de que a morte não é um fim, mas uma transição. Se não houvesse outra vida, onde as aspirações fundamentais do homem à Verdade, ao Amor, à Justiça, à Felicidade... fossem preenchidas, a criatura humana seria a mais miserável dentre todas.
Essa dificuldade de refletir já era expressa pelo Apóstolo quando dizia:
"O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não percebeu, eis o que Deus preparou para aqueles que O amam" (1Cor 2,9).
Todavia é lícito ao pensador tentar penetrar na realidade da vida póstuma — o que, aliás, tem sido feito constantemente no decorrer da história. Entre as teses que recentemente vêm sendo propostas a respeito, está a de que o ser humano, logo após a morte, entra na eternidade; por conseguinte, vê-se na consumação dos tempos ou diante da parusia (segunda vinda) do Senhor Jesus; dado que, após a morte, não estará sujeito ao tempo (com a sucessão de dias e noites e com o ritmo de passado e futuro), a criatura humana não teria que "esperar" a consumação da história, mas já a presenciaria!
Esta afirmação merecerá a nossa atenção no presente artigo. Antes de considerá-la mais detidamente, observamos que supomos a validade de uma premissa que tanto a filosofia quanto a fé recomendam como verídica, apesar de contestada em nossos dias:
A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência, depois da morte, de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que o eu humano subsista, embora entrementes careça do complemento do seu corpo. Para designar este elemento, a Igreja emprega a palavra alma, consagrada pelo uso que dela fazem a Sagrada Escritura e a Tradição. Sem ignorar que este termo é tomado na Bíblia em diversos significados, Ela julga, não obstante, que não existe qualquer razão séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensável um instrumento verbal para sustentar a fé dos cristãos" (Carta da Congregação para a Doutrina da Fé sobre algumas questões referentes à Escatologia, 17/05/1979).
A morte, portanto, vem a ser a separação da alma espiritual, imortal e do corpo deteriorado em suas funções fundamentais e, por isto, incapacitado de continuar a ser sede da vida humana (vegetativa, sensitiva, intelectiva).
A alma, ao separar-se do corpo, deixaria o tempo para entrar na eternidade?
Os que respondem afirmativamente, supõem não haver meio-termo entre tempo e eternidade. Ora é precisamente este pressuposto que gera a falsa tese. A razão humana é capaz de conceber um estado intermediário que, na linguagem da Filosofia Escolástica, foi chamado aevum ou aeviternitas, donde evo e eviternidade. Examinemos atentamente tal noção.