«Que significa a genuflexão? Não exprime um ato
de ADORAÇÃO, que os católicos prestam aos anjos e santos, contrariamente
às indicações da Sagrada Escritura? Nesta se lê que os anjos e São Pedro
recusaram a genuflexão que outras criaturas lhes quiseram prestar (cf. At
10,25s; Apc 19,10; 22,8s)». – Câmara, Belo Horizonte.
Em nossa resposta, analisaremos, antes do mais, o
significado que a genuflexão tem por si mesma. A seguir, veremos o papel que
ela desempenha no culto dos cristãos.
1. A genuflexão como símbolo natural
1.1. Todo homem que perceba estar em presença de um
ser maior (mais digno, mais possante...), tende não somente a conceber
sentimentos interiores de respeito, mas é outrossim levado espontaneamente a
exprimir esses sentimentos mediante uma atitude de corpo correspondente: a
percepção de sua pequenez impeli-lo-á naturalmente a procurar diminuir a
estatura do seu próprio corpo.
Tenha-se em vista o que está dito em «P.R.» 15/1959, qu. 3; 28/1960, qu. 8.: o corpo é
naturalmente destinado a exprimir os sentimentos internos da alma.
Ora o «cair de joelhos» é, sem dúvida, uma maneira
muito sensível de diminuir a própria estatura. Sendo assim, o «ajoelhar-se» vem
a ser sinal, e sinal do respeito, da submissão e da indigência de alguém que
tem a intuição de ser muito pequeno em relação a outrem.
R. Guardini expõe com sabedoria o significado da
genuflexão, lembrando o seguinte : a estatura erguida é o sinal distintivo do
homem entre os demais seres vivos deste mundo; ela simboliza, pois, o poder
dominador, a capacidade de lutar e rivalizar, que fazem do ser humano um chefe.
Ora ajoelhar-se equivale a renunciar à estatura erguida; significa, portanto, a
renúncia do homem a si mesmo, à sua autossuficiência, ao poder de chefia, para
se entregar a outrem, a outrem que realmente o mereça por ser mais digno ou
mais sábio Cf. Welt und Person. Wuerzburg 1940, 31.42; Besinnung vor der Feier
der hl. Messe. Mainz 48; Brieíe ueber Selbstbildung. Mainz 1930, 160.
Thurnwald, estudioso de história e pré-história,
assevera: «O costume de dobrar os joelhos se deriva indubitavelmente do fato de
que quem o pratica intenciona pelo seu próprio corpo mostrar que é menos digno
do que aquele a quem ele saúda» (Reallexikon der Vorgeschichte. Berlin IV 574).
Alguns historiadores julgam que a genuflexão era
originariamente a atitude que o guerreiro vencido tomava diante do vencedor
(cf. «Die Religion in Geschichte
und Gegenwart», por Gunkel-Zscharnock I 54).
No decurso dos tempos, como atestam os documentos
da cultura e da história das religiões, a genuflexão se tornou usual em várias
ocasiões da vida humana : praticada em presença da Divindade (o que é naturalmente
o caso mais frequente) significava (e significa) ADORAÇÃO, reconhecimento
da Suma Majestade e do Soberano Poder de Deus; praticado frente a autoridades
humanas, exprimia (e exprime) reverência, homenagem respeitosa e pedido de
auxilio. O simbolismo exato da genuflexão, portanto, depende da intenção de
quem a realiza; somente tal pessoa está habilitada a dizer o que ela concebe em
seu intimo e o que ela quer exprimir (ADORAÇÃO devida a Deus só, ou
reverência devida a alguma criatura) quando dobra o joelho.
1.2. Não é necessário citar aqui textos que atestam
o uso de genuflexão nos cultos pagãos; trata-se de praxe muito conhecida (basta
lembrar apenas o «dobrar de joelhos diante de Baal» de que fala a S. Escritura
em 3 Rs 19,18).
Mais importante é comprovar, na base de documentos
históricos, que nem sempre a genuflexão foi (e é) praticada com a intenção de
adorar a Deus; ela pode ser mero sinal de cortesia entre homens. É realmente o
que testemunham certas tribos de negros da África Central, os quais saúdam o
seu chefe mediante uma genuflexão; no reino de Siam (Tailândia), os membros da
família real são cumprimentados da mesma forma, na China, tal tratamento é
estendido às altas personalidades; na Rússia, os cidadãos se ajoelhavam diante
do Czar para receber dele a bênção; entre os mongóis, o mesmo gesto é praticado
frente aos nobres, de modo tal que as regiras de polidez mongólica ensinam o
seguinte: quando um simples cidadão montado a cavalo se encontra com um nobre,
deve descer da montadura, e dobrar o joelho até que o mais digno tenha passado
(testemunhos colhidos na obra de Th. Ohm, Die Gebetsgebãrden der Võlker und das
Christentum. Leiden 1948, 345).
Na China é costume antiquíssimo, ajoelharem-se os
familiares diante dos cadáveres de seus familiares.
Por ocasião da controvérsia a respeito dos «ritos
chineses» (séc. XVII/XVIII), não poucos missionários católicos tinham tal
costume na conta de pagão. Outros julgavam-no independente de crença religiosa;
seria mera expressão de reverência aos antepassados e de dedicação familiar;
assim, por exemplo, pensava o Legado Pontifício na China, Card. Carlos Amhrósio
Mezzabarba (tl741). Em 1742, o Papa Bento XIV condenou a praxe por motivos
disciplinares e transitórios. Em 1924 um sínodo católico reunido em Shangai
houve por bem autorizá-la de novo aos católicos chineses, considerando-a qual
mera expressão de cortesia.
Este caso é particularmente interessante, porque
bem ilustra como o simbolismo da genuflexão é ambíguo; há de ser interpretado
estritamente segundo as intenções de quem o pratica.
Analisemos agora qual o significado preciso que a
genuflexão tem no culto cristão.