ENCONTRO COM OS MEMBROS DA CÚRIA ROMANA
PARA A APRESENTAÇÃO DOS VOTOS NATALÍCIOS
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
Sala Clementina
Quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
Amados irmãos e irmãs!
O Natal é a festa da fé no Filho de Deus que Se fez homem, para devolver ao homem a dignidade filial que perdera por causa do pecado e da desobediência. O Natal é a festa da fé nos corações que se transformam em manjedoura para O receber, nas almas que permitem a Deus fazer brotar do tronco de sua pobreza o rebento de esperança, caridade e fé.
O dia de hoje proporciona-nos uma nova ocasião para trocarmos os votos natalícios e desejar a todos vós, aos vossos colaboradores, aos Representantes pontifícios, a todas as pessoas que prestam serviço na Cúria e a todos os vossos entes queridos um santo e jubiloso Natal e um feliz Ano Novo. Que este Natal nos abra os olhos para abandonarmos o supérfluo, o falso, o malévolo e o fictício, e vermos o essencial, o verdadeiro, o bom e o autêntico. Sinceros votos de todo o bem.
Amados irmãos!
Tendo falado anteriormente sobre a Cúria Romana ad intra, desejo este ano partilhar convosco algumas reflexões sobre a realidade da Curia ad extra, nomeadamente a relação da Cúria com as nações, com as Igrejas particulares, com as Igrejas Orientais, com o diálogo ecuménico, com o Judaísmo, com o Islamismo e as outras religiões, isto é, com o mundo externo.
As minhas reflexões baseiam-se certamente nos princípios basilares e canónicos da Cúria, na própria história da Cúria, mas também na visão pessoal que procurei partilhar convosco nos discursos dos últimos anos, no contexto da atual reforma em curso.
E, a propósito da reforma, vem-me à mente a frase simpática e significativa de Mons. Frédéric-François-Xavier de Mérode: «Fazer as reformas em Roma é como limpar a Esfinge do Egito com uma escova de dentes».[1] Nela se ressalta a grande paciência, dedicação e delicadeza que são necessárias para se alcançar tal objetivo, dado que a Cúria é uma instituição antiga, complexa, venerável, composta por pessoas de diferente cultura, língua e mentalidade, e que estruturalmente, desde sempre, está ligada à função primacial do Bispo de Roma na Igreja, ou seja, ao «sacro» ministério querido pelo próprio Cristo Senhor para bem de todo o corpo da Igreja (ad bonum totius corporis).[2]
Assim, a universalidade do serviço da Cúria deriva e brota da catolicidade do Ministério Petrino. Uma Cúria fechada em si mesma trairia o objetivo da sua existência e cairia na autorreferencialidade, condenando-se à autodestruição. Por sua natureza, a Cúria está projetada ad extra, enquanto ligada ao Ministério Petrino, ao serviço da Palavra e do anúncio da Boa Nova: o Deus Emanuel, que nasce entre os homens, que Se faz homem para mostrar a cada homem a sua íntima proximidade, o seu amor sem limites e o seu desejo de que todos os homens sejam salvos e cheguem a gozar da beatitude celeste (cf. 1 Tim 2, 4); o Deus que faz despontar o seu sol sobre bons e maus (cf. Mt 5, 45); o Deus que não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20, 28); o Deus que constituiu a Igreja para estar no mundo sem ser do mundo, e para ser instrumento de salvação e de serviço.
Pensando precisamente nesta finalidade ministerial, petrina e curial, ou seja, de serviço, na saudação que recentemente dirigi aos Padres e Chefes das Igrejas Orientais Católicas,[3] empreguei a expressão «primado diaconal», associando-a imediatamente com a imagem cara a São Gregório Magno de Servus servorum Dei. Na sua dimensão cristológica, esta definição expressa, antes de mais nada, a firme vontade de imitar a Cristo, que assumiu a forma de servo (cf. Flp 2, 7). Bento XVI, quando falou sobre esta frase, disse que, nos lábios de Gregório, não era «uma fórmula piedosa, mas a verdadeira manifestação do seu modo de viver e agir. Sensibilizava-o intimamente a humildade de Deus, que em Cristo Se fez nosso servo, nos lavou e lava os pés sujos».[4]
Idêntica atitude diaconal deve caraterizar também aqueles que, a vário título, trabalham na área da Cúria Romana, a qual – como lembra o próprio Código de Direito Canónico – «desempenha o seu múnus em nome e por autoridade [do Sumo Pontífice] para o bem e serviço das Igrejas» (cân. 360; cf. CCEO cân. 46).
Primado diaconal «em referência ao Papa»[5] e, em consequência, é igualmente diaconal o trabalho que se realiza dentro da Cúria Romana (ad intra) e fora (ad extra). Este tema da diaconia ministerial e curial faz-me remontar a um antigo texto, presente na Didascalia Apostolorum, onde se recomenda que o «diácono seja o ouvido e a boca do Bispo, o seu coração e a sua alma»,[6] pois desta concórdia depende a comunhão, a harmonia e a paz na Igreja, já que o diácono é o guardião do serviço na Igreja.[7] Creio que não é casual o facto de o ouvido ser o órgão da audição mas também do equilíbrio; e a boca, o órgão para provar mas também para falar.
Outro texto antigo acrescenta que os diáconos são chamados a ser como que os olhos do Bispo.[8] Os olhos veem para transmitir as imagens à mente, ajudando-a a tomar as decisões e a encaminhar para o bem todo o corpo.
A relação que se pode deduzir destas imagens é a de comunhão e obediência filial para servir o povo santo de Deus. Não há dúvida que a mesma relação deve existir também entre todos aqueles que trabalham na Cúria Romana, desde os Chefes de Dicastério e Superiores até aos oficiais e restante pessoal. A comunhão com Pedro fortalece e revigora a comunhão entre todos os membros.
Deste ponto de vista, a evocação dos sentidos do organismo humano ajuda a perceber o significado da extroversão, da atenção ao que existe fora. Com efeito, no organismo humano, os sentidos são a nossa primeira ligação com o mundo ad extra, são como que uma ponte para ele; são a nossa possibilidade de nos relacionarmos. Os sentidos ajudam-nos a apreender o real e, de igual modo, a situar-nos no real. Não é por acaso que São Inácio de Loyola faz recurso aos sentidos na contemplação dos Mistérios de Cristo e da verdade.[9]
Isto é muito importante para superar aquela lógica desequilibrada e degenerada de conluios ou de pequenos clubes que realmente representam – não obstante todas as suas justificações e boas intenções – um câncer que leva à autorreferencialidade, que se infiltra também nos organismos eclesiásticos como tais e, de modo particular, nas pessoas que lá trabalham. Mas, quando isto acontece, perde-se a alegria do Evangelho, a alegria de comunicar Cristo e de estar em comunhão com Ele; perde-se a generosidade da nossa consagração (cf. At 20, 35; 2 Cor 9, 7).
Permiti-me aqui uma palavra sobre outro perigo: o dos traidores da confiança ou os que se aproveitam da maternidade da Igreja, isto é, as pessoas que são cuidadosamente selecionadas para dar maior vigor ao corpo e à reforma, mas – não compreendendo a alçada da sua responsabilidade – deixam-se corromper pela ambição ou a vanglória e, quando delicadamente são afastadas, autodeclaram-se falsamente mártires do sistema, do «Papa desinformado», da «velha guarda»... em vez de recitar o «mea culpa». A par destas pessoas, há ainda outras que continuam a trabalhar na Cúria e às quais se concede todo o tempo para retomar o caminho certo, com a esperança de que encontrem na paciência da Igreja uma oportunidade para se converter e não para se aproveitar. Isto naturalmente sem esquecer a esmagadora maioria de pessoas fiéis que nela trabalham com louvável empenho, fidelidade, competência, dedicação e também com grande santidade.
Assim é oportuno, voltando à imagem do corpo, destacar a necessidade de que estes «sentidos institucionais» – a que poderemos, de alguma forma, comparar os Dicastérios da Cúria romana – devem agir de maneira conforme à sua natureza e finalidade: em nome e com a autoridade do Sumo Pontífice e sempre para o bem e ao serviço das Igrejas.[10] Os Dicastérios estão chamados a ser na Igreja como que antenas sensíveis fiéis: emissoras e recetoras.
Antenas «emissoras» enquanto habilitadas a transmitir fielmente a vontade do Papa e dos Superiores. A palavra «fidelidade»,[11] para aqueles que trabalham na Santa Sé, «assume um caráter particular, já que colocam ao serviço do Sucessor de Pedro boa parte das suas energias, do seu tempo e do seu ministério diário. É uma responsabilidade séria, mas também um dom especial, que, com o passar do tempo, vai desenvolvendo um vínculo afetivo com o Papa, feito de íntima confidência, um natural idem sentire, bem expresso precisamente pela palavra “fidelidade”».[12]
A imagem da antena alude igualmente ao outro movimento, inverso, de «recetor». Trata-se de apreender as solicitações, as perguntas, os pedidos, os gritos, as alegrias e as lágrimas das Igrejas e do mundo, para os transmitir ao Bispo de Roma a fim de lhe permitir desempenhar mais eficazmente a sua tarefa e missão de «princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e comunhão».[13] Com tal recebimento, que é mais importante do que o aspeto preceituoso, os Dicastérios da Cúria romana entram generosamente naquele processo de escuta e sinodalidade de que já tenho falado.[14]