VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)
ENCONTRO COM SACERDOTES E CONSAGRADOS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Trujillo - Colégio Seminário dos SS. Carlos e Marcelo
Sábado, 20 de janeiro de 2018
Queridos irmãos e irmãs,
Boa tarde!
[grande aplauso] Visto os aplausos aparecerem habitualmente no fim, isto significa que já acabou, podendo ir-me embora… [gritam: Não!] Agradeço as palavras que D. José Antonio Eguren Anselmi, Arcebispo de Piura, me dirigiu em nome de todos os presentes.
Encontrar-me convosco, conhecer-vos, escutar-vos e manifestar o amor ao Senhor e à missão que nos deu, é importante. Sei que fizestes um grande esforço para estar aqui. Obrigado!
Acolhe-nos este Colégio-Seminário, um dos primeiros a ser fundados na América Latina para a formação de tantas gerações de evangelizadores. Estar aqui convosco é sentir que nos encontramos num desses «berços» que geraram tantos missionários. E não esqueço que esta terra viu morrer, quando andava em missão (não sentado atrás duma escrivaninha), São Toríbio de Mogrovejo, Patrono do Episcopado Latino-Americano. E tudo isto nos leva a olhar para as nossas raízes, para o que nos sustenta no curso do tempo, nos sustenta no curso da história para crescer rumo ao Alto e dar fruto. As raízes. Sem raízes, não há flores, não há frutos. Dizia um poeta que, tudo aquilo que a árvore tem de florido, provém da parte dela que está debaixo da terra, das raízes. As nossas vocações sempre terão esta dupla dimensão: raízes na terra e coração no céu. Não esqueçais isto. Quando falta uma das duas, algo começa a correr mal e a nossa vida pouco a pouco definha (cf. Lc 13, 6-9), como definha uma árvore que não tem raízes. E digo-vos que custa muito ver um bispo, um sacerdote, uma freira «definhados». E sinto ainda mais pena, quando vejo seminaristas «definhados». Trata-se duma coisa muito séria. A Igreja é boa, a Igreja é mãe e, se virdes que não estais a conseguir, por favor falai enquanto é tempo, antes que seja tarde demais, antes de vos aperceber que já não tendes raízes e estais definhando; é que, assim, ainda há tempo para vos pordes a salvo, pois Jesus veio para isto: para salvar. E, se nos chamou, foi para salvar...
Apraz-me salientar que a nossa fé, a nossa vocação é rica de memória, a dimensão deuteronómica da vida. Rica de memória, porque sabe reconhecer que nem a vida, nem a fé, nem a Igreja começaram com o nascimento de qualquer um de nós: a memória olha para o passado a fim de encontrar a seiva que, ao longo dos séculos, irrigou o coração dos discípulos e, assim, reconhece a passagem de Deus pela vida do seu povo. Memória da promessa que Ele fez aos nossos pais e que, perdurando viva no meio de nós, é causa da nossa alegria e nos faz cantar: «O Senhor fez por nós grandes coisas; por isso exultamos de alegria» (Sal 126/125, 3).
Gostaria de partilhar convosco algumas virtudes ou, se preferirdes, algumas dimensões deste ser ricos de memória. Quando afirmo apreciar um bispo… um sacerdote… um seminarista que seja rico de memória, que quero dizer com isto? Eis o que agora quero partilhar convosco.
1. Uma dimensão é a consciência feliz de si. É preciso não ser inconsciente a respeito de si mesmo; mas dar-se conta do que sucede, ter uma consciência feliz de si.
O Evangelho, que ouvimos (cf. Jo 1, 35-42), habitualmente lemo-lo em chave vocacional, pelo que nos detemos no encontro dos discípulos com Jesus. Preferiria, porém, fixar-me em João Batista. Estava com dois dos seus discípulos e, quando viu Jesus passar, disse-lhes: «Eis o Cordeiro de Deus» (Jo 1, 36). Ao ouvirem isto, que aconteceu? Deixaram João Batista e foram com o outro (cf. 1, 37). Isto é surpreendente! Estiveram com João, sabiam que era um homem bom; antes, o maior dentre os nascidos de mulher, como Jesus o define (cf. Mt 11, 11), mas não era aquele que devia vir. Também João esperava outro maior do que ele. João sabia claramente que não era o Messias, mas simplesmente aquele que O anunciava. João era o homem rico de memória da promessa e da sua própria história. Era famoso, gozava de grande reputação, todos vinham ser batizados por ele, ouviam-no com respeito. As pessoas até pensavam que fosse o Messias, mas ele era rico de memória da história própria e não se deixou enganar pelo incenso da vaidade.
João manifesta a consciência do discípulo que sabe que não é, nem nunca será o Messias, mas apenas um chamado a indicar a passagem do Senhor pela vida do seu povo. Impressiona-me como Deus permite que isso seja levado às extremas consequências: morre simplesmente decapitado numa cela. Nós, consagrados, não estamos chamados a suplantar o Senhor, nem com as nossas obras, nem com as nossas missões, nem com as intermináveis atividades que temos de fazer. Quando digo «consagrados» englobo a todos: bispos, sacerdotes, consagrados e consagradas e seminaristas. Simplesmente nos é pedido para trabalhar com o Senhor, lado a lado, mas sem nunca esquecer que não ocupamos o seu lugar. E isto não nos faz esmorecer na tarefa evangelizadora; antes, pelo contrário, impele-nos, exige-nos que trabalhemos, lembrando que somos discípulos do único Mestre. O discípulo sabe que secunda, e sempre secundará, o Mestre. E esta é a fonte da nossa alegria, a consciência feliz de si.
Faz-nos bem saber que não somos o Messias! Liberta de nos crermos muito importantes, muito ocupados (é típico ouvir em algumas regiões: «Não, a essa paróquia não vás, porque o padre está sempre muito ocupado»). João Batista sabia que a sua missão era indicar a estrada, iniciar processos, abrir espaços, anunciar que o portador do Espírito de Deus era Outro. Ser ricos de memória liberta-nos da tentação dos messianismos, de me crer o Messias.
Esta tentação combate-se de muitas maneiras, incluindo com o riso. De um religioso, que eu muito prezava (um jesuíta, um jesuíta holandês, que morreu no ano passado), dizia-se que tinha um sentido de humorismo tal que era capaz de rir de tudo o que acontecia, de si mesmo e até da sombra própria. Consciência feliz. Aprender a rir-se de si mesmo dá-nos a capacidade espiritual de estar diante do Senhor com os nossos próprios limites, erros e pecados, mas também com os próprios sucessos, e com a alegria de saber que Ele está ao nosso lado. Um bom teste espiritual é interrogarmo-nos sobre a capacidade que temos de rir de nós mesmos. Dos outros, é fácil rir – não é verdade? – «esfolá-los vivos»; mas rir de nós mesmos não é fácil. O riso salva-nos do neopelagianismo «autorreferencial e prometeico de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros».[1]Ri. Ride em comunidade, mas não da comunidade nem dos outros! Tenhamos cuidado com as pessoas tão «importantes», que se esqueceram como se faz na vida para sorrir. «Sim, padre, mas não tem um remédio, algo para...?». Olha! Tenho duas «pastilhas» que ajudam muitíssimo. Uma: fala com Jesus, com Nossa Senhora na oração e pede a graça da alegria, da alegria na situação real. A segunda pastilha: podes tomá-la várias vezes por dia, se precisares, mas uma vez é suficiente: ver-te ao espelho... Olha-te ao espelho: «Aquele sou eu?! Aquela sou eu?! [e dá uma risada]». Verás que te faz rir. Isto não é narcisismo; antes, é o contrário: o espelho, neste caso, serve de cura.
Concluindo, a primeira coisa é a consciência feliz de si mesmo.